Arredios à autopropaganda, músicos do Pearl Jam tocam pela primeira vez em BH

Banda manifestou apoio a Paris e levanta outras bandeiras, como a da sustentabilidade

por Eduardo Tristão Girão 16/11/2015 09:14
SERGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO
Segurando as anotações de seu discurso em português de apoio a Paris, Eddie Vedder toma um gole de vinho durante o show de sábado em São Paulo, que foi interrompido por fortes chuvas e rajadas de vento (foto: SERGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO)
A banda norte-americana Pearl Jam tem uma seção dedicada ao ativismo em sua página oficial na internet. Entre as postagens mais recentes está uma sobre projetos para compensar as emissões de carbono geradas pela turnê latino-americana, que contemplará Belo Horizonte na próxima sexta-feira. É a primeira vez que a capital mineira recebe o quinteto de Seattle. Pode não parecer grande coisa, pois falar em ativismo, hoje, é fácil. Mas não era bem assim quando a trupe do vocalista Eddie Vedder começou, ainda nos anos 1990.

A defesa do aborto como um direito da mulher foi uma das primeiras causas de que a banda tomou partido, em 1992. No vídeo da canção Porch, interpretada na gravação de show acústico para a MTV norte-americana, Vedder aparece escrevendo “Pro-choice” (a favor do direito de escolha) no próprio braço, com um pincel atômico. De lá para cá, criticaram o então presidente George W. Bush (e fizeram isso por meio de duas músicas, ao menos), encorajaram o voto (que não é obrigatório nos EUA) e até falaram da doença de Crohn.

Talvez o maior barulho de toda a carreira do Pearl Jam tenha sido a briga