Pesquisadores sugerem que riscos de obesidade não considerem apenas o IMC

Indicadores como a quantidade de massa muscular e a circunferência da cintura devem fazer parte da análise

por Paloma Oliveto 23/08/2013 14:15

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Adauto Cruz/CB/D.A Press
Os músculos estriados são os principais captadores de glicose do organismo, por isso, a perda de massa muscular devido à idade ou ao sedentarismo, independentemente do IMC, pode influenciar na sensibilidade à insulina e afetar negativamente a saúde cardiovascular (foto: Adauto Cruz/CB/D.A Press)
Três letras apavoram quem vive brigando com as medidas: IMC. Calculado com base no peso e na altura, o índice de massa corporal determina se um indivíduo está abaixo do esperado, dentro da faixa considerada normal, um tanto acima do que deveria ou se já pode ser encaixado em um dos níveis de obesidade. Aparentemente, é uma conta simples, bastando dividir o peso pela altura ao quadrado. O resultado da equação, contudo, não é conclusivo. Alguns especialistas argumentam que, sozinha, a fórmula é incapaz de determinar se uma pessoa é saudável.

Em um artigo publicado na edição desta semana da revista Science, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia destacam a importância de se levar em conta indicadores mais sofisticados para predizer o risco de mortalidade por obesidade. Eles argumentam que alguns estudos, inclusive, demonstram que um IMC um pouco acima do normal poderia trazer benefícios à saúde, pois o tecido adiposo formaria uma espécie de escudo contra substâncias tóxicas. Isso, porém, não está comprovado.

Diante dos diferentes e polêmicos resultados de pesquisas, além do crescente interesse em se resolver o problema mundial dos óbitos associados ao peso, Mitchell A. Lazar e Rexford S. Ahima alertam que o índice, inclusive, pode mascarar problemas metabólicos em pessoas com IMC normal. Uma das consequências, segundo os professores da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia, é que esses indivíduos acabam não dando a atenção devida à saúde, acreditando que estão livres de riscos associados a problemas metabólicos.

O endocrinologista Walmir Coutinho, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e presidente da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade, destaca que indivíduos não obesos podem, inclusive, ser portadores de esteatose hepática, nome científico da gordura no fígado. Essa condição, embora reversível, é grave e, se não tratada, leva até mesmo à cirrose. Nos casos dos magros que sofrem esse tipo de problema, o cálculo do IMC não evidencia o excesso de adiposidade hepática. Outra ferramenta, a relação entre a cintura e o quadril, é que fornece a informação.

Mitchell A. Lazar, endocrinologista que ficou famoso por descobrir a resistina, uma proteína sintetizada pelas células do tecido adiposo, cita uma pesquisa divulgada em 2008 pela Associação Médica dos Estados Unidos, segundo a qual 24% dos americanos têm IMC normal, mas perfis metabólicos problemáticos. Essas pessoas, apesar de exibirem o peso ideal segundo a tabela, sofrem de excesso de insulina no sangue, resistência ao hormônio, níveis anormais de lipídio e risco aumentado de doenças cardiovasculares e diabetes.

O endocrinologista explica que os músculos estriados são os principais captadores de glicose do organismo, por isso, a perda de massa muscular devido à idade ou ao sedentarismo, independentemente do IMC, pode influenciar na sensibilidade à insulina e afetar negativamente a saúde cardiovascular. “A deficiência de insulina ou um controle pobre do açúcar no sangue em pacientes diabéticos também pode levar a sarcopenia (perda de massa muscular), gordura visceral, estresse oxidativo e processos inflamatórios. Esses, como outros fatores, podem predispor um indivíduo à morbidade ou à mortalidade, mesmo que ele tenha um IMC aparentemente normal”, diz Lazar.

