Sambista Toninho Geraes lança 'Estação Madureira'

Em seu novo álbum solo, músico reverencia o povo brasileiro e a mulher amada. Autor de hits de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, ele briga por espaço para a música dos bambas

por Ângela Faria 15/04/2017 08:00

Cris Gomes/divulgação
O mineiro radicado no Rio Toninho Geraes (foto: Cris Gomes/divulgação)
 

“O samba tem poder agregador, sobretudo agora que o Brasil perde o principal: a esperança”. Quem diz isso é o compositor Toninho Geraes, um bamba mineiro da estirpe de Ataulfo Alves, Geraldo Pereira e Noca da Portela. Fornecedor de hits para Martinho da Vila (Mulheres), Zeca Pagodinho (Seu balancê) e Beth Carvalho (Se a fila andar), o belo-horizontino volta a pôr o gogó a serviço das próprias canções. Em seu quinto disco solo, Estação Madureira, ele se junta ao craque Moacyr Luz para saudar “o povo que grita nas ruas”, celebrar a riqueza da Amazônia e a saga de Chico Mendes e, como sempre, render tributo à mulher amada.


“Sou nó da tua madeira/ Sou lenha da tua fogueira/ Sacode a poeira que eu vou me virar”, cantam Toninho e “Moa”, velhos parceiros nas rodas de samba do Rio de Janeiro. O mineiro dedica A cara do Brasil ao “cidadão perdido” nestes tempos de intolerância, impeachment e reputações desmascaradas pela corrupção. “Já vivi de ocasião/ Já mudei de opinião/ Já fui pedra, fui vidraça/ Mas com raça não fiquei no chão”, diz a letra. “São as contradições que o nosso povo vive hoje, né? Entre o herói e o vilão, o certo e o errado, a esquerda e a direita”, resume Toninho.

 

Por falar em pedra, o compositor virou alvo em sua própria página do Facebook por classificar como golpe o impeachment de Dilma Rousseff. Alguns fãs avisaram que deixariam de ir a seus shows. Houve até “conselhos” do tipo “quem você pensa que é para falar de política? O Chico Buarque?”.

“Agressor, eu excluo – mesmo – da rede social. Tenho amigos que pensam diferente, uns até reacionários, defensores do Bolsonaro. Fizemos um trato: a gente vai tomar cerveja, mas não fala de política”, conta ele. “Tempos tristes, né? Na época da ditadura, elites e militares estavam de um lado, a gente de outro. Agora é muito mais difícil: a esquerda não sabe para onde vai, e a direita, como sempre, segue unida”, constata.

AGONIA Mas o Brasil parece ser como o samba: agoniza, mas não morre, como já decretou Nelson Sargento. Se na política e nas redes sociais imperam a intolerância e “tribunais” do Facebook e do Twitter, o portelense Toninho celebra tanto o povão que sacode a poeira quanto o mestre Sargento, patrimônio da Mangueira. Afinal de contas, as rivais azul-e-branco e a verde-e-rosa só brigam onde de direito: na Marquês de Sapucaí.

“Nelson Sargento me prendeu com a sua poesia/ Me deixou trancafiado/ Numa linda melodia”, diz o samba de Toninho Geraes e Chico Alves. Aliás, uma aula de tolerância lá dos anos 1960 cairia como uma luva para os “haters” deste século 21. Por volta de 1968, Paulinho da Viola compôs Sei lá, Mangueira com Hermínio Bello de Carvalho. Houve portelense zangado com o agrado à rival, mas tudo acabou (civilizadamente) em samba quando surgiu Foi um rio que passou em minha vida, a tocante homenagem de Paulinho à escola do coração.

“O samba tem o dom de unir”, resume o portelense Toninho, rendendo tributo ao veterano mangueirense . Porém, ele adverte: “faltam vez e voz” ao mais brasileiro dos gêneros musicais, pois as rádios, a TV e a mídia em geral não dão o espaço merecido ao sambista de raiz. “A exceção foram os anos 1980, na época da Clara Nunes e do Roberto Ribeiro”, observa.

