Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única para os dilemas atuais do casamento?

Veja a opinião de duas grandes autoridades quando o assunto é relacionamento, amor e desejo: a belga Esther Perel e a brasileira Regina Navarro Lins

por Letícia Orlandi 28/06/2013 09:00

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Uma relação duradoura afasta o instinto selvagem? Em 'Sexo no cativeiro', a psicóloga belga Esther Perel aponta as diferenças entre as fontes de amor e desejo (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
Intimidade não é garantia de mais qualidade no sexo. Desejo não combina com previsibilidade e com falta de espaço. Essa é a opinião de Esther Perel, psicóloga, terapeuta sexual e escritora best-seller belga radicada nos Estados Unidos. Ela é autora do livro 'Mating in captivity: unlocking erotic intelligence' (Acasalamento no cativeiro: desvendando a inteligência erótica). No Brasil, a obra foi lançada como 'Sexo no cativeiro: driblando as armadilhas do casamento'. Assim como a psicanalista brasileira Regina Navarro Lins – autora de 'A cama na varanda' e do recém-lançado 'O livro do amor' -, ela se dedica a investigar o amor, o desejo, o casamento, a monogamia e as mudanças na mentalidade de cada época. Mas, embora as duas descrevam a surrealidade do amor romântico que vemos nos filmes e livros, a diferença está basicamente na 'solução' que cada uma prevê para os grandes dilemas de um relacionamento duradouro.

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Esther Perel: por um lado, muitas pessoas buscam estabilidade e segurança; por outro se veem às voltas com a falta de desejo. Para Esther Perel, a estratégia para driblar essa tensão seria ampliar nossa inteligência erótica (foto: Divulgação)
Se, por um lado, muitas pessoas buscam estabilidade e segurança; por outro elas se veem às voltas com a falta – ainda que momentânea – de desejo e atração pelo parceiro. Para Esther Perel, a estratégia para driblar essa tensão seria ampliar nossa inteligência erótica. Isso parte da compreensão de que, em uma relação duradoura, a paixão não dura para sempre. O que não é motivo para pensar que o desejo deixou de existir. Ele só precisa ser ressuscitado, segundo a terapeuta. “As crianças têm uma capacidade de imaginação, curiosidade e inovação constante. Elas estão dispostas a brincar, explorar e descobrir. Essas características fazem parte da inteligência erótica, mas não nascemos com elas – precisamos cultivá-las. A inteligência erótica está vinculada ao impulso de manter-se vivo, à conexão com a força energética vital”, explicou Esther em entrevista por telefone ao Saúde Plena (clique aqui para saber mais).

A autora esclarece que, no Ocidente, o erotismo é automaticamente associado ao sexo, mas a inteligência erótica não é necessariamente uma habilidade sexual. “O ato sexual não pode ser o único objetivo. O erotismo é a poesia do sexo, é o sexo transformado pela nossa imaginação, e isso está além da cama – tem a ver com quem eu sou, com a identidade de cada um. Tem a ver com descobrir como é possível manter a novidade, a curiosidade e o espírito explorador dentro de um relacionamento duradouro”, define a terapeuta. “Se vejo o erotismo como inteligência, então é algo que cultivo, principalmente com a imaginação”, resume. Mas não fique com o resumo.

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Regina Navarro Lins: se houvesse uma máquina do tempo e pudéssemos ir aos anos 1950 para dizer que em poucas décadas seria natural as moças não casarem virgens e os casais se divorciarem, iam nos internar em um hospício. Com a relação pautada pelo amor romântico e pela exclusividade, será a mesma coisa (foto: Arquivo Pessoal )
Quais são as grandes dificuldades? Uma grande frustração que os casais de qualquer sexo e idade têm, segundo Esther, é acreditar que o desejo deve ser igual ao do início de sua história juntos. O casamento inspirado pelo amor romântico traz expectativas irreais e vira um motor de insatisfações. Somam-se a essa outras frustrações: o egoísmo do outro, a dificuldade em expressar suas preferências, o desapontamento com as preferências do outro, a rotina, a idade avançada, o sexo focado apenas na parte genital do corpo, a falta de orgasmo para alguns; e o foco apenas no orgasmo, para outros.

