Conheça Clara Lima, primeira mineira na final do Duelo de MCs Nacional em BH

Com apenas 16 anos, ela despontou para o hip-hop nas batalhas realizadas embaixo do Viaduto Santa Tereza; hoje enfrenta o machismo dos adversários

por Shirley Pacelli 22/11/2015 08:00
Túlio Santos/EM/D.A Press
Clara Lima, destaque na cena do rap de BH, virou referência e conquistou fãs até em outros estados (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

"Olha a nossa MC aí”, diz o rapaz. “Domingão, trago um megafone. Você não perde!”, saúda o outro. Não é fácil entrevistar Clara Lima sob o Viaduto Santa Tereza. A rapper, de 16 anos, está em casa – e tem fã-clube. Não há quem passe sem dar um alô para a garota, que responde a todos com camaradagem.

De jeans, moletom preto com capuz e boné aba reta enterrado na cabeça, Clara quase se blinda por trás desse “manto sagrado” do hip-hop. Motivo: a surpreendente timidez fora do palco. Lá em cima ela é ágil e “destruidora” ao improvisar rimas. Primeira mulher a representar Minas Gerais na grande final do Duelo de MCs Nacional, a belo-horizontina será a única garota entre os oito concorrentes. O evento será realizado hoje, a partir das 14h, embaixo do Viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte.

Ana Clara Silva de Lima teve o primeiro contato com o freestyle – o improviso feito na hora – durante a Liga Feminina de MCs, em abril de 2014. Ela passava por um momento de turbulência familiar e encontrou no rap sua válvula de escape. Treinou em casa com o irmão, Victor Silva, de 19, o Chris MC. Em 26 de abril de 2014, com direito à mãe na plateia, Clara estreou em uma batalha de rappers. Passou por Negra Lud, Luanda e Flocos antes de virar campeã. “Minha batalha foi a primeira. Aí, minha mãe falou: ‘Ah não. Não aguento ver as pessoas te xingando assim. Vou embora’”, relembra a MC, entre risos. Tradicionalmente, os concorrentes se provocam, tentando fazer o adversário gaguejar e perder o raciocínio.

Confira a estreia de Clara na batalha de improviso:



Antes desse “laboratório”, Clara já acompanhava os duelos na época em que eram realizados às sextas-feiras à noite. Detalhe: via tudo pelo YouTube, assim como milhares de seguidores de outros estados. O rapper mineiro Kdu dos Anjos era o preferido dela. A mãe, Heloisa Aparecida de Lima, não permitia a aventura noturna da menina de apenas 13 anos, moradora do Bairro Ribeiro de Abreu e a dois ônibus de distância do Viaduto Santa Tereza.


‘MIL GRAU’

Não era intenção de Clara participar da seleção para o Duelo Nacional deste ano. “Pensei: estou escrevendo e fazendo meus sons. Está ‘mil grau’”, lembra. Na primeira eliminatória, o irmão dela se classificou. O coletivo Família de Rua, que organiza o evento, cobrou a participação da garota. Sem grandes pretensões, ela se inscreveu. “Chegou a final e não sei o que aconteceu. Ganhei!”, diz, humildemente. Para chegar lá, teve de derrotar o irmão. “Chris é muito bom. Assim como acredito em mim, acredito nele”, reforça.

A família tem papel importante na trajetória da menina. Os tios sempre escutaram o grupo de rap paulista Racionais MCs. “Quando comecei, gostava de ouvir A Família e Ao Cubo, porque ia à Igreja Sara Nossa Terra com minha mãe. Era um rap mais suave, tipo Pregador Luo”, diz. Dona Heloisa é outro apoio. “Ela fortalece com o dinheiro do rolé”, revela Clara, contando que a mãe banca as passagens para a filha se deslocar até os eventos. Volta e meia, o pai, Gaspar Alexandre de Lima, leva a MC de carro para as apresentações. Algumas vezes, ouvindo a seleção de raps gravada por ela.

Dos adversários de hoje, ela só conhece Orochi, do Rio de Janeiro, que viu duelar em Juiz de Fora. “O moleque é bom, mas é freestyle”, diz, explicando que não há como prever as provocações do adversário. Clara acredita que não intimida os outros MCs por ser a única garota na disputa deste domingo. “A Sweet intimida eles por mim”, brinca, referindo-se a Bárbara Sweet, MC experiente e feminista, convidada para fazer show durante o Duelo 2015. Garotas como elas estão cansadas de ouvir rimas machistas desferidas pelos rapazes. “Na batalha, é pau a pau. Não importa se sou mina. Você me ataca que vou te responder”, avisa ela, convicta.

Um desses episódios, aliás, está entre as famosas batalhas visualizadas em looping na internet. Nas quartas de final da seleção de 2014, realizadas na Praça Sete, Clara rimava contra Samis. “Ele me chamou de traveco, falou que tinha bigode grosso”, lembra ela. Sob o olhar atônito da extasiada plateia, a MC adolescente desferiu a sequência de improvisos que deixou o adversário no chão: “Na moral/ Não é querendo te desmerecer./ Mas se Sabotage te conhecesse/ Teria vergonha de você./ Aqui eu tenho dó./ Isso é menino criado com vó./ Eu sigo no caminho./ O camarada aqui nunca pôde sair sozinho”. Assista:



Atualmente, a rapper é referência para várias meninas que acompanham o hip-hop. Conquistou fãs até em outros estados. “Tenho cuidado em responder cada mensagem no Facebook. São sonhos e sonhos”, diz a mineira. Integrante do Coletivo DV (Deuses Vivos), ela conta que será realizado show colaborativo em BH, em 11 dezembro, na quadra da Escola de Samba Cidade Jardim, com o objetivo de arrecadar recursos para o CD do grupo, formado também pelos MCs FBC, Hot Apocalypse, Oreia e Djonga.

Para Clara, a final deste domingo será um momento de confraternização. “Se ganhar, véio, vou ficar feliz. Mas já sou mais que campeã só de ocupar esse espaço”, ressalta. Com a palavra protagonist escrita nas costas do moletom, ela se despede, sai caminhando e desaparece na Rua Aarão Reis.

 

Agitadora cultural
Estudante do 1º ano do ensino médio, Clara Lima é responsável pela agenda cultural da Escola Estadual Margarida de Mello Prado, na Zona Norte da capital. O rap faz parte do “currículo” da moçada. “Há a preocupação de formar opinião, tanto política quanto social. Minha professora de filosofia e eu conversamos muito sobre isso”, diz.

“O professor de química acredita muito em mim. Quando não quis batalhar na eliminatória mineira para o nacional, ele insistiu comigo. Fui, ganhei e ele chegou na aula seguinte me dando os parabéns.” Os colegas também apoiam a MC. “Depois que viram meus vídeos nos duelos, tiraram xerox de uma matéria de jornal e colaram no mural. Achei legal. Hoje, pedem para mandar músicas para eles e comparecem aos duelos. Acho ‘da hora’”, conta ela.


PARTICIPANTES

Alves (Distrito Federal)
Arllan (Pará)
Clara Lima (Minas Gerais)
Jafari (São Paulo)
Mano Cid (Pernambuco)
Noventa (Espírito Santo)
Orochi (Rio de Janeiro)
Treck (Bahia)

DUELO DE MCS NACIONAL 2015
Hoje, a partir das 14h. Viaduto Santa Tereza, Rua Aarão Reis, Centro. Shows de Bárbara Sweet, Dokttor Bhu e Shabê e dos DJs Sense e Junim Bumbep. Grafite com Viber e Binho Barreto.

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