Projeto nacional elabora estratégias para reduzir mortalidade materna

Em média, 1.685 mulheres morrem no país, anualmente, durante a gravidez, o parto ou aborto, ou depois de terem o bebê. Para reverter os números, programa incentiva assistência integral à gestante e o parto normal

por Sara Lira 12/06/2013 11:39

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Isabella Lucas/Divulgação
"O objetivo do trabalho foi avaliar a mortalidade materna em Belo Horizonte de 2003 a 2010 com a intenção de identificar os perfis das mulheres que morreram e os fatores associados aos óbitos" - Lilian Valim Resende é demógrafa (foto: Isabella Lucas/Divulgação)
A gravidez é uma fase importante em vários aspectos da vida de uma mulher, principalmente do ponto de vista da saúde. É um período em que, mais do que nunca, ela deve se voltar ainda mais para os cuidados com o próprio organismo, pois são muitos os perigos que podem cercar uma gestação sem acompanhamento médico adequado, até mesmo no período pós-parto. As possíveis complicações são variadas, como hipertensão, hemorragias e até mesmo infecções que podem levá-la à morte, preocupando a comunidade médica em todo o país.

Apesar do alerta dos especialistas para os números de óbitos maternos, segundo o Ministério da Saúde, em 2011 houve uma queda de 8,3% no número de óbitos decorrentes de complicações na gravidez e no parto, em comparação com o ano anterior. Comparando os 20 anos compreendidos entre 1990 e 2011, a Razão da Mortalidade Materna (RMM) no país caiu quase pela metade, indo de 141 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, para 63 óbitos/ 100 mil nascidos vivos, ou seja, uma redução de 55% na RMM. De acordo com o MS, o cálculo de mortalidade materna é feito em razão de cada 100 mil nascidos vivos para poder ser empregada uma metodologia de comparação e obter dados científicos.

Se forem considerados os dados brutos nacionais sobre mortalidade materna durante a fase gestacional e no período de puerpério (até 40 dias após o parto), eles assustam um pouco mais: em média, de 2003 a 2010, 1.685 mulheres morreram, a cada ano, no país durante a gravidez, parto ou aborto, durante o puerpério até 42 dias, de 43 dias a 1 ano; ou tardiamente. As regiões com o maior número foram Sudeste e Nordeste. Entre esses anos, os que registraram maior número de óbitos foram 2009, com 1.884, e 2010, com 1.728. Os dados são do Datasus, oriundos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), gerido pelo Departamento de Análise de Situação de Saúde da Secretaria de Vigilância em Saúde, em conjunto com as secretarias estaduais e municipais de saúde brasileiras.

Arte/EM
Apesar do alerta dos especialistas para os números de óbitos maternos, segundo o Ministério da Saúde, em 2011 houve uma queda de 8,3% no número de óbitos decorrentes de complicações na gravidez e no parto, em comparação com o ano anterior (foto: Arte/EM)
Segundo o Ministério da Saúde, um dos fatores que explicam a redução no número de óbitos/a cada 100 mil nascidos vivos é a instalação do projeto Rede Cegonha, que tem como uma das metas o incentivo ao parto normal humanizado e o estímulo a assistência integral das mães desde o planejamento reprodutivo até o pós-parto. Esse tipo de ação é tão importante para salvar vidas que corrobora os resultados de um estudo desenvolvido para uma tese de doutorado apresentada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que mostra que, em Belo Horizonte, mais de 70% das mortes maternas poderiam ter sido evitadas.

Segundo dados do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Secretaria Municipal de Saúde da capital mineira, no período de 2003 a 2010, dos 137 óbitos maternos registrados, 99 tinham classificação por evitabilidade e deste número, 86 foram consideradas como evitáveis, ou seja 72% das mortes. Os dados estão na pesquisa “O contexto e perfis característicos da mortalidade materna em Belo Horizonte (MG), 2003-2010”, defendida recentemente pela demógrafa Lilian Valim Resende na UFMG.

Segundo ela, o objetivo do trabalho foi avaliar a mortalidade materna em Belo Horizonte de 2003 a 2010 com a intenção de identificar os perfis das mulheres que morreram e os fatores associados aos óbitos. O trabalho também constatou a percepção de familiares em relação às mortes. De acordo com Lilian, foram identificados dois perfis de óbitos na capital mineira. “Um é o das mulheres que morreram no parto pós-cesária. Elas até chegaram a fazer pré-natal. Muitas dessas mulheres morreram principalmente por síndromes hipertensivas como pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, infecções pós-parto e hemorragias. Neste caso, os bebês sobreviveram. Já no outro grupo, com um número menor de pessoas, os óbitos registrados foram de mulheres que morreram durante a gestação ou em decorrência de abortos provocados”, explica.

