Jovens adeptos do 'rock triste' se unem no projeto Geração Perdida e colecionam lançamentos

Projeto colaborativo tem intuito de gravar e lançar álbuns e divulgá-los gratuitamente na internet. Só neste ano, coletivo disponibilizou três discos e tem outros dois engatilhados

por Pedro Galvão 14/06/2016 09:00
Beto Novaes/EM/D.A.Press
Os músicos Jonathan Tadeu, Jairo Horsth Paes (Young Lights), João Carvalho (El Toro Fuerte), Gabriel Martins (El Toro Fuerte), e Fabio de Carvalho, que integram o coletivo Geração Perdida (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)

A denominação “Geração Perdida” pode parecer pretensiosa para qualquer grupo de jovens, dada a importância do termo na literatura mundial. No entanto, longe de se acharem dignos de comparações com Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, foi sob essa alcunha que alguns músicos se articularam em Belo Horizonte para formar um coletivo e realizar produções independentes, como shows, gravações e lançamentos.

Oposto à alegria do carnaval de rua que tomou conta da cidade nos últimos anos e dissonante da barulheira cheia de energia do metal, do punk rock, do hardcore e de outros gêneros efervescentes no rock alternativo belo-horizontino, esse pessoal tem em comum um tipo de som mais introspectivo, com letras pessoais e existenciais, que buscam retratar aspectos mais cinzentos da vida. Um rock assumidamente triste, sem nenhum sentido pejorativo, e uma geração musicalmente perdida no meio do que vinha sendo produzido na cidade.

“Se dizem que não há amor em SP, em BH nós o temos de sobra, mas de que importa esse amor mediano? No quintal de casa tinha um pé de sonho e ele florescia sem parar, um dia ele veio abaixo e não satisfeito o mundo sempre quis me derrubar.” Os versos que contrapõem a ideia de “mais amor por favor”, tão propagada em outros cenários musicais da capital, são da letra de Há algo de podre no reino de Minas Gerais, uma das principais composições da Lupe de Lupe, banda que alavancou o movimento, há cinco anos.

“No início, era uma coisa de pessoas que não tinham contatos e que não faziam parte do meio musical de BH, mas que queriam produzir e tocar”, conta o músico e produtor Vitor Brauer, guitarrista e vocalista do grupo. Junto com outros músicos que, assim como Vitor, vieram de outras cidades de Minas e não encontravam espaço na cena já estabelecida em BH, e de bandas como a Quase Coadjuvante e a cantora e compositora Paola Rodrigues, a ideia foi colocada para frente.

LANÇAMENTOS Só neste ano, eles já assinaram lançamentos de três artistas e estão com outros dois engatilhados. Atualmente, o coletivo é composto de oito nomes, sendo três bandas e cinco cantores solo. O importante é viabilizar o que há de mais importante para seus integrantes: fazer música. “Não temos uma agência de marketing nem nada dessas coisas. Funcionamos apoiando-nos uns nos outros, apenas ajudamos em todas as etapas da gravação até lançar. É uma coisa mais solta”, explica Brauer. Para ele, “o grande objetivo é lançar. Mais que tocar, um lançamento é para o resto da vida”.

Depois de lançar dois discos, dois EPs e fazer uma turnê nacional com 28 shows por quatro regiões brasileiras, a Lupe de Lupe interrompeu suas atividades neste ano, porque um de seus integrantes se mudou do Brasil. No entanto, o trabalho construído ao longo dos últimos anos influenciou novos músicos, que foram abraçados pelo coletivo. É o caso do cantor e compositor Fábio de Carvalho. Com 19 anos de idade, Fábio lançará em julho seu segundo disco pela Geração Perdida. “Comecei a compor com a intenção de gravar em 2014. O primeiro contato com a Geração Perdida foi em 2013, quando comecei a ouvir Lupe de Lupe e Quase Coadjuvante. Foi um incentivo para compor da forma que eu queria”, afirma.

Em seu primeiro disco, lançado em 2015, ele exemplifica bem o estilo que ganhou a definição de rock triste, aceita pelos integrantes do coletivo. Em Tudo em vão, Fábio canta e fala, em algumas letras declamadas, sobre dramas pessoais, angústias, ansiedades e lembranças infelizes. “Não é uma romantização da tristeza; é apenas um reconhecimento de aspectos melancólicos da existência. É quase impossível se afastar de dificuldades do cotidiano, ansiedade, depressão. E minha música é minha forma de reconhecer isso e me comunicar com outras pessoas, uma forma de dizer para elas que não estão sozinhas”, diz o artista, que gravou as dez faixas dentro do quarto de Vitor Brauer, usando um programa de edição, dois microfones, um amplificador e uma guitarra, recorrendo a um estúdio profissional apenas para gravar os baixos e a bateria. O próximo álbum tem processo semelhante de produção.

Outro exemplo de como a Geração Perdida desdobrou suas iniciativas é a carreira de Jonathan Tadeu. O cantor e compositor integrava a Quase Coadjuvante, que participou da formação do coletivo e se desfez em 2014. Jonathan seguiu com seu projeto solo e já lançou dois discos, frutos das parcerias proporcionadas pelos companheiros. O mais recente deles, Queda livre, disponibilizado na internet no mês passado, é uma viagem íntima e pessoal pela vida do artista, com letras confidenciais, expondo seus dilemas e superações. O trabalho começa com faixas intituladas Quase e Ninguém se importa, para terminar com O mundo é um lugar bonito e eu não tenho mais medo de morrer.

INFLUÊNCIAS “O rock triste foi uma coincidência de algumas bandas influenciadas pelo rock dos anos 90, como o do Radiohead e da Cat Power, não só em BH, mas também em outros estados, e aí apareceram os fãs usando o termo rock triste, que acabou pegando, mas, antes desse boom de 2016, a Geração Perdida já estava lançando coisas”, afirma Jonathan, que apresentou seu novo trabalho ao público de BH em um show na Casa do Jornalista, no último sábado, 11, depois de breve turnê pelo estado do Rio.

Veja os clipes já lançados pelo coletivo

“A gente tem um público pequeno em BH, mas fiel. É um pessoal que consome material, que escuta as novidades. Isso é muito bacana. Não sei se seria possível um público maior, nem importo tanto com isso. Estamos mais preocupados em produzir e lançar do que em ter público”, diz.

Além de Lupe de Lupe, que está parada, e Quase Coadjuvante, que acabou, e dos projetos solo de Jonathan Tadeu, Vitor Bauer e Fábio de Carvalho, a Geração Perdida já lançou a cantora Paola Rodrigues, que prepara outro lançamento para julho, a banda Young Lights e, recentemente, o cantor Fernando Motta, que também é jornalista e colaborador do Estado de Minas.

Ainda que a proposta musical de cada um se diferencie pelos arranjos, distorções, voz, ou por ser mais ou menos ‘’triste’’, todos têm em comum a colaboração dos outros integrantes em suas produções, seja tocando algum instrumento, cantando alguma faixa específica dos álbuns ou ajudando na mixagem. As parcerias são feitas até com outros coletivos, como a Bichano Records, do Rio de Janeiro, que lançou a banda mineira El Toro Fuerte.

Em dezembro do ano passado, o evento Réveillon Fora de Época, realizado na Autêntica, reuniu quatro artistas da Geração Perdida e três outras bandas convidadas. Além de minifestivais como esse, eles também se apresentam em shows isolados na Obra, na Casa do Jornalista e em outros redutos da música alternativa da capital. Todos os lançamentos assinados pela Geração Perdida estão disponíveis no site geracaoperdida.bandcamp.com.

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