Dificuldade visual pode ser confundida com problema neurológico; saiba mais sobre a Síndrome de Irlen

Diagnóstico correto da doença é essencial para a adaptação e bom desenvolvimento dos portadores

por Gabriella Pacheco 29/04/2013 08:00

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Arquivo Pessoal
A advogada Paula Tourinho (d) com a filha Julia Tourinho (e) passaram 18 anos sem saber que a dificuldade de aprendizagem da estudante poderia ser causada pela Síndrome de Irlen (foto: Arquivo Pessoal)

Quando a advogada Paula Tourinho, de 49 anos, começou a notar que a filha Júlia Tourinho Ribeiro, hoje com 20 anos, apresentava dificuldades na aprendizagem. A menina ainda estava no início do ensino fundamental, mas ao invés de receber auxílio da escola, o que ela encontrou foram portas fechadas. A instituição particular acreditou logo de cara que o problema se tratava de um distúrbio neurológico. Contudo, foi só quando Julia completou 18 anos que a família descobriu – através do comentário de uma amiga - que a dificuldade da menina poderia ser visuoperceptual e não neurológica. Bastou um exame para ser confirmado que os obstáculos eram, na verdade, causados pela Síndrome de Irlen - uma disfunção que atinge uma a cada sete pessoas no mundo.

Ao contrário do que acontece nos transtornos neurológicos, a dificuldade apresentada pelos portadores dessa síndrome está associada à percepção das coisas pelos olhos. Identificada pela primeira vez na década de 1980, nos EUA, a Síndrome de Irlen é uma disfunção relacionada à exposição à certos tipos de iluminação, intensidade, comprimentos de onda, contraste e frequências espaciais que induzem dificuldades no processamento de informações pelo cérebro.

E o diagnóstico correto da doença é essencial para a adaptação e bom desenvolvimento dos portadores da síndrome. “Se você não resgatar essas crianças de maneira precoce – o que para a gente é até a 3ª série do ensino fundamental, no máximo – elas vão se tornar vítimas potenciais de bullying nas escolas devido a dificuldade de acompanhar a turma e não ter o desempenho escolar satisfatório. Elas podem acabar desenvolvendo resistência à escola e baixa autoestima”, afirma a chefe do departamento de distúrbios de aprendizagem do Hospital dos Olhos, Márcia Guimarães.

Durante quase todo o ensino fundamental, esse foi o caso de Júlia. A mãe conta que a menina passou por dificuldades em boa parte do período de escolarização sem que ninguém da escola tivesse suspeitado ou mencionado a síndrome de Irlen. “Foi uma época traumática porque ficamos anos achando que ela tinha outra coisa. Tirei ela da escola convencional e coloquei ela em uma escola diferenciada e acho que foi por isso que ela conseguiu chegar onde chegou”, confessa a mãe. “Acho que nossas escolas são totalmente despreparadas para detectar esse tipo de problema. A primeira escola, que era particular, quase expulsou ela porque não davam conta do problema. Achavam que ela não era aluna para aquela escola”, completa.

Mesmo que tardio, o diagnóstico foi um divisor de águas na vida da estudante de Psicologia. "Eu tinha uma dificuldade que ninguém sabia o que era. Fiquei surpresa porque nunca tinha ouvido falar dessa síndrome, mas foi uma descoberta que mudou minha vida para muito melhor", confessa.

A notícia só foi dada depois de Júlia ter concluído o primeiro semestre da faculdade - o que em si já foi uma grande conquista aos olhos da estudante e da família, dada a dificuldade enfrentada por ela. "Minhas notas estavam perto dos 60% nos primeiros meses de aula, mas depois do diagnóstico minha média subiu para 80%, 85%. Por isso acredito que se eu tivesse descoberto isso mais cedo não teria enfrentado grande parte das dificuldades que tive na escola", comenta.

Divulgação / Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães
A socióloga Kênia Ribeiro e o filho mais velho Otávio, que tem dislexia e síndrome de Irlen. Os óculos com filtro específico para tratar a patologia permitem o menino ter mais facilidade na escola (foto: Divulgação / Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães)

A dica que levou a família a realizar os exames em Júlia para constatar a síndrome veio da amiga e socióloga Kênia Correa Ribeiro, de 48 anos – mãe de Otávio, de 13 anos, e Isabel, de 11, ambos portadores da mesma patologia. Ao contrário da amiga, Kênia teve acesso à informações sobre a doença enquanto os filhos ainda frequentavam o ensino fundamental e depois disso ainda contou com o apoio da escola para que as crianças continuassem a estudar. “Hoje eles utilizam o óculos e tiveram uma melhoria grande. Eles só fazem provas e exercícios de aula oralmente, com a ajuda dos professores, e nunca tiveram uma nota abaixo da média”, conta.

