Gripe facilita infecção por pneumonia

Nos sete dias mais graves de um surto de influenza, a chance de a população também ser infectada pela bactéria que causa a pneumonia aumenta 100 vezes, segundo estudo americano. Para especialistas, a coinfecção acontece devido ao comprometimento dos pulmões

por Bruna Sensêve 29/06/2013 13:00

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Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para ampliar e entender como funciona o efeito cascata (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
A população que sofre uma epidemia de gripe pode elevar o risco de contágio pela bactéria pneumococo — responsável pela pneumonia — em até 100 vezes. A taxa de coinfecção é bastante elevada, mas tem uma pequena duração, cerca de uma semana, segundo estudo publicado hoje na revista científica Science Translational Medicine. A suscetibilidade da pessoa acometida pela gripe em desenvolver a infecção bacteriana já é uma velha conhecida da clínica médica, mas nunca pode ser mensurada para medidas de saúde pública no caso de situações extremas. Os dados, por muitas vezes mascarados em termos populacionais, foram calculados com exatidão pela primeira vez por uma equipe de pesquisadores liderada por Sourya Silva, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Ele acredita que os resultados poderão ampliar as estratégias em saúde pública para controlar a propagação da pneumonia pneumocócica, que, em muitos casos, pode levar à morte.

Estudos em seres humanos mostram alterações fisiológicas durante a infecção gripal que propiciam um ambiente mais favorável à instalação do tipo de bactéria que causa a pneumonia, podendo, inclusive, torná-la mais grave. O artigo publicado hoje apresenta um modelo computacional de transmissão da pneumonia após analisar diversas hipóteses sobre os possíveis efeitos de uma infecção anterior de influenza — vírus mais comum causador da gripe. Os integrantes do estudo analisaram relatórios epidemiológicos de hospitalizações por pneumonia e registros semanais de pacientes infectados com a influenza. Os dados foram coletados em Illinois, no centro-oeste dos Estados Unidos, entre 1989 e 2009, e possibilitaram a classificação de hipóteses que associavam a transmissão de ambas as doenças.

A hipótese destacada pelo modelo matemático é conhecida como impacto de suscetibilidade. Isto é, aqueles infectados com a influenza são mais suscetíveis à pneumonia pneumocócica. No pico da “estação da gripe”, a equipe de Silva afirma que a interação da infecção viral e por pneumococo chega a 40%. Anualmente, isso significa que entre 2% e 10% das pessoas infectadas com a gripe tiveram esse fator como uma predisposição ao desenvolvimento da pneumonia posteriormente. Esse dado seria capaz de justificar porque ainda não tinha sido possível mensurar essa interação que, em termos anuais, é bastante sutil.

Dois processos
Segundo o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, quando a pessoa está gripada, existem alterações estruturais e imunológicas nas células do pulmão que favorecem a infecção bacteriana. O pulmão desenvolve uma pneumonite viral, um processo inflamatório que promove modificações nos alvéolos — a unidade de funcionamento do pulmão onde se dão as trocas gasosas. “São dois processos, um inflamatório e outro componente chamado vasculite, que é uma alteração inflamatória dos vasos, elevando o risco de sangramento e promovendo o acúmulo de secreção local, o que favorece o desenvolvimento de processos infecciosos bacterianos”, detalha Gorinchteyn.

Gorinchteyn ressalta ainda que esses processos levam a alterações imunológicas locais, debilitando o sistema de defesa do organismo e, mais uma vez, deixando o caminho livre para a instalação da bactéria pneumococo. “São dois mecanismos que se somam e a infecção bacteriana acaba sendo, de certa forma, oportunista. Ela aproveita a baixa imunidade para se desenvolver.” A pneumonia é encarada como uma complicação sutil do quadro viral. Em vez de a febre passar, ela continua aumentando. A tosse passa a ter uma cor amarelada ou esverdeada. Por esse motivo, Gorinchteyn alerta: só quem pode fazer essa avaliação precisa é o médico. “A primeira coisa é não banalizar os sintomas da gripe. Percebemos que aqueles que evoluíram de forma insatisfatória chegaram a óbito não tinham nenhum fenômeno de risco, eram os pacientes que banalizaram os sintomas e postergaram a ida ao médico.”

Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Renato Seligman lembra dados importantes que puderam ser percebidos durante a última grande epidemia gripal no Brasil, em 2009. “Vimos que pessoas gripadas tratadas com o antiviral tinham menos complicações, se internavam menos, iam menos para a UTI, usavam menos respiração mecânica e menos hemodiálise do que as pessoas que não tratavam (a gripe)”, conta.

Segundo Seligman, é bastante comum, nessa situação, encontrar pessoas que desenvolvem também a otite e a sinusite bacteriana. Isso porque as alterações celulares e anatômicas provocadas pela infecção viral dificultam o combate de infecções bacterianas. Um exemplo é a obstrução nasal e o consequente acúmulo de secreção nos seios da face, que ficam com uma drenagem insuficiente, aumentando a chance de sinusite bacteriana. O comprometimento da drenagem da secreção no ouvido é o que aumenta o risco de otite.

Para evitar a infecção inicial, a recomendação básica é a vacinação contra a influenza, ressalta Seligman. “Ela não é 100%, pois o vírus sofre muitas mutações no mundo inteiro, mas, a princípio, a vacina dá uma proteção epidemiológica de 80%.” Quando há a população vacinada, o número de casos de influenza cai, assim como as consequências posteriores à infecção viral.