Revelação da mpb, o carioca Cícero emociona em show no Sesc Palladium

Músico aumenta a legião de jovens que admiram seu trabalho e que o aplaudiram com entusiasmo no fim de semana

por Walter Sebastião 18/01/2016 09:30
Marcos Vieira/EM/D.A Press
'Dizem que bossa nova é chato. Eu não acho'. Cícero, cantor e compositor (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Existe uma nova música popular brasileira? A resposta é sim. Quem está fazendo? Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Criolo, Emicida, Silva ou os mineiros como o Graveola, Iconilli e Dibigode. Mas carregando a renovação estão não só eles, como também artistas novíssimos, como a Banda do Mar e Apanhador Só, os cantores e compositores Phill Veras, Marcelo Tófani ou Vitor Magalhães, os dois últimos de Minas Gerais. Opinião disseminada praticamente por unanimidade entre os que encheram o grande teatro do Sesc Paladium na última sexta-feira, para ouvir um celebrado ícone da nova MPB: o cantor e compositor Cícero.


Cícero Rosa Lins é carioca e tem 29 anos. Em 2003, trocou o curso de direito pela música, ao formar a banda Alice, encerrada em 2008. Fora do Rio de Janeiro, o grupo só tocou em Belo Horizonte (no bar A Obra). A estreia solo foi com Canções de apartamento (2011), CD produzido e gravado em casa, com Cícero tocando todos os instrumentos e que repercutiu na internet, criando plateia fiel para o artista. Desde então, lançou mais dois discos: Sábado (2013) e A praia (2015). Desconcertantes e surpreendentes trabalhos pela singular convivência de estética indie e MPB. E, especialmente, por ostentar dicção lírica, sentimental e irônica no som e nas letras, com uma melancolia e delicadeza que são o avesso do oba-oba e da massificação comercial.

De carteirinha

Os primeiros da fila de entrada do show eram Aline Maracaipe, de 19 anos, aluna de arquitetura, e Luiz Gustavo, de 20, auxiliar de escritório. Chegaram ao local por volta das 19h, porque estavam na região e também porque queriam rever o show de Cícero – eles estavam na plateia quando o artista se apresentou na cidade em 2015. “Cícero consegue se colocar de modo diferente. Pelo jeito de falar, com canções suaves e que trazem lembranças com as quais a gente se identifica”, analisou Luiz. Para Aline, parte da mágica de Cícero vem de letras misteriosas, elaboradas, que remetem ao viver. “As músicas dele me levam sempre a querer aproveitar o momento que estou vivendo”, justitica a jovem. Como a maior parte do público, o casal conheceu Cícero pela internet, “a nova arte que vem das redes sociais”. 

MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS
O auxiliar de escritório Luiz Gustavo e a estudante Aline não perderam o lugar na fila: foramos primeiros a chegar ao teatro (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)

 

Lara Magalhães e Yuri Araújo, ambos de 18 anos e estudantes, têm a mesma opinião: “Cícero é autêntico”, resume Lara. “Está trazendo algo novo, que representa a nossa geração”, observa Yuri. Um elemento sedutor, na música do artista, destaca a dupla, é a crônica da vida urbana, mas a isso se somam a presença de elementos regionais e a suavidade. Daniela Salgado e Luca Gonzales, ambos de 19 anos, estudantes, também destacam a identificação entre a vida deles e o que dizem as canções. “Não é simples definir Cícero. São músicas que falam de coisas diferentes, então não há como citar uma canção que sintetize a arte dele”, argumenta Luca. “Cícero canta poesia”, observa Daniela, chamando para o apuro do artista no trato dos sentimentos.

Já a professora de biologia Luciana Santos, de 27 anos, até ganhou ingresso para o show de Cícero quando ele esteve em BH em 2015, mas não foi por não conhecer o artista. Começou então a pesquisar quem era ele e... “Adorei. Cícero é ternura, tranquilidade, calma. O que é muito bom em mundo que anda muito agitado e estressado”, defende. “São canções que me fazem pensar”, continua, definindo a música do carioca como MPB contemporânea.

Para Melchior Melo, de 20 anos, estudante de engenharia, o impacto da arte de Cícero, vem também do fato de romper com a estagnação da música brasileira (“para jovens”). “Cícero fala de temas pesados de forma leve”, analisa, lembrando-se de temas como solidão, tristeza e abandono. “É artista que tem equilíbrio musical apurado e um modo diferente de abordar o ambiente em que vivemos”, acrescenta Melchior.

 

Sem clichês, mas com muito afeto 

Cícero e banda entraram em cena pontualmente às 21h, sob ovação de um público maciçamente muito jovem e com cultivado gosto pela música independente. Abriu a noite com a canção A praia, selando total empatia, inclusive etária, entre palco e plateia. E levou o show mesclando pérolas de seus três discos. Entre elas, De passagem, Vagalumes cegos, Ela e a lata, Isabel (carta de um pai aflito), Laiá laiá, Sexta-feira e Tempo de pipa – esta  última indicada pelos fãs para quem não conhece Cícero. Deixou para o bis Açúcar ou adoçante, apresentada após perguntar ao público se podia tocar uma bossa nova e ganhar como resposta um sonoro “sim”. “Dizem que bossa-nova é chato. Eu não acho”, acrescentou Cícero.

 

O que se viu, ao longo de hora e meia, foi um artista simpático, quase tímido, de poucas falas, sem pose de estrela, em um palco limpo, sem uma superprodução, o que só reforçou a sensação de autenticidade de uma música banhada de melancolia, mas que convida a viver a vida por mais que o cotidiano seja chato, triste ou cheio de impasses e dúvidas. A versão ao vivo das músicas é mais pesada que a do disco. Ganharam distorções e ruídos, mas que não apagaram as batidas envolventes ou desenhos melódicos e harmônicos até esquisitos, mas sedutores, por sugerir o desejo de ferir clichês musicais. O som não estava bom, dificultou ouvir a voz do cantorC e só melhorou pra lá da metade do show.

 

Tem razão quem diz que Cícero é diferente. Pode-se até nem gostar do que ele faz, achar os discos irregulares, mas é um prazer, quase um milagre, ver autor tão jovem com estilo tão pessoal e que faz música que soa nova em meio a um oceano de produções massificadas. Ou ver criador que faz conviver o nacional, o regional e o internacional com fluência admirável, que traduz e dá forma, com perícia, vivências que, sendo da geração dele, são também de todos. Cícero foi elegante ao contar que já tocou 10 vezes em Minas Gerais – é o lugar onde ele mais se apresentou fora da cidade natal e São Paulo. E delicado ao agradecer o encanto dos mineiros com a música dele. “O patrimônio de afeto em Minas Gerais é muito bonito”, elogiou. E avisou que volta mais vezes. 

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