Vanguart se reinventa no novo disco, 'Beijo estranho'

Agora um quarteto maduro, banda lança o trabalho mais difícil para 'alguém que costuma seguir o nosso trabalho', diz o vocalista Helio Flanders

por Agência Estado 28/04/2017 09:00

Daryan Dornelles/Divulgação
Helio Flanders é o vocalista e compositor da música 'Beijo estranho', que dá nome ao álbum. (foto: Daryan Dornelles/Divulgação)

De cenho fechado, Fernanda Kostchak, violinista do Vanguart, relembra como o encontro com o produtor Rafael Ramos, no Rio de Janeiro, colocou a banda para se movimentar em direção a um novo disco, o quarto da carreira, quase três anos e meio depois de Muito mais que o amor, o mais solar dos trabalhos do grupo nascido em Cuiabá. ''E, então, quantas músicas vocês têm?'', quis saber Rafa, como o carioca é chamado pelos integrantes da banda. Tinham 10, 12 canções, no máximo. Para Ramos, era o bastante para um disco – e ele tinha uma semana livre no estúdio Tambor, no Rio. Para eles? Nem tanto. ''Ele nos fez voltar para São Paulo correndo. Assim começou o disco. Foi o timing que a gente não esperava'', explica Helio Flanders, vocalista e um dos compositores da banda.

''Assim, criamos o compromisso'', segue Kostchak, integrante do grupo desde o segundo e mais melancólico álbum da banda, Boa parte de mim vai embora, de 2011. ''E isso favoreceu certas punções naturais que estavam acontecendo com a gente. Foi quando decidimos realmente entrar de cabeça nesse disco e começar a nos dedicar exclusivamente. Digo, com foco nisso (o disco), porque sempre somos dedicados, né?''

 

 

Ela sorri. Flanders, jocoso, dá uma piscadela, como se a dedicação não fosse tão constante assim. Kostchak ri alto, acompanhada pelo restante da banda, Reginaldo Lincoln (baixo e voz) e David Dafré (guitarra). É uma brincadeira, entre tantas, que surge espontaneamente na dinâmica do agora quarteto.

Beijo estranho, o novo álbum da banda, é o primeiro da atual formação, sem a presença de Douglas Godoy (bateria) e Luiz Lazzaroto (teclado). As baquetas, no disco, foram divididas entre Loco Sosa e Julio Nganga e o último deve seguir com a banda na turnê subsequente. Lançado pela Deck no final de março, o álbum foi gravado ao longo de 30 dias no Rio de Janeiro, diluídos em duas viagens, em julho e novembro do ano passado.

CONSENSO
''Havia um consenso de que já era hora de começarmos a trabalhar em um novo disco'', admite Flanders, deixando as brincadeiras de lado. Por sinal, duas das músicas presentes em Beijo estranho –, Quando eu cheguei na cidade e Quente é o medo –, assinadas por Flanders e Lincoln, respectivamente, já estavam presentes nos shows do Vanguart – no disco, Quando eu cheguei na cidade é roqueira, preenchida, com Thiago França (Passo Torto e Charanga do França) no sax e na flauta.

Como diz o vocalista, essas duas canções representam bem as duas metades compositoras da banda. Dois opostos. Nelas, encontram-se as duas forças responsáveis por provocar a faísca: o lirismo melancólico de Flanders e a doçura pop de Lincoln. Ambos, assim como o guitarrista Dafré, experimentaram projetos solos nos quais suas identidades próprias se escancararam. ''E ajudou a ter saudade da criação coletiva'', explica Flanders. Kostchak concorda: ''Ajudou a separar certas coisas e valorizar coisas com que estávamos habituados''. Voltaram todos, com o impulso de Rafael Ramos, às canções que já reuniam para aquele que seria seu quarto disco.

Beijo estranho
, tal qual seus antecessores, nasce desse embate, das canções de Flanders, das canções de Lincoln, das canções erguidas da colaboração de ambos. Com os quatro integrantes da banda tendo ultrapassado a terceira década de vida, o álbum traz uma visão não tão trágica da existência, como em Boa parte de mim vai embora (2011), nem tão solar e florida, como do trabalho mais recente, Muito mais que o amor (2013). Descobriram, na maturidade, o sossego. A certeza de que o mundo ao redor não precisa, necessariamente, ser cinza ou iluminado. Aceitam-se, sem anseios desnecessários, os amores e desamores. As palavras ''amor'' e ''medo'' surgem com frequência ao longo das canções e não estão lá despropositadamente.

É o tal ''beijo estranho'' que dá nome ao disco e à primeira canção do álbum. Lançada semanas antes do disco, a música assinada por Flanders não é considerada single, no sentido de ''música de trabalho'', embora tenha sido a primeira revelada do álbum, e causa impacto. ''É a canção que mais traz estranhamento para o fã do Vanguart'', analisa o vocalista. ''Fomos entendendo que esse não é um disco que será fácil para alguém que costuma seguir o nosso trabalho. O disco anterior era uma espécie de 'beijo menos estranho'. Esse é estranho'', brinca.

PAZ

A canção nasce com urgência e, ao abrir o álbum, apressa o ouvinte a se posicionar na cadeira para assimilar as informações a seguir: o violino aflitivo de Kostchak, em descendente, o piano martelado de Flanders. Há angústia à espreita, pronta para ser liberada, em versos como ''espera eu te contar, espera eu te dizer / nunca mais vai fazer, o que você já me fez'', mas, por fim, encontra-se a paz. ''Vivi todos os meus dias em ti, mas hoje eu vivo, vivo em mim'', diz o fim da canção.

É como se o Vanguart respondesse a ele mesmo, aos seus discos anteriores. Como diz o verso que abre Pancada dura, a faixa que encerra o disco: ''Ainda não entendo o amor, mas já tenho medo dele''. O amor segue incompreensível, ainda amedronta, mas já não se foge dele: ''Eu vou viver o que for, mesmo que me faça chorar'', canta Flanders. ''Esse disco é a antítese do trabalho anterior'', diz Lincoln. O anterior já era a antítese do antecessor. Ao completar-se o ciclo, na antítese da antítese, o Vanguart deveria estar de volta ao mesmo lugar. Não estão. Encontram-se noutro ponto. Mais felizes e seguros de si. 

 

Abaixo, confira Beijo estranho:

 

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