 

INTERNET “Minha sina de Deus é levar/ Um pote de mel adoçado no mar”, versa o mineiro em Destino. Enquanto mídias tradicionais priorizam sertanejos, funkeiros e o pop pasteurizado, Toninho se enreda com gosto nas redes sociais, comemorando o fato de seus clipes ultrapassarem 1 milhão de visualizações.

“A faixa etária da plateia dos meus shows vai dos 20 aos 60 anos. Posso te dizer que a moçada de 25 a 30 anos chegou a ser maioria em muitos deles. O pessoal que gosta de samba genuíno me segue na internet”, revela.

Aliás, a rede também é “parceira”. A cara do Brasil, por exemplo, foi composta graças a ela, pois Moacyr Luz lhe mandou esta e outras letras pelo “zap zap”. “Facilita demais”, diz, Toninho, de 55 anos, dizendo ter “um pé dentro e outro fora da caverna”, em termos tecnológicos.

Por via das dúvidas, o mineiro mantém “bem guardadinhos” o gravador analógico e a coleção de fitas K-7 virgens. Também pudera. O parceiro baiano Roque Ferreira – “que mal atende o telefone”, segundo Toninho, e comparece no novo CD com a bela Mágoa – manda-lhe suas pérolas “na velha fitinha”, assim como Wilson das Neves, outro bamba de quatro costados.

 

Confira clipe de um sucesso de Toninho Geraes:

 

 

Tecnologia até ajuda, mas é só coadjuvante, pondera Toninho, observando que as obras-primas de Paulo César Pinheiro saíram de uma velha Olivetti portátil. “E é assim até hoje”, enfatiza.

ROMÂNTICO Das 13 faixas de Estação Madureira, sete falam de amor. Da sofrência do malandro arrependido (Laço da paixão, parceria com Paulinho Rezende) e das dores da separação (Mágoa, com Roque Ferreira) ao boêmio devotado à desconfiada musa (Livro aberto, com Gilson Roque).

A única faixa não assinada por Toninho é Caninana (Chico Alves e Marco Pinheiro), que compara a mulher amada à serpente brava e valente do título. Provocado pela repórter, Toninho garante que não teme ser crucificado no “tribunal feminista” ao chamar a musa de “cobra criada em lábia de cigana” e “diaba incorporada em querubim”. Mineiríssimo, explica: “Qualquer pessoa inteligente vê que ali está um grande elogio ao poder que a mulher exerce sobre o homem”. E, em seguida, cantarola: “Ela comanda o meu destino feito mandarim”.

MINAS Desde a década de 1980 radicado no Rio de Janeiro, Toninho avisa: “Sou Portela e Cidade Jardim”. Fala com paixão da escola belo-horizontina e dos desfiles realizados em BH há 30 anos. “O nosso carnaval era maior que o de São Paulo”, enfatiza, reivindicando mais apoio aos sambistas de BH – sobretudo agora, quando a folia da capital se revitalizou. “Nos anos 80, fizemos um belo carnaval ali na região do Arrudas, mas depois houve uma enchente e acabaram com a festa”, esbraveja.

Outra bronca: “BH não tem mais casas dedicadas ao samba”. Toninho Geraes faz essa advertência lembrando os bons tempos das gafieiras Elite e Estrela, do Primeira Bateria, da Muralha e do Peixe Vivo. Diz que, ao contrário do que gostaria, apresenta-se muito raramente em seu estado, sobretudo no interior. “Em casa de ferreiro, espeto é de pau”, brinca, contando que conhece todo o Brasil graças ao samba. “Só não cantei no Piauí”, revela, para logo emendar: “Ainda”.

 

 

ESTAÇÃO MADUREIRA
De Toninho Geraes
Produção: Alexandre Cardozo
Alma Boêmia Discos

 

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