Rogério Flausino abre o verbo sobre a carreira, o cenário do rock e o estigma de ser "coxinha"

Quase 20 anos depois do lançamento do primeiro CD do Jota Quest, o vocalista abre o coração para falar sobre os colegas, o futuro e a política

por Mariana Peixoto 11/09/2016 10:13
Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press
O Jota Quest posa em seu estúdio em BH, o Minério de Ferro. Banda faz o show Pancadélico, dia 24, na capital mineira (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press)

Dezessete anos separam a balada Fácil da dançante A vida não tá fácil pra ninguém. De “Fácil/Extremamente fácil”, o Jota Quest, na voz de Rogério Flausino, mudou o discurso para “Dar um relax/Esquecer a tristeza/Se preparar pro que ainda vem por aí”. As duas canções servem como analogia para as mudanças da banda, da música pop e do próprio Brasil. Prestes a completar 20 anos de seu primeiro álbum (em outubro) e com 23 de formação, o Jota Quest apresenta no BH Hall, no dia 24, seu novo show, Pancadélico (também nome de seu oitavo álbum de estúdio). Na entrevista a seguir, realizada no estúdio do grupo, Minério de Ferro, Flausino, de 44, fala sobre tudo isso com sinceridade (“O público diminuiu, e foi para todo mundo”); firmeza (“Não sou coxinha, sou brasileiro, tenho minha opinião, meu ponto de vista, mas, acima de tudo, estou aqui para a gente debater”) e, principalmente, certeza de que vai continuar (“O mais difícil mesmo a gente conseguiu, que foi permanecer com certa relevância nessa confusão toda”).

A música pop é muito volátil. Vinte anos depois do primeiro álbum do Jota, qual é o cenário?

É sabido que o pop rock e a MPB sempre foram pajeados pelas gravadoras. Quando começa a pirataria, o MP3, acabou o investimento. Temos um investimento baixíssimo, a gente vem se bancando há muito tempo, assim como outras bandas, para conseguir ter relevância. Não existe investimento no segmento há 10 anos, então não há renovação. Houve uma tríade fundamental para o rock Brasil: a MTV, as gravadoras e as rádios. Existia um mercado inteiro voltado para isso e, no momento em que a coisa começa a ser pulverizada, as companhias param de investir. As bandas estão aí, tem uma molecada se movimentando na internet, mas investimento pra valer, não.

O repertório do Jota é formado por músicas dançantes e baladas. Balada é o que toca hoje?

Há alguns anos, uns cinco, tinha isso: ‘Joga uma balada porque ela é a que toca’. Mas é muito relativo. Houve um momento em que chegamos (às rádios) com uma balada linda, só que a música número 1 era Tchê tcherere tchê (de Gusttavo Lima, cujo título oficial é justamente Balada). Não aconteceu absolutamente nada, pois o cenário estava dominado. Uma boa canção, uma balada, tem espaço hoje nas rádios de MPB, o que se chama de “adulto contemporâneo”. E das bandas de pop rock, o Jota sempre foi a mais pop. Quando vem um movimento pop novo, somos a primeira banda a sofrer com isso. Mas também nos recuperamos rápido, pois temos histórico, prestígio.

Vocês sempre foram bons de estrada, fazem muito show. Com a crise isso mudou?

Fazemos 120, 130 shows por ano. Pode ter ano em que fizemos mais do que isso, mas não é legal. Tentamos passar em todos os lugares com o show da banda. Mas essa crise pegou geral, me lembro de ver, moleque, a ralação dos meus pais passando por momentos difíceis. Agora passamos de novo, mas somos nós os pais de família. Então, a crise é extremamente desestimulante. O público diminuiu, e foi para todo mundo. Você repara tanto em festas populares quanto em shows normais. E tem os comentários das pessoas: ‘Queria tanto ir, mas tô sem grana’. Isso acontece direto. Tentamos baixar o máximo possível o valor dos ingressos. E, para quem faz um som divertido, alegre, alto-astral, pois nossa função é esta, é foda. É perigoso estar com o microfone e falar alguma coisa...