A falta de divulgação sobre a sídrome de Irlen e a quantidade de diagnósticos equivocados motivou a socióloga a tentar ajudar outras mães na mesma situação. Foi com esse proposta que ela começou o projeto Lê, em Montes Claros, no Norte de Minas, que auxilia a identificação de novos casos em crianças. “Acho que a primeira coisa a fazer é não perder tempo. Se o pai desconfiar que alguma coisa está errado, o melhor a fazer é investigar. Tudo tem jeito, principalmente a Síndrome de Irlen. O retorno é muito rápido e evita que a criança seja taxada de incompetente”.

A médica Márcia Guimarães explica que a doença é caracterizada pela sensibilidade à luz. “A atividade do nosso cérebro se inicia quando a luz atinge a retina. Só que tem pessoas que têm mais sensibilidade que outros para a luz. É como se ela fosse desconfortável para quem possui essa síndrome”, comenta.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press
A médica Márcia Guimarães é chefe do departamento de distúrbios de aprendizagem do Hospital dos Olhos e especialista no tratamento de Síndrome de Irlen (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press)
A hipersensibilidade obriga quem tem a síndrome se esforçar mais para ler e ver. Esse esforço a mais acaba se tornando incômodo e comprometendo processos de aprendizagem, como a leitura e interpretação de textos. “Tem gente que tem a sensação de que as letras estão vibrando ou veem ondinhas na tela do computador. Essas pessoas também não conseguem assimilar a visão com outras atividades, porque elas têm uma sobrecarga sensorial. Ou ela assiste TV ou ela escreve, por exemplo”, explica.

Alguns dos sintomas apresentados nesses casos são dor de cabeça, sonolência e desempenho mais lento em relação às demais pessoas – características semelhantes as de dislexia e Transtorno do Déficit de Atenção (TDA), o que faz a síndrome ser comumente confundida com as outras.

No entanto a especialista alerta que isso não significa necessariamente que essas pessoas apresentem algum déficit intelectual. “Essas pessoas são subotimizadas em relação à outras. Mas se os ambientes frequentados por eles fossem ajustados, eles poderiam, inclusive, ter desempenho acima da média”, afirma.

Diagnóstico


Apesar de ser um problema oftalmológico, a Síndrome de Irlen não pode ser identificada em exames de visão rotineiros. Os testes que irão constatar ou não a presença da patologia são os que analisam a dinâmica ocular: se os olhos trabalham em sintonia e se o cérebro processa a informação com qualidade.

Uma vez identificado, existem duas maneiras de tratar o problema: nas duas a hipersensibilidade na retina é neutralizada. “Descobrimos onde fica o ruído neurológico que prejudica a pessoa e neutralizamos aquilo com um filtro seletivo que bloqueia a frequência causadora do dano por meio de um óculos”, explica a médica.

Segundo Júlia, o filtro nos óculos traz grande alívio para os portadores da síndrome. "Quando eu estou com os óculos parece que tem uma mudança total na minha visão. Parece que enxergar fica muito mais confortável", destaca.

Os óculos custam R$2 mil e só são fabricados nos EUA. Uma outra saída mais barata é a utilização de uma espécie de película em cima de livros, cadernos ou em monitores de computador. Cada folha custa R$20 e pode ser reutilizada.

Auxílio tecnológico

Para auxiliar no diagnóstico dessa e de outras doenças dos olhos, a UFMG, em parceria com a Fundação Hospital dos Olhos desenvolveu uma tecnologia que permite o rastreamento de déficits de aprendizagem relacionados à visão.

Os dois procedimentos tem a proposta de padronizar os exames, de forma que as doenças possam ser identificadas e monitoradas precocemente. Um deles, o Eyetracking, faz o rastreamento do globo ocular durante o momento da leitura. O outro, o Keystone, mensura a visão de cores, visão periférica, contraste, lateralidade e desvio dos olhos.