Estudo mostra aumento do consumo de bebidas açucaradas entre brasileirinhos

Em algumas faixas etárias, elas representam, sozinhas, 15% de toda a demanda calórica diária organismo

por Humberto Siqueira 21/03/2013 09:18

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Euler Junior/EM/D.A Press - 03/08/2012
Entre os adolescentes de 11 a 17 anos, a maior parte das calorias consumidas vem de refrigerantes ou sucos de caixinha (foto: Euler Junior/EM/D.A Press - 03/08/2012 )


A influência norte-americana no Brasil vai muito além da ocupação quase integral de filmes nas salas de cinema, do vestuário ou da verticalização das cidades. Os hábitos alimentares dos brasileiros também estão sendo construídos dentro do fracassado modelo da terra de Tio Sam, que levou milhares de pessoas à obesidade naquele país. Instigados pela adoção da alimentação estrangeira por aqui, os professores Rubens Feferbaum, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Luiz Carlos de Abreu, do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP, se debruçaram sobre os reflexos do aumento do consumo de refrigerantes, sucos de caixinha e outras bebidas altamente calóricas entre as crianças e adolescentes de cinco capitais brasileiras.

O estudo “Padrões de ingestão de fluidos: um estudo epidemiológico de crianças e adolescentes no Brasil” acompanhou 831 meninos e meninas entre 3 e 17 anos, para avaliar a evolução do consumo dessas bebidas ao longo dos anos. Os pesquisadores buscaram descobrir quantas calorias diárias são consumidas com esses líquidos, comparando os resultados com as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

À medida que as crianças crescem, o consumo de leite cai, abrindo espaço para o aumento da ingestão de sucos e refrigerantes. Os resultados mostraram que entre os adolescentes de 11 a 17 anos, a maior parte das calorias consumidas vem de refrigerantes ou sucos de caixinha, que representaram uma média diária de 207 quilocalorias (kcal), ou 42% do total de calorias obtidas apenas pelo consumo de líquidos. Bebidas açucaradas ficam em segundo lugar, com índices entre 37% e 45% de calorias nos grupos de 3 a 6 anos, e de 7 a 10 anos, respectivamente. Entre crianças de 3 a 10 anos, o estudo levantou que leite e derivados estão entre os líquidos mais consumidos.

“A substituição do leite e da água por sucos artificiais e refrigerantes é uma catástrofe. Os pais não devem nunca oferecer essas bebidas com calorias vazias. Isso pode até causar deficiência de proteínas que afeta não só o crescimento como também o desenvolvimento do cérebro. Ou ainda alterações na síntese dos neurotransmissores (moléculas químicas produzidas dentro do neurônio) que podem afetar o funcionamento dos neurônios e causar doenças de alteração do comportamento social, entre várias outras”, alerta Luiz Carlos de Abreu.

Para Rubens Feferbaum, “os profissionais de saúde devem estar atentos ao consumo excessivo de bebidas adoçadas entre as crianças e adolescentes. Padrões alimentares saudáveis podem ajudar a melhorar os programas de prevenção de sobrepeso e obesidade”, afirma. Em todas as faixas etárias o consumo de água entre os líquidos se manteve em 30%, quando deveria ser de pelo menos 60%. As bebidas doces aumentam sua participação nos hábitos diários à medida que a criança cresce, chegando a representar, sozinhas, 15% de toda a demanda calórica diária do organismo, no caso dos adolescentes, caindo para 12% entre aqueles de 7 a 10 anos e 8% de 3 a 6 anos.

Débora Fernandes da Silva, de 15 anos, chegou a pesar próximo de 90 quilos. A mãe, Luciana Fernandes Coelho, de 35, percebeu que precisava fazer algo e tem ajudado a filha na reeducação alimentar. “Antes ela tomava refrigerantes todos os dias. Sempre tínhamos na geladeira. A solução foi parar de comprar. Hoje, só suco, e preferencialmente natural. Mas a praticidade às vezes nos leva aos sucos de caixinha. E tem dado resultado. Em pouco tempo ela já chegou a 83 quilos e vai continuar nesse caminho. A alimentação, claro, também tem melhorado. Pizza e biscoitos recheados, antes frequentes, agora são raros na mesa”, garante Luciana.

