Descoberta de proteína cerebral pode ajudar quem tem esquizofrenia e transtorno bipolar

Pesquisadores dos EUA manipularam geneticamente a RAP 1 e conseguiram interferir na troca de impulsos e neurotransmissores entre células cerebrais. A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de terapias mais eficazes

por Paulo Lima 24/07/2013 08:30

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Arte: CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e entenda como a pesquisa foi realizada (foto: Arte: CB/D.A Press)
Os distúrbios mentais afetam pensamentos, emoções e a capacidade de compreensão. Mas ainda não é compreendido totalmente pela ciência como são desencadeadas no cérebro patologias como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Um trabalho desenvolvido pelo Instituto Virginia Tech Carilion, nos Estados Unidos, pode ajudar a desvendar esses mistérios. Uma equipe de pesquisadores descobriu que a proteína cerebral Rap1 regula a ação das moléculas de cálcio tipo L, que são responsáveis por fazer com que as células nervosas “conversem” entre si.

Na experiência, Alexei Morozov e a equipe liderada por ele eliminaram o gene responsável por codificar a proteína Rap1 para que ela não passasse mensagens aos canais de cálcio tipo L. O resultado esperado foi detectado, levando os cientistas a confirmarem que a proteína Rap1 é responsável pela supressão desses canais e pela ativação deles apenas nos momentos adequados. “É importante salientar que já se tinha conhecimento de que o bloqueio desses canais iônicos inibe a formação da memória de longo prazo e que os canais de cálcio tipo L são ativados em resposta à aprendizagem. O que não se sabia era como a ativação dos canais tipo L era controlada”, destaca Morozov.

Segundo o pesquisador, mutações genéticas que afetam os canais de cálcio do tipo L aumentam as chances do surgimento do transtorno bipolar e da esquizofrenia. “Isso sugere que pode haver uma relação entre a ativação desses canais e esses distúrbios psiquiátricos. Entender como esses pontos do cérebro são controlados é o primeiro passo para determinar como o funcionamento deles ou a existência de defeitos neles afeta a saúde mental”, enfatiza.

Microscópios eletrônicos de varreduras foram utilizados pelos cientistas para visualizar os canais do tipo L durante as sinapses. Ao analisá-las, eles descobriram que, sem a Rap1, eles ficavam mais ativos e abundantes durante a transmissão de impulsos nervosos entre os neurônios, condição que aumenta a liberação de neurotransmissores. “Tenho trabalhado na proteína Rap1 por muitos anos. Agora, essa descoberta de neurotransmissores que podem estar ligados a doenças como o transtorno bipolar e a esquizofrenia ajuda a compreender as origens dos distúrbios e, possivelmente, a encontrar melhores tratamentos”, aposta Morozov.

Cautela
O neurologista Cláudio Carneiro, do Hospital Santa Lucia, em Brasília, porém, é mais cauteloso ao avaliar o estudo americano. “Na pesquisa, é possível observar que o gene que codifica a proteína Rap1 foi inibido como forma de saber quais conexões eram feitas entre as células e a influência que elas exercem no canal de cálcio tipo L. Cabe destacar que é necessário um estudo aprofundado para se certificar de que, realmente, as doenças psiquiátricas são influenciadas por essas mensagens no cérebro.”

Sobre a formação de memória a longo prazo, Carneiro esclarece que doenças como o Alzheimer não poderiam ter tratamento resolutivo, pois ela comprometem, primeiramente, as memórias precoces. Mas o especialista evidencia que o estudo pode ser o início da descoberta de medicamentos mais eficazes contra outras patologias. “As pesquisas genéticas aproximam cada vez mais o cérebro e o comportamento humano. No campo neurológico, os exames como a tomografia e o eletroencefalograma são necessários para a investigação e a avaliação do cérebro, mas desordens de comportamento devem ser levados ao diagnóstico clínico, com a discussão dos sintomas com o médico”, afirma.

O neurologista Ronaldo Maciel, do Hospital Santa Luzia, em Brasília, também acredita que o estudo americano abre portas para novos tratamentos. “Já foi constatado que os sintomas psicológicos têm relação orgânica, o que se espera é que sejam identificadas as causas específicas para que possam ser oferecidos medicamentos à não evolução das doenças”, avalia.

Análise clínica

O psiquiatra José Alberto Del Porto, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esclarece que o diagnóstico de transtornos mentais é clínico, mas estudos de imagens cerebrais em estágios avançados da doença aumentam a confiabilidade do parecer médico. Ele explica que o transtorno bipolar e a esquizofrenia têm, seguramente, características hereditárias bastante importantes. “São o que chamamos de genes homozigóticos, quando se tem a avaliação de que a pessoa poderá ou não desenvolver a doença”, afirma.

Alexei Morozov é entusiasta com a descoberta do caminho de sinapses entre a Rap1 e o canal de cálcio tipo L. “Nosso próximo passo é obter uma melhor compreensão das bases moleculares de doenças psiquiátricas. Tal conhecimento poderá percorrer um longo caminho, mas será necessário para o desenvolvimento de novos métodos terapêuticos.”



A influência dos hábitos

“Já foi documentado que as doenças mentais podem ser decorrentes de cargas genéticas, mas alguns hábitos podem influenciar a desenvolver um transtorno. No caso da esquizofrenia, indivíduos predispostos à doença podem sofrer com o problema ao usar maconha, por exemplo. As drogas têm relação direta com pessoas predispostas ao aparecimento de transtornos mentais, mas outros fatores devem ser considerados, como o estilo de vida e traumas psicológicos. Para o diagnóstico, são avaliadas as consequências negativas que os distúrbios trazem às pessoas, especialmente no convício social. No quesito tratamento, os casos são avaliados isoladamente. No Brasil, já é oferecido gratuitamente antipsicóticos ativos, que ajudam a conviver bem com o problema.”

José Alberto Del Porto, professor de psiquiatria na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Fluxo iônico

Os sinais elétricos que viajam saltando de neurônio para neurônio, a chamada sinapse, permitem a troca de impulsos nervosos e neurotransmissores químicos. O lançamento desses produtos químicos é causado pelo fluxo de átomos carregados eletricamente por meio de um subconjunto especial de canais iônicos, conhecidos como canais de cálcio. Um único neurônio pode ter milhares de sinapses.