Saliva é esperança de cientistas para exames mais baratos e menos invasivos

Segundo pesquisas, cada vez mais o líquido ajudará no diagnóstico de doenças como câncer, hipertensão e diabetes

por Paloma Oliveto 12/08/2013 14:00

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SXC.hu/Banco de Imagens
Na secreção que protege os dentes e a língua, porém, pode estar uma importante ferramenta de diagnóstico médico (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
A maioria das pessoas nem presta atenção na saliva, lembrando dela apenas quando a produção do líquido está mais baixa ou mais alta que o normal. Na secreção que protege os dentes e a língua, porém, pode estar uma importante ferramenta de diagnóstico médico. De acordo com uma equipe de pesquisadores da Universidade de Malmö, na Suécia, nos próximos 10 anos, um cotonete molhado será capaz de revelar, em poucos minutos, substâncias relacionadas a diversas doenças, como diabetes e alguns tipos de câncer. Hoje, o material já é usado para detectar o HIV — no Brasil, o teste rápido está disponível desde 2008.

A equipe de Björn Klinge, professor da Faculdade de Odontologia da instituição sueca, conduziu um estudo com 500 moradores da província de Skane, no sul do país. Os participantes deixaram amostras de saliva e preencheram um questionário com 58 perguntas sobre hábitos de higiene bucal e percepção da importância da saúde oral. Além disso, eles passaram por uma consulta clínica, na qual foram investigadas questões como tabagismo, uso de medicação e histórico de doenças. Posteriormente, os pesquisadores compararam a análise bioquímica da saliva às respostas do questionário e à ficha médica dos voluntários. Eles constataram que a presença, no material, de níveis elevados de uma substância produzida pelo próprio corpo está associada a diversas condições inflamatórias, como doenças cardiovasculares, pressão alta, enterite e problemas nas articulações e nos músculos.

Klinge esclarece que 98% da saliva é água, e o restante é formado por compostos como eletrólitos, muco, substâncias antibacterianas e diversas enzimas. “Entre as muitas funções da saliva, estão o exágue, a limpeza, a lubrificação dos tecidos moles e a facilitação da mastigação”, enumera. “Muitos estudos têm demonstrado que, nesse material, podemos encontrar indicativos de doenças orais, mas, na saliva, também existem biomarcadores inflamatórios que estão associados a problemas sistêmicos. Cada vez mais se identificam, por exemplo, moléculas específicas de doenças como câncer de mama, males cardiovasculares e HIV na saliva”, diz.

Valdo Virgo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Esse líquido é fabricado pelas glândulas sublingual, submandibular e parótida, sendo que cada uma delas é irrigada por uma ampla rede de capilares responsáveis por levar a saliva até a boca. Os vasos sanguíneos se aglomeram ao redor das glândulas, transferindo para as células secretoras moléculas de proteína, água, RNA e sais minerais que circularam anteriormente por vários tecidos e órgãos do corpo. A saliva, portanto, age como um filtro do sangue. Os resíduos que passam pelos capilares e se acumulam na secreção é que permitem aos cientistas identificar marcadores associados a doenças.

Coleta simples
Björn Klinge conta que, por causa dessa característica, alguns médicos consideram a saliva o espelho do organismo. Para ele, os testes rápidos poderão revolucionar o acesso à medicina diagnóstica, pois a ideia é beneficiar pessoas que moram longe de grandes laboratórios e de clínicas que oferecem exames de imagem. “Além disso, o método pode ser muito mais barato”, diz. Como a produção diária de saliva é grande — de 600ml a até 2l —, o material é fácil de ser coletado, além de seguro, pois dispensa agulhas e seringas.

Outra vantagem, apontada por John T. McDevitt, professor de bioquímica da Universidade do Texas em Austin, é a possibilidade de obter diagnósticos mais precocemente. O cientista ajudou a desenvolver um teste que, pela saliva, detecta infartos em 15 minutos. “Muitas vítimas de ataque cardíaco, especialmente mulheres, têm sintomas não específicos e, quando são atendidas, já é tarde demais”, conta. “As doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo, então, é evidente que precisamos encontrar um meio de diagnosticá-las mais cedo para poder salvar milhares de vidas. Com algumas gotinhas de saliva, seremos capazes de fazer isso”, argumenta.

Em parceria com a Faculdade de Odontologia da Universidade de Kentucky, Devitt criou um método que faz uma varredura no líquido atrás de grupos específicos de proteínas já associadas a danos no tecido cardíaco. O paciente cospe em um tubo e a saliva é transferida para um dispositivo no formato de um cartão de crédito. O médico insere o cartão em um equipamento do tamanho de um smartphone, que vai procurar por 32 proteínas cuja concentração aumenta nos casos de arteriosclerose, trombose e síndrome aguda coronariana. “O que é fantástico é que conseguimos medir os níveis de tantas substâncias em apenas um teste e por meio de uma amostra não invasiva. Encontrar esses biomarcadores costuma ser uma tarefa difícil mesmo para instrumentos maiores e mais caros”, comemora o cientista.

O professor Björn Klinge ressalta, porém, que o único teste do tipo disponível atualmente no mercado é o que procura por anticorpos produzidos quando o organismo está infectado pelo HIV. Embora a saliva seja uma ferramenta extremamente promissora, ele diz é preciso aperfeiçoar os métodos diagnósticos que a utilizam como base antes de eles serem usados em grande escala. “No nosso estudo mesmo, fomos atrás de marcadores inflamatórios em geral. Os testes para detecção de doença precisam procurar por traços específicos de cada doença”, afirma. “Não restam dúvidas, porém, do imenso potencial da saliva para futuro método de diagnóstico.”

Coordenador do setor de estudos da Associação Americana de Pesquisa Dental, David Granger acredita que, em poucos anos, haverá exames para diversos tipos de doenças ao alcance da população. “Apesar de algumas limitações técnicas ainda existentes, essa é uma área na qual estamos investindo muito. Com os avanços da nanotecnologia, está sendo possível desenvolver dispositivos cada vez mais portáteis e seguros que fazem uma ‘leitura’ da saliva na busca de biomarcadores para diversos males. Países mais pobres serão muito beneficiados por esses exames, que serão responsáveis por salvar centenas de milhares de vidas”, acredita.

"Com os avanços da nanotecnologia, está sendo possível desenvolver dispositivos cada vez mais portáteis e seguros que fazem uma ‘leitura’ da saliva na busca de biomarcadores para diversos males. Países mais pobres serão muito beneficiados por esses exames, que serão responsáveis por salvar centenas de milhares de vidas”
David Granger, coordenador do setor de estudos da Associação Americana de Pesquisa Dental