E temos ainda o fato de não gostar do próprio corpo. “Se você não gosta do próprio corpo, como vai convidar alguém para desfrutá-lo junto com você? A tirania do corpo que existe em vários países, inclusive no Brasil, exacerba essa frustração”, acrescenta Esther Perel. Ou seja: muitas vezes, a insatisfação que leva à infidelidade tem mais a ver com o conhecimento de nós mesmos do que com alguma negligência do outro.


Para toda a vida ou que seja eterno enquanto dure?
As mudanças no modelo de casamento foram drásticas em poucas décadas. Se antes, o casamento era obrigatoriamente e irrevogavelmente para a vida toda, hoje já se permite que o “para a vida toda” seja com uma pessoa por vez. “A monogamia é um conceito que sempre muda através da história. Em séculos passados, ela não era uma definição romântica, e sim econômica. Era uma imposição sobre a mulher, afinal, o patriarca precisava saber se aqueles filhos eram dele, para levar a família e o patrimônio adiante”, lembra Esther.

Com a criação do mito do amor romântico, no século XX, o casamento monogâmico deixou de ser uma imposição e se tornou uma convicção amorosa. “Passamos a querer que a pessoa com quem nos casamos seja uma boa amiga, uma boa confidente e também uma amante apaixonada”, detalha Esther. Mais tarde, com a legalização do divórcio, a revolução sexual e a pílula anticoncepcional, a monogamia passou a ser com uma pessoa por vez; e não com uma pessoa pela vida toda.

 

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Este nomadismo sexual foi abrindo mais possibilidades e permitindo comparações entre as experiências - através da história, o significado da sexualidade e as fronteiras sexuais mudam. Os relacionamentos abertos, por exemplo, são mostras dessa negociação de limites, segundo Esther, mas é necessário entender que, por outro lado, quem tem uma relação tradicional não necessariamente está perdendo. “O desafio erótico é integrar a relação de duas necessidades humanas fundamentais e opostas – uma relação comprometida, estável, segura, previsível, de um lado; e a surpresa, a novidade, o mistério, o fascínio pelo desconhecido, de outro”, pontua. Como é impossível que a mesma pessoa seja naturalmente estável e surpreendente, familiar e inovadora, previsível e misteriosa, a terapeuta bate na tecla do esforço.

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O mito do amor romântico e eterno é apontado pelas duas especialistas como fonte de frustrações e desentendimentos. Nesta visão idealizada, se a relação não vai bem, é porque não existe amor. Será? (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
Infidelidade e desejo
“As pessoas que têm relações extraconjugais não necessariamente têm relações ruins. Elas buscam a possibilidade de serem diferentes, buscam renovação pessoal, o que quase sempre é difícil num casamento de décadas. O divórcio, neste sentido, é a reafirmação do sistema – você não acredita que errou de modelo, errou de pessoa”, explica Esther. Mas, apesar de difícil, ela garante que renovar-se não é impossível.

A terapeuta ensina que, para manter o desejo, é necessário manter o frescor. Como? Com distância. “O desejo precisa de uma história para surgir. A tendência é reclamar: fulano é sempre o mesmo. E esquecemos que nós também somos os mesmos”, alerta Esther. O desejo, com o tempo, passa a vir de forma mais calma, mas nem todos aceitam isso, tal é a idolatria do amor romântico. “Para o desejo surgir, não existe a necessidade obrigatória de uma nova pessoa. Bastam novos comportamentos, novas iniciativas. É um esforço, é um trabalho contínuo. Ele deve ser premeditado, uma vez que deixou de ser espontâneo”, define a terapeuta belga.

Funciona como quando você decide cozinhar um prato especial – é preciso pensar na receita, comprar os ingredientes, criar a apresentação. Porque aceitamos tanto que deve haver empenho na vida profissional, mas a conjugal deve se resolver sozinha? Porque acreditamos que, se ela não se resolve, não há amor suficiente? Essas são algumas das provocações de Esther Perel.