Por falar em microfone, nas redes sociais você se posicionou durante as manifestações de 2015. Houve um grupo grande que o apoiou, mas você também foi muito criticado, houve quem o chamasse de “coxinha”. Hoje, nas redes, você fala principalmente de música e da banda. De que maneira as críticas o atingiram?

Sou um cara do bem, tranquilo, não aquele tipo de pessoa que tenta impor seu posicionamento a qualquer preço. Sou cantor de uma banda pop, essa é a minha função. Em alguns momentos, manifestei meu voto. Em Minas, na época, assim como outros artistas, apoiei o Aécio. Isso é sempre delicado, você se expõe e vai ter que responder por isso o resto da vida. Coxinha é o caralho. Não sou coxinha, sou brasileiro, tenho minha opinião, meu ponto de vista, mas, acima de tudo, estou aqui para a gente debater.

Estou aprendendo, acho que todo brasileiro está, pois o processo democrático está em amadurecimento. Quando as pessoas foram para a rua, lá atrás, me lembrei um pouco dos cara-pintadas. Achei uma coisa fantástica, vamos embora, tô dentro. Mas, de repente, começou a haver uma polarização muito forte. Não vou ficar aqui gastando meu tempo em rede social, tenho mais o que fazer. E acho que política se faz também dentro de casa, no trabalho, no bar. Essa política panfletária não me interessa, principalmente na rede social, onde nunca se sabe onde vai parar. Outro dia, fiz um comentário sobre a novela das oito, que estava achando lindo, chorando de emoção. Aí vem um cara e fala que sou a favor do coronelismo. Eu tô falando de fotografia, da trilha, do texto. De novela.

Estamos no meio de um processo eleitoral. Foi procurado por algum candidato?

Não, e só ouvi um pedacinho da propaganda no rádio. Infelizmente, não estou acompanhando o processo.

Além do Jota, você dá início, no dia 20, a uma série de shows com seu irmão, Sideral, interpretando Cazuza. De onde veio esse projeto?

Começamos a ensaiar no início de 2015, a pedido da Lucinha Araújo (mãe de Cazuza) para comemorar os 25 anos da Sociedade Viva Cazuza. Acabou não rolando, mas já tínhamos ensaiado e fizemos um show numa festa aqui. Queria que a minha mãe visse, não deu tempo de ela vir, e pouco depois ela faleceu. A ideia é fazer as músicas com os arranjos originais, mais próximos dos clássicos do Barão e da carreira solo do Cazuza. Eu tinha 13 anos e o Sideral 10 quando a gente montou nosso primeiro conjunto. Temos uma relação muito forte, viemos compondo juntos esses anos todos. Esse negócio da minha mãe pegou muito forte na gente, então resolvemos fazer um som junto, encontrar mais. Isso fortalece.

O Jota Quest mantém a mesma formação desde o início. Não há como negar que na música pop o vocalista tem um lugar de destaque. Já pensou em carreira solo?

Não, nunca tive essas de “Ah, preciso fazer um disco para as pessoas saberem realmente como sou”. O Jota Quest é bom pra caramba. Ao longo desses anos, a gente conseguiu ir muito além do que poderia sonhar. Sempre quis ter uma banda. As pessoas têm umas ideias sobre essa coisa de vocalista. Gente próxima chega para mim dizendo “O que seria da banda sem vocalista?”. Aqui no Jota tudo é dividido por cinco, todo mundo tem voz ativa, compõe. São cinco caras que construíram tudo juntos, e essa história é muito forte. Duvido que qualquer outra situação me trouxesse mais segurança do que esta. Vi quatro shows dos Rolling Stones. E, com 74 anos, o Mick Jagger fez o melhor show dos Stones que eu vi. Eu tenho 44, ele tem 74. Tenho ainda 30 anos para ficar como ele. Vamos correr para isso, pois o mais difícil mesmo a gente conseguiu, que foi permanecer com certa relevância nessa confusão toda.

JOTA QUEST
Show Pancadélico. Dia 24 de setembro, às 22h, no BH Hall, Avenida Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro, 4003-5588. Ingressos a partir de R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia). Informações: www.ticketsforfun.com.br

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