Em show no Parque Municipal, Criolo mostra que samba é compromisso

Cantor levanta a plateia de BH com o repertório do novo disco, Espiral de ilusão. O rapper se mostra um bamba seguro e afinado

por Ângela Faria 11/06/2017 12:48
EM/D.A.Press
(foto: EM/D.A.Press)

Rap no coração, samba no gogó. Assim foi o quinto show de Criolo para mostrar aos mineiros seu novo disco, Espiral de ilusão, depois de passar por Porto Alegre e Rio de Janeiro com casas lotadas. Cerca de cinco mil pessoas foram ao Parque Municipal, na madrugada de domingo (11/6), para ouvir o repertório do rapper, dedicado exclusivamente ao mais brasileiro dos gêneros musicais. O álbum chegou às redes sociais no final de abril, mas o público, formado preponderantemente por jovens, já tinha os refrões na ponta da língua.

A festa junina – Arraiá Incrível – caiu no samba, em noite temperada várias vezes pelo grito “Fora Temer!”. Porém, nem Criolo nem a plateia transformaram aquela celebração em showmício. Nem precisava. As letras, poeticamente, já dão o recado: “Meninos mimados não podem reger a nação” (Menino mimado); “Não vá bancar essa patifaria/E gente da alta na papelaria/Delação premiada/Jogo de poder/E se for pra rua/tem que me deter” (Cria de favela); “Quero vê quem vai ter coragem/Ou peito pra interferir/Se a falange do mal tá pronta/E a paz teve que sair” (Hora de decisão).

Assista à apresentação da música 'Menino mimado', em BH:



“Nossa energia faz totalmente diferente, sobretudo nesses períodos de descaso”, afirmou Criolo antes de cantar Menino mimado. Citou as caravelas que chegaram ao Brasil e dizimaram os índios, saudou a herança da Mãe África, pregou o amor, celebrou a vida. Ele e seus fãs espantaram o baixo-astral pós-absolvição da chapa Dilma-Temer com alegria e reverência ao samba tradicional. O novo repertório fala de desamores, amores impossíveis (na divertida Filha do Maneco, em que o pai da musa, o chefão do morro, garante horas extras ao coveiro), e, à moda Chico Buarque, se esmera no eu lírico feminino (na linda Espiral de ilusão).

Além dos 10 sambas autorais do novo disco (só Hora da decisão não é assinada por ele; Ricardo Rabelo e Dito Silva, do grupo Pagode da 27, fizeram a letra, a que mais se aproxima do universo cantado pelo rap), Criolo levantou a plateia com os sambas que havia gravado nos discos Nó na orelha (Linha de frente) e Convoque seu Buda (Fermento pra massa).

O rapper canta bem, galvaniza a plateia com seu carisma. Pula, dança, samba, faz cara de sofrido, sorri -- “performa” à vontade. O palco é dele. E deixa claro que rap e batucada não são universos tão distantes como muita gente pensa. “Foi o rap que me trouxe aqui para o samba, mano. O hip-hop do nosso país. Se você é da causa, vamos fazer barulho”, convocou, ovacionado pela plateia. E todo mundo bateu “palminha de quebrada”, como costuma dizer o DJ Dan Dan (fiel escudeiro de Criolo, que não participa deste projeto), todo mundo cantou (as vozes femininas lembraram as “pastoras” que o acompanharam no disco), todo mundo aplaudiu a valer quando o percussionista Maurício Badé deu um show coreográfico no centro do palco. Assista:



Aliás, um “regional” de primeira segurou aquela roda de samba: além de Badé, brilharam os instrumentistas Gian Correa, Ricardo Rabelo, Ed Trombone, Fernando Bastos, Guto Bocão e Alemão. Guitarras, picapes, baixo, teclados e computadores, usuais nos shows de rap, deram lugar – com muito bom gosto – a cavaco, violão de sete cordas, sax-soprano e percussão. A direção musical é assinada pelo experiente Daniel Ganjaman. Criolo abriu e encerrou a noite com Nas águas, revigorante tributo ao alto astral. “Nas águas do mar/Eu vou/ Me benzer/ Vou me banhar/ Nas águas do mar/Eu vou/ Pedir perdão/ Pra abençoar”, diz a letra.

Mas bonita mesmo foi a homenagem de Criolo à velha-guarda. Cantou Juízo final, como só os bambas sabem fazer. E a madrugada  – com a bela lua no céu – chegou embalada pelos versos (quiçá premonitórios) do mestre Nelson Cavaquinho: “A luz há de chegar aos corações/ Do mal será queimada a semente/ O amor será eterno novamente”. Quer saber? Se depender de Criolo e seus “súditos-fãs”, a luta continua. E o sol, neste domingo junino, brilhou mais uma vez...

Jovens fãs aprovam rapper sambista

Aos 41 anos, Criolo encanta fãs que poderiam ser filhos dele. Ninguém reclamou de não ouvir rap no Parque Municipal. Sophia Lara, de 18, acompanha o artista desde os 14 e aprovou a faceta sambista do paulistano. Diz que a nova canção de que mais gosta é Boca fofa, segundo ela uma crítica pertinente à "mídia e à manipulação da realidade".
 Aline Diniz, de 19, gostou do novo disco, Espiral de ilusão. Dez faixas dedicadas só ao samba por alguém que fez a fama no rap foi "um susto no bom sentido", afirma, embora lembre que o Criolo sambista já estava presente nos discos Nó na orelha e Convoque seu Buda.
Venâncio Celestino, de 18, gostou da forma amorosa como o paulista lida com os desafios do dia a dia e do país. Sophia elogiou o jeito de Criolo abordar questões políticas em seus sambas, "nas entrelinhas, de forma subjetiva", segundo ela. Heidi Krupp, de 22, diz que Criolo "é uma pessoa de luz", que não se furta a defender a igualdade de gênero. "Um artista sensacional", conclui. Ela trabalhava num dos bares da festa e ficou toda feliz quando o cantor, no meio do show, mandou seu abraço a quem estava "trampando" no Arraiá.

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