Choro é decodificado por americanos que identificaram sintomas de 80 enfermidades na vocalização de bebês

O software desenvolvido pode ajudar no tratamento precoce das doenças, melhorando recuperação

por Paulo Lima 28/07/2013 13:40

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SXC.hu/Banco de Imagens
Existem muitas condições que podem se manifestar em diferenças acústicas do grito (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Identificar o motivo do choro do bebê nem sempre é tarefa fácil para os pais. Pode ser sinal de dor, fome ou desconforto. Problemas graves também estão associados a essa forma de comunicação. Para decifrá-los, pesquisadores da Universidade de Brown, em conjunto com o Hospital de Rhode Island, nos Estados Unidos, desenvolveram uma ferramenta que procura pistas nas pequenas variações vocais.

Professor de psiquiatria e comportamento humano em Brown, Stephen Sheinkopf, que ajudou a desenvolver a nova ferramenta, explica que existem muitas condições que podem se manifestar em diferenças acústicas do grito. Por isso, a necessidade de explorar a tecnologia para a intervenção precoce. “Muitos choros são imperceptíveis ao ouvido humano, e o analisador permite exatamente isso: avaliar as acústicas afinadas do choro do bebê para o prognóstico de problemas, como, por exemplo, de ordem neurológica”, diz.

Para desenvolver a ferramenta, os estudiosos avaliaram, durante dois anos, os motivos dos choros frequentes dos bebês. Primeiro, gravaram os sons com microfones ultrassensíveis, que captam modulações imperceptíveis ao ouvido humano. Os dados foram, então, transferidos para o computador. Depois, cada um dos choros foi comparado ao de crianças que sofriam de diversas patologias. Com a comparação, o software é capaz de identificar sintomas que podem estar associados a alguma doença.

“O sistema automatizado permite avaliar os possíveis problemas com o bebê. Rico em detalhes, ele tem de 88% a 95% de precisão”, afirma Sheinkopf. Ele explica que o aparelho que capta as ondas sonoras consegue avaliar um total de 80 enfermidades diferentes. “Essas análises são realizadas de imediato, permitindo, assim, a eficácia dos resultados”, destaca.

Especialista em análise e projeto de sistemas de informação em Brasília, Pedro Luiz Clé conta que já se tinha conhecimento que os padrões sonoros do choro, aliados a análises de expressões faciais dos bebês, poderiam estar ligados a sintomas de diversas enfermidades. Mas ele considera inovador que os colegas americanos tenham se baseado apenas na acústica. “O que os pesquisadores conseguiram alcançar no estudo foram padrões identificados pelo software nos sons coletados”, opina. “Isso é extremamente difícil.” Clé explica que o sistema de separação por frames facilita a análise. Embora seja entusiasta do uso da tecnologia para um possível diagnóstico, ele acredita que é necessário um grande esforço que torne o método disponível nos serviços médicos. Isso porque os equipamentos utilizados na pesquisa são muito mais sensíveis que um computador pessoal. “Por outro lado, em um processo de evolução do método, pode ser que ele seja adaptado a equipamentos domésticos, com um padrão mínimo de confiança.”

Arte: EM/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e veja como foi feita a pesquisa (foto: Arte: EM/D.A Press)
Aderbal Botelho, perito forense computacional e analista de segurança da informação, compartilha a tese de Stephen Sheinkopf de que existem frequências acústicas inaudíveis para ouvidos humanos e que, por isso, a tecnologia é uma aliada para identificá-las. “Com equipamentos eletrônicos, microfones especiais e softwares adequados, é possível mudar a velocidade e o comprimento das ondas, fazendo com que essas soluções sejam capazes de perceber visualmente as características do som”, destaca. De acordo com ele, já existem programas similares no mercado que ajudam a “enxergar o som”. Um deles é um software livre chamado Audacity que também é um editor de áudio. “O interessante é que, por ser um programa livre, muitos programadores desenvolvem em forma de plugins, efeitos e geradores de gráficos que poderiam, sim, ser utilizados para analisar padrões de sons. O uso de tecnologia para mapear e interpretar esses padrões de choros é indispensável”, considera.

Professor do curso de engenharia acústica da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Marco Pinheiro explica que os seres humanos conseguem ouvir sons que variam de 20 hertz (Hz) a 20 quilohertz (kHz). Isso significa que ondas sonoras com frequência abaixo de 20Hz, conhecidas como infrassom, não podem ser escutadas pelas pessoas, embora existam. Da mesma forma, as ondas sonoras com frequência acima de 20kHz, chamadas de ultrassom, também não são perceptíveis.

O especialista acredita que o choro do bebê possa ser composto de ondas sonoras em alta frequência, devido à formação anatômica do sistema respiratório da criança, que tem dimensões bem menores que as de um adulto. Essa seria uma explicação para as frequências mais agudas emitidas pelos nenéns. “Com instrumentos adequados, capazes de avaliar os sinais sonoros no tempo e transformá-los para o domínio da frequência, em que são identificados valores superiores a 20kHz, podem-se identificar essas características”, certifica o engenheiro acústico.

Autismo
Os cientistas da Universidade Brown acreditam que com o software será possível identificar síndromes logo nos primeiros momentos de vida. Eles exemplificam com o autismo, que, conhecidamente, caracteriza-se por alterações no padrão de fala. Até hoje, contudo, não se conseguiam avaliar diferenças no choro de crianças portadoras da disfunção. Uma anomalia similar também é constatada nos casos de síndrome de Down, a chamada cri du chat (grito do gato). Bebês com esse tipo de problema apresentam uma vocalização aguda e distinta, segundo detectou a nova ferramenta.

Por ser um aparelho não invasivo, a aposta é utilizá-lo também para identificar doenças neurológicas associadas a problemas ocorridos durante o parto. Os pesquisadores esperam que, dessa forma, médicos consigam, graças à tecnologia, intervir logo cedo, garantindo um tratamento precoce e, portanto, eficaz.

Psiquiatra da infância e adolescência do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Fábio Barbirato esclarece que choros muito frequentes têm que ser investigados, mas também recomeda aos pais prestarem atenção nos bebês que não choram. “Esse tipo de emoção é uma forma de se relacionar. No caso da criança que não demostra reação, é necessário uma avaliação criteriosa”, diz ele, fazendo referência a portadores de autismo e crianças com déficit intelectual.

De acordo com a pediatra Ilma Cunha Barros, o choro constante pode indicar doenças infecciosas, neurológicas e até mesmo a cobrança da criança por atenção e colo. Mas muitos desses sintomas podem ser avaliados prestando-se atenção em outros comportamentos do bebê. “No caso das cólicas, com o choro que não cede, são perceptíveis os movimentos do bebê com os membros inferiores”, ensina.

Para Fábio Barbirato, se a tecnologia dos pesquisadores de Brown for validada, essa será uma excelente forma de identificação precoce de doenças. No caso do autismo, o médico esclarece que se pode evitar até mesmo o uso de medicações no futuro. “Já foi comprovado que 80% dos pacientes de autismo poderiam ter os sintomas consideravelmente melhorados caso fossem realizadas intervenções antes dos 5 anos de idade. Essas pessoas podem ser incluídas na sociedade com qualidade”, conclui.