Romantismo: o inimigo
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Se distância é fundamental para o desejo, Esther indica: não fique de mãos dadas o tempo todo (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
A autora, que viajou por dezenas de países promovendo seu livro e realizando pesquisas, observa que onde o romantismo entrou, instalou-se uma crise do desejo. Ela resolveu, então, fazer a pergunta: quando você sente mais atração pelo seu parceiro?

Apesar de culturas, religiões e gêneros diferentes, as respostas foram semelhantes e agrupadas:

Primeiro grupo:
- sinto mais atração pelo meu parceiro quando estamos longe e nos reencontramos. Ou seja: é possível imaginar-se com o parceiro, devido à ausência e à saudade – uma grande componente do desejo.

Segundo grupo:
-sinto mais atraída pelo meu parceiro quando o vejo se destacando e seu ambiente ou fazendo allgo que gosta muito, quando é o centro das atenções. Um exemplo: “quando minha mulher faz uma apresentação de trabalho para centenas de pessoas sem nem perceber que estou ali na plateia”. Ou seja: aquela pessoa familiar volta a ter um certo mistério. Neste espaço, nasce o movimento, o impulso erótico.

Terceiro grupo:
- quando estou surpreso, quando rimos juntos, quando há alguma novidade. Novidade não tem nada a ver com novas posições na cama ou novas técnicas. Tem a ver com se descobrir.

Se, para o desejo no casamento sobreviver, é necessário existir uma distância, há muita gente que precisa trabalhar a tranquilidade de estar longe do outro, permitir que ele cresça. Muitos casais apostam em uma vida sem brigas e agressividade. Um mundo 100% politicamente correto. Mas a raiva pode trazer a distância que estimula o erotismo. Afeição permanente pode abafar o tesão. “Já procurei, mas ainda não encontrei uma pessoa que se excite por alguém que precisa dela. Precisar é desestimulante”, sentencia Esther. O desejo vem quando o outro é visto como independente, e não como pai/mãe/companheiro..

Fontes diferentes
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Chegada dos filhos pode levar à perda da individualidade. E isso, por sua vez, pode levar a dificuldades na criação do desejo (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
As coisas que alimentam o amor não são as mesmas que alimentam o desejo. Amor é ter, desejo é querer. Amor inclui ansiedade e responsabilidade. Desejo inclui transgressão. É possível querer o que já temos? “É perfeitamente possível. Só que algumas pessoas têm mais facilidade de serem bilíngues e transitar entre amor e desejo com o mesmo parceiro, enquanto outros não querem viver com a tensão que é exigida pelo erotismo. A paixão anda junto com a quantidade de incerteza que você consegue tolerar”, aponta a terapeuta. “O desejo é como a lua, que tem ausências intermitentes. Já atendi casais que sofriam com a falta de desejo há anos e conseguiram retomá-lo”, completa. Os casais eróticos derrubam o mito da espontaneidade. Sexo com compromisso é sexo premeditado.

Esther levanta ainda a questão da ‘igualdade’. Historicamente, as sociedades tentam controlar a sexualidade. Embora tenha havido uma luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, muitas abandonam sua condição independente após o nascimento dos filhos e passam a regredir ao mesmo comportamento das mães e avós. “Além de insatisfações com o corpo, cansaço e alterações hormonais, a mulher abandona sua individualidade. E o individualismo é vital para o desejo. Neste caso, o companheiro, em vez de ficar esperando alguma mudança, deve criar um novo ambiente”, alerta.

Não confunda premeditação com obrigação
É possível forçar o sexo, mas nunca o desejo. “É importante aprender pela experiência. Conhecer seu corpo e saber o que o satisfaz, para depois comunicar o que faz você se sentir bem. Ler e assistir filmes também ajudam a desenvolver a mente erótica, descobrir e explorar novos caminhos”, ensina Esther. É como descobrir seu gosto em música – vocês escuta uma música, descobre que gosta dela. Repete muitas vezes, depois passa para outras músicas. “A experiência é importante para desenvolver a autoaceitação, a autoestima – para se sentir confortável ao explorar o sexo”, resume.

