Samba de terreiro ganhou homenagem elegante no CCBB

Salgueireinse Nei Lopes abriu o show e se revezou no palco com o portelense Monarco

por Pablo Pires Fernandes 12/03/2016 11:00
PABLO PIRES/EM/D.A.PRESS
Os sambistas Monarco e Nei Lopes, durante apresentação no CCBB-BH, na noite de anteontem (foto: PABLO PIRES/EM/D.A.PRESS)
O samba de terreiro teve um momento de louvação anteontem, em Belo Horizonte. A dupla de mestres que subiu ao palco do CCBB, na Praça da Liberdade, apresentou um show com a elegância da mais alta estirpe da tradição dos morros cariocas. O salgueireinse Nei Lopes, de branco e paletó vermelho, abriu o show e se revezou no palco com o portelense Monarco, para desfilar pérolas do cancioneiro nacional. Alguns clássicos e várias composições pouco conhecidas de autores de suas escolas, que representam o vasto repertório do ritmo nacional, em sua vertente caseira e fraterna.

O samba de terreiro foi explicado por Nei Lopes, autoridade no tema: “São crônicas de acontecimentos de coisas do próprio samba e algumas sobre o que está em volta também”.

Sábios que são nossos compositores, singela e brilhantemente, registraram a vida dos morros cariocas e relataram em versos os sentimentos e expressões de cada época. Os sambas de Anescar do Salgueiro, Noel Rosa de Oliveira, Ratinho, Bubu da Portela, Éden Silva, Alcides Dias Lopes, entre outros (além dos dois que os interpretaram) retratam um Brasil de outros tempos, sem deixar de falar do presente.

A madrugada boêmia e o amor dilacerado são os temas mais recorrentes nesse cancioneiro. Vai vadiar, de Monarco e Ratinho, foi sucesso na voz de vários compositores e ilustra bem o universo do morro, que não deixa de espelhar os corações Brasil afora. A mulher quer a orgia e sai, enquanto o homem trabalha para manter o lar. “Vai procurar alegria, fazer moradia na luz do luar”, diz a letra. Se você jurar, de Ismael, Nilton Bastos e Francisco Alves, reincide no tema: “A mulher é um jogo, difícil de acertar. E o homem como um bobo, não se cansa de jogar...”.

Mas o inverso é tão presente quanto. Madrugadas na rua, orgia e o samba que seduz. Falam de mim, de Noel Rosa de Oliveira, Anibal Silva e Éden Silva, já deixa clara a culpa e a imagem social do sujeito que fica na lama, enquanto a mulher dorme, espécie de mea culpa. Vem chegando a madrugada é exemplar: “Cai, cai, sereno, meu amor está dormindo. Deixa dormir em paz, uma noite não é nada”.

Mas os sambas de terreiro também versam sobre as classes sociais e alfinetam o encontro do morro com a classe média deslumbrada pela riqueza mulata do ritmo. “O neguinho gostou da filha da madame”, diz o samba O neguinho e a senhorita, de Noel Rosa de Oliveira e Abelardo Silva.

Os sete instrumentistas, todos trajando branco, no palco foram devidamente apresentados. A erudição de Nei Lopes e a voz potente de Monarco coroaram a apresentação-aula que ocorreu no CCBB. Fino. E como é samba, a tristeza, tão mencionada, se transforma em alegria e versos. Uma crônica de um Brasil feliz e uma lição de possível sublimação.

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