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Mais investigação
De acordo com Rachel P. Wildman, professora de epidemiologia e saúde populacional, a prevalência de pessoas com peso normal, mas portadoras de distúrbios metabólicos é pouco investigada e, consequentemente, ainda mal compreendida. Professora da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, Wildman é coautora do estudo citado por Mitchell A. Lazar e analisou dados de 6 mil americanos participantes do The National Health and Nutrition Examination Survey, uma pesquisa dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. O IMC foi comparado à presença de seis anomalias do metabolismo: hipertensão, taxas altas de triglicerídeos e de glicose, resistência à insulina, inflamação sistêmica e níveis baixos de HDL, o chamado “colesterol bom”.

Os resultados mostraram que, entre a população americana com mais de 20 anos, quase 10% era obesa e metabolicamente saudável. Por outro lado, 8% tinha IMC normal, mas portava um dos seis distúrbios listados pelos pesquisadores. “Nós constatamos que, estatisticamente, há muitos fatores associados às doenças metabólicas, que independem apenas do peso. Hábitos como fumar e fazer exercícios físicos são um exemplo. Outra questão que precisa ser mais explorada em estudos futuros é a circunferência da cintura. Na nossa pesquisa, nós encontramos uma relação entre essa medida e problemas como hipertensão e triglicerídeos mesmo em pessoas que, pelo IMC, são consideradas magras”, diz Wild-man. Ela ressalta, porém, a necessidade de todas essas relações serem mais exploradas a fim de que os médicos possam orientar corretamente seus pacientes.

Para Joshua Ode, pesquisador de medicina do esporte da Universidade Estadual do Vale Saginaw, nos EUA, o IMC não pode mais ser considerado o padrão para medir a quantidade de gordura corporal. “Ele não é tão acurado como se imaginava”, diz Ode, que realizou um estudo a respeito da eficácia do índice. “O grande problema é que se aplica essa conta para qualquer pessoa, seja ela um atleta, seja um homem de 75 anos. O IMC deveria ser usado com mais cautela na classificação dos indivíduos, pois nós sabemos que ele não leva em consideração a massa muscular”, afirma. Segundo ele, uma pesquisa feita com jogadores da liga profissional de futebol americano constatou que a maior parte dos atletas — 60% — seria considerada obesa. “Mas, quando você vê um jogador desse esporte, entende que o grande IMC dele é por causa dos músculos, e não devido à gordura.”

O mesmo vale para fisioculturistas, lembra o endocrinologista Walmir Coutinho. Como são muito pesados devido à massa muscular, o cálculo pode, facilmente, acusar obesidade em atletas que, na verdade, têm pouquíssima gordura no organismo. O médico não defende que o índice deixe de ser utilizado, pois, segundo ele, cada fórmula de avaliação tem pontos altos e baixos — a razão entre cintura e quadril, por exemplo, não é validada para todas as populações. Já o IMC é padrão mundial em estudos e pesquisas epidemiológicas e, sem ele, as definições de obesidade e sobrepeso iriam variar de acordo com cada país. Além disso, Coutinho lembra que, nos consultórios, os médicos não vão se basear apenas no índice para diagnosticar os pacientes, o que descarta a possibilidade de a divisão do peso pela altura ao quadrado induzir uma avaliação errada. “Quando se combinam as ferramentas já existentes é que chegamos a uma avaliação muito boa”, afirma o endocrinologista.

"O grande problema é que se aplica essa conta para qualquer pessoa, seja ela um atleta, seja um homem de 75 anos. O IMC deveria ser usado com mais cautela na classificação dos indivíduos, pois nós sabemos que ele não leva em consideração a massa muscular” - Joshua Ode, pesquisador de medicina esportiva da Universidade Estadual do Vale Saginaw


Milhões de vítimas
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade, com a hipertensão e o diabetes, é responsável por dois terços das mortes causadas por doenças não contagiosas. Em números, são 2,6 milhões de óbitos anuais associados ao peso acima do normal. No Brasil, mais de 65 milhões de pessoas — 40% da população — estão com excesso de peso, enquanto 10 milhões já são consideradas obesas.