A última fronteira - ou tabu universal - do sexo é sua presença dentro da família. E o casamento vive essa tensão entre a formação da família e o sexo. “Estar apaixonado dentro do casamento monogâmico é um paradoxo. Se antes o sexo era apenas para procriação, ele não fazia parte do dia a dia da família. E ainda estamos rompendo essa fronteira. É a sexualidade que vem do desejo, não da obrigação. O casamento atual precisa ter amor, sexualidade e desejo de felicidade. Quando alguém me procura e diz que enxerga o marido ou a esposa como irmão ou mãe, por exemplo, é porque o papel do outro deixou de ser sexual”, define a terapeuta.

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Acreditando no mito do amor romântico, a maioria acha que a falta de desejo significa que o amor acabou. Mas Esther Perel explica que amor e desejo têm fontes diferentes e algumas pessoas conseguem transitar entre eles com mais facilidade. (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)


Duas pessoas que querem manter o desejo e desenvolver sua inteligência nesta direção devem compreender que o amor é um espaço erótico, dentro do qual o desejo pode desabrochar. O desejo é uma ponte que deve ser cruzada para se chegar ao outro. “Para isso, é necessário haver egoísmo, no melhor sentido da palavra: a habilidade de estar conectado consigo mesmo na presença do outro”, explica Esther.

Mas ela chama a atenção para algo cada vez mais raro nessa equação: a privacidade. Casais eróticos têm privacidade sexual, um espaço que pertence a cada um. Entendem que o erotismo e o sexo são um lugar para onde você vai sem sua roupa de cidadão responsável, de homem e mulher ‘de bem’. “A privacidade e o tempo que passamos longe um do outro, significam intimidade consigo mesmo, e isso está cada vez mais raro na sociedade ocidental, que vive a valorização da transparência”, conclui Esther Perel.

Arte: Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Arte: Soraia Piva / EM / DA Press)

A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins também acredita que boa parte desses conflitos e angústias se devem às mudanças na forma de encarar o mito do amor romântico – que exige a exclusividade (ou monogamia) e prega que as duas pessoas do casal vão se tornar uma só. Elas têm a certeza de que não ficarão mais sozinhas. Todas as expectativas, que antes poderiam ser diluídas entre vários parceiros, concentram-se e um único indivíduo. “O amor romântico, que povoa as mentes desde meados do século XX, cria uma situação muito irreal, e por isso mesmo esse conceito de monogamia está acabando. Cada vez mais pessoas entendem que o amor pode existir – ainda que não haja exclusividade”, afirmou Regina durante a entrevista.

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Em 'O Livro do Amor', Regina investiga o passado da concepção de amor e casamento (foto: Arquivo Pessoal)
É ela mesma que atende ao telefone fixo de seu consultório no Rio de Janeiro, sem intermediários. Uma das estratégias que ela faz para apontar as tendências que identifica na sociedade é justamente falar diretamente com seus leitores, em palestras, no seu blog ou mesmo na rua. A psicanalista já publicou 12 livros, é consultora de programas de televisão e rádio. Em O livro do amor (são dois volumes) ela conta a evolução deste sentimento em sentido histórico, buscando fornecer elementos para entender o que temos no presente.

Do alto dessa experiência, ela acredita que essa idealização do outro – o amor por uma pessoa que nós mesmos inventamos, a nossa alma gêmea – está saindo de cena. “Isso acontece porque há uma crescente busca pela individualidade – que nada tem a ver com o sentido pejorativo do egoísmo”, explica ela, em um de seus pontos de contato com as ideias de Esther Perel. “A grande viagem atual é para dentro de si mesmo. Cada um quer saber qual é o seu potencial e desenvolvê-lo. E nesse processo não cabem tantas concessões apenas para manter alguém ao seu lado. A busca da individualidade bate de frente com o amor romântico, que prega a fusão dos sujeitos”, define.

Regina também acredita no respeito ao espaço do outro: cada um tem que ter liberdade de ir para onde quiser, ter os amigos que quiser, sem ter sua vida e sexualidade controlados. “Mas somos muito inseguros, a partir do momento em que saímos do útero. Daí procuramos alguém que nos complete, preencha. Mas a única coisa que deveria importar para uma pessoa num relacionamento é se ela se sente amada e desejada, e não com quem o outro está transando”, afirma. É também o que Esther diz: é necessário ter capacidade de manter vida própria, ter atividades separadas, preservar a liberdade.

Para Esther, ter vida própria ajuda a manter a vontade de reconquistar o parceiro diariamente. Já Regina foca em outro aspecto: se no amor romântico só se tem olhos para o ser amado, ele tem que ser exclusivo. Logo, o problema não está na distância, e sim na exclusividade. Regina não acredita nessas mudanças de mentalidade “dentro dos limites do casamento”.

A estudiosa brasileira aponta, sim, uma mudança mais drástica, só que gradual. Menos pessoas vão querer se fechar numa relação a dois e mais gente vai optar por ter relações múltiplas. “O casamento vai mudar muito. Estamos no meio de um processo de mudança de mentalidade - os anseios, o comportamento, os desejos coletivos de cada época”, afirma a psicanalista. Regina lembra que, hoje, as pessoas exigem e valorizam a exclusividade, mas uma grande proporção delas tem casos extraconjugais. “Alguns estudos apontam inclusive que as mulheres transam fora do casamento quase na mesma proporção que os homens e já não sentem tanta culpa”, complementa a escritora.

Para Regina, uma relação extraconjugal não recebe o nome de traição. Trair seria decepcionar gravemente um amigo, um colega ou alguém da família, sem nada ter a ver com exclusividade amorosa e ciúme.

A sociedade somos nós
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'A grande viagem hoje é para dentro de si mesmo. Cada um pode escolher seu caminho', diz Regina Navarro Lins (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
Ainda há preconceito contra coisas bem consolidadas, como as pessoas divorciadas – principalmente mulheres. Será que nossa sociedade está preparada para esta mudança? Regina ouve muito essa pergunta. “Não tenho a menor dúvida de que isso vai acontecer, mas não será no próximo verão. O processo, muitas vezes, só é percebido depois que é concluído. Se houvesse uma máquina do tempo e pudéssemos ir aos anos 1950 para dizer que em poucas décadas seria natural as moças não casarem virgens e os casais se divorciarem, as pessoas daquela época não iam acreditar. Provavelmente iam querer nos internar em um hospício. Achariam um absurdo. Com a relação pautada pelo amor romântico e pela exclusividade, será a mesma coisa”, pontua a psicanalista.

Para a autora, isso não quer dizer que toda relação monogâmica tradicional esteja fadada ao fracasso. “A grande vantagem do momento em que vivemos é que cada um pode escolher sua forma de viver. O que estou apontando não é a substituição de um modelo por outro”, pondera. “Nós somos afetados por muitos estímulos, o tempo todo. É natural sentir desejo por outras pessoas. Mas você tem a escolha sobre o que vai fazer com este desejo, se vai colocar em prática ou não. Isso depende de como você encara o desejo, o amor e o sexo”, explica a especialista.

Assim como Esther, ela acredita que a dependência do outro – principalmente a dependência emocional, a incapacidade de ficar sozinho – destrói o desejo e o tesão. Elas concordam que há necessidade de uma certa insegurança para manter o desejo do outro. Mas, enquanto Esther coloca que uma terceira pessoa não precisa existir concretamente, Regina não barra essa possibilidade.

A grande dificuldade, segundo a psicanalista brasileira, é que, desde criança, sempre tivemos que nos enquadrar em modelos, anulando nossa singularidade. As mulheres devem ser sensíveis. Os homens devem ser fortes. Todos devem desejar as mesmas coisas. “Os modelos tradicionais não dão respostas satisfatórias para todos. Isso abre espaço para a experiência de novas formas. Se existe desejo por outras coisas e pessoas e você os abandona por medo, está na hora de repensar. Por outro lado, se você não têm essa vontade ou a angústia, a relação com exclusividade poderá atendê-lo”, aponta a autora.

Condicionamento
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Para Regina, o coração não precisa ser de um só a cada vez. Daqui a 30, 40 anos, as relações serão, em sua maioria, abertas (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
Ela destaca, no entanto, que somos condicionados ao relacionamento tradicional desde que nascemos, dificultando o processo de se fazer uma escolha livre. “Quando chegamos à idade adulta, não sabemos mais o que desejamos realmente e o que aprendemos a desejar”, resume a psicanalista. Se ''quem ama, não transa com mais ninguém”, como aprendemos, a descoberta de uma traição vai trazer um sofrimento profundo. A pessoa terá certeza de que não é amada.

Mas Regina enxerga sinais de que isso está mudando. “No meu blog, por exemplo, lancei recentemente a pergunta – você deseja fazer sexo a três? Se, há algumas décadas, o número de respostas afirmativas não passaria de 5% e há dez anos foi de 77%, nesta pesquisa o índice alcançou 85%. Outro exemplo são as casas de swingue, cada vez mais populares. Esses comportamentos desafiam o amor romântico”, explica Regina. “No futuro, meus tataranetos vão pensar: coitadinha da vovó, tinha um único parceiro para tudo”, brinca.

A psicanalista lembra que, em todas as épocas, há comportamentos díspares. “Em qualquer momento, encontramos aberrações. A Comissão de Direitos Humanos não propôs a cura gay?”, exemplifica.

Protagonismo
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A boa notícia é que nem todos precisam se enquadrar nos modelos padronizados e repetidos (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
Esse tipo de mudança está nas mãos das mulheres, como muitas revistas femininas sugerem? 'Seduza seu marido' e 'Aprenda 50 novas posições', estampam nas capas. Essa crença pode estar sendo alimentada pelas próprias. “Ainda hoje, encontramos muitas mulheres independentes com a cabeça retrógrada. Tenho amigas intelectualizadas que não aceitam pagar a conta do motel, por exemplo. Por quê? Elas também não foram até lá para ter prazer? Parece que estão voltando à época em que alguma moças se valiam de sua beleza e juventude para trocar sexo por dinheiro e joias”, alfineta Regina.

Para ela, assim como para Esther, a mudança de visão atinge homens e mulheres. “Em breve, as mulheres que acham que o homem deve pagar tudo serão minoria. Mas os homens também têm que se libertar do mito da masculinidade – homem não chora, homem não brocha, homem não tem sensibilidade – isso só traz sofrimento”, define. “Homens que já se libertaram desse ideal de força, sucesso e poder estão muito mais preparados para trocar afeto e ter uma relação sexual em nível de igualdade. O pior homem de cama é o homem machista, que vai para o sexo para provar que é macho reprodutor – está mais preocupado em mostrar suas ‘qualidades’ do que trocar prazer”, diz, taxativa. E completa: “a mulher precisa de mais sangue circulando e tempo para ter um orgasmo”.

Se, para Regina, daqui a 30/40 anos a maioria dos casais vai optar por relações abertas, o conceito de inteligencia erótica – dentro dos limites do casamento, como define Esther Perell – não é o caminho. “Não há inteligência nessa preocupação constante de seduzir o parceiro. Tem uma nova inteligência quem consegue ficar bem sozinho e para de buscar a segurança no outro. É inteligente quem está junto pelo prazer, não pela necessidade de ter alguém”, define.

Em seu consultório, a psicanalista tem visto um número cada vez maior de pessoas descobrindo que essa segurança é ilusória e indo atrás de novas paixões, na medida em que elas aparecem. “A ilusão da segurança pela exclusividade é primária, digna de uma criança de 5 anos. As relações podem ser ótimas, proporcionar um grande aprendizado de como dar e obter prazer. Mas é preciso ter coragem, abandonar o moralismo para fazer essa opção e ser feliz”, conclui a autora, casada pela terceira vez aos 63 anos – em uma relação sem exclusividade -, mãe de dois filhos e avó de uma menina. E que já foi acusada de ser contra o amor.

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