No estudo, a demógrafa também ouviu familiares das mulheres que morreram e eles sugeriram falhas na assistência prestada à saúde da mulher. “O planejamento reprodutivo, sobretudo para adolescentes e mulheres que apresentaram problemas em gestações anteriores, a atenção qualificada, com captação precoce da gestante no pré-natal, encaminhamento ao pré-natal de alto risco, valorização das queixas das mulheres e busca ativa, nos casos em que a gestante por algum motivo interrompeu a assistência, foram alguns dos fatores discutidos em termos de evitabilidade das mortes maternas”, destaca Lilian.

Pré-natal é fundamental
Para especialistas, um dos fatores que mais ajudam a evitar mortes maternas é um pré-natal adequado, uma vez que este acompanhamento auxilia no curso positivo da gravidez, tanto para a mãe como para o bebê. “Gravidez não é doença, mas é um estado diferente, pois há alterações orgânicas e funcionais que propiciam o desenvolvimento de doenças”, destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (Sogia-BR), José Alcione Macedo Almeida.

Segundo a ginecologista e obstetra Cláudia Navarro Lemos, alguns fatores são mais comuns no caso de morte na gravidez. Um deles é a pré-eclâmpsia, um aumento da pressão arterial em conjunto com edemas (inchaços) pelo corpo e perda de proteína pela urina. Caso não tratada, ela pode se agravar e evoluir para a eclâmpsia, que é quando a gestante tem convulsões, podendo apresentar sangramento vaginal e até entrar em coma. Essa complicação mais grave pode ocorrer antes, durante ou depois do parto. De acordo com Cláudia, outro fator de mortalidade são as hemorragias, que podem ocorrer por uma série de razões, como por exemplo um aborto provocado, um trabalho de parto que foi muito demorado ou uma gravidez tubária rota (quando o óvulo fecundado começa a se desenvolver nas tubas uterinas e não no útero).

As infecções também podem levar a gestante à óbito, tanto as que ocorrem durante a gestação quanto as puerperais, ou seja, até40 dias após o parto. “Elas ocorrem porque o útero ainda está aumentado e ele fica sangrando por alguns dias. O sangue é um meio de cultura para as bactérias e uma bactéria na vagina pode subir para o útero, afetando-o e desenvolvendo uma infecção que pode ser severa e até levar à morte. No puerpério a mulher está mais vulnerável e seu organismo caminha para o retorno das condições normais, por isso há uma susceptividade maior para determinadas doenças e agravamentos ”, explica o presidente da Sogia-BR, José Alcione Macedo.

Um outro fator que pode ajudar a diminuir o número de mortes maternas é o incentivo ao parto normal, pois ele é considerado o procedimento mais adequado. “Não há dúvidas de que a porcentagem de cesárias está acima do indicado, mas as entidades médicas têm lutado para diminuir isso”, afirma Cláudia Navarro. “O parto cesariana é uma alternativa apenas para salvar paciente e bebê quando o parto normal não ocorre de forma natural”, completa o presidente da Sogia-BR.

Para além dos partos, os médicos afirmam que uma gravidez planejada e um pré-natal feito de forma correta são os principais meios de se evitar a mortalidade materna. “O que se aconselha é que o pré-natal seja feito desde o início da gravidez, pois é isso que propicia o controle da saúde do bebê e da mãe. As mulheres têm que entender que o pré-natal é a chave de tudo”, acrescenta José Alcione.

Estratégia nacional
A Rede Cegonha é uma espécie de estratégia lançada em 2011 pelo governo federal, que tem como metas incentivar o parto normal humanizado e intensificar a assistência integral à saúde de mães e filhos, desde o planejamento reprodutivo, passando pela confirmação da gravidez, pré-natal, parto, pós-parto, até o segundo ano de vida da criança. A rede também prevê que as crianças tenham o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis. As ações contemplam a expansão e a qualificação do pré-natal, das maternidades, leitos, centros de parto normal e casas da gestante, do bebê e puérpera. Para a construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança, o Ministério da Saúde prometeu investir R$ 9,4 bilhões até 2014. Atualmente, 4.936 municípios de todos o país já aderiram à estratégia e mais de 2,2 milhões de mulheres são atendidas pela Rede Cegonha, que correspondem a 94% do total de gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).