Para Abreu, a questão virou um problema de saúde pública. “A obesidade abre as portas para comorbidades (doenças relacionadas) como a aterosclerose, infarto, hipertensão, diabetes, déficit de atenção e hiperatividade”, diz. O estudo mostra que todas as capitais avaliadas estão no mesmo barco: a população infantil e jovem tem tendência à obesidade por uso dessas bebidas, registrando aumento de 62% no consumo. “Percebemos que há um movimento uniforme em direção a padrões alimentares alterados. É preciso agir desde as creches até as universidades para reduzir esses índices de obesidade dentro dos próximos 20 a 30 anos. Caso contrário, estaremos gerando uma bomba-relógio para o sistema público de saúde brasileiro e para a previdência social, pois teremos uma pandemia de doenças relacionadas ao excesso de peso que vão superlotar os hospitais e afastar essas pessoas do trabalho”, conclui o pesquisador.

Obesidade se alastra pelo país

A obesidade é considerada um problema de saúde pública em países desenvolvidos e uma epidemia global, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Dados atuais mostram que a prevalência de sobrepeso entre crianças e adolescentes é alta também nos países em desenvolvimento. Isso é reflexo de problemas nutricionais na infância. No Brasil, a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada no biênio 2008-2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que a proporção de meninos entre 10 e 19 anos que estão acima do peso aumentou de 3,7 % em 1974-75 para 21,7% em 2008-09. Entre as meninas na mesma faixa etária, a proporção passou de 7,6% para 19,4% durante o mesmo período. A pesquisa analisa os gastos das famílias e do consumo de acordo com a renda. O consumo regular de calorias na forma líquida é tido como um dos principais responsáveis pelo ganho de peso, devido à sua baixa saciedade e alto teor de açúcar adicionado. Com reflexos no aumento do risco cardiovascular e da diabetes mellitus tipo 2 em crianças e adultos.

Para Rubens Feferbaum, “estudos epidemiológicos são geralmente projetados para avaliar a ingestão de alimentos sólidos. Mas as bebidas também devem ser consideradas na abordagem nutricional de indivíduos e populações, especialmente em ambientes tropicais como o Brasil, onde a temperatura elevada pode contribuir para a desidratação”, sugere.

A metodologia do estudo

O estudo incluiu 831 crianças e adolescentes de ambos os sexos, que variaram de 3 e 17 anos de idade, de Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife. Os setores censitários são unidades territoriais definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para orientar a distribuição espacial da população, dados os critérios após a coleta, em que apenas um pesquisador de recenseamento pode cobrir toda a área. A partir do universo de setores censitários nas principais áreas urbanas do Brasil, 90 setores censitários foram selecionados aleatoriamente de atingir o tamanho amostral calculado, afim de representar a diversidade socioeconômica, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Quando um líquido foi ingerido, o tempo, tipo e volume da bebida foram registados utilizando as fotografias dos utensílios e recipientes utilizados, o que aumentou a confiabilidade dos dados. Os líquidos foram classificados em 11 grupos: água, água com sabor de leite e produtos lácteos, bebidas quentes (incluindo café e chá), bebidas carbonatadas (refrigerantes), sucos naturais (sucos de frutas sem adição de açúcar), bebidas artificiais (contendo alimentos corantes, aromatizantes e adição de açúcar), néctares (polpa de frutas com adição de açúcar), bebidas funcionais (energia e bebidas isotónicas), álcool e outros, que incluíam bebidas à base de soja e sopas instantâneas. Para avaliar a contribuição de energia diária de cada tipo de bebida, o número médio de kcal foi determinado com base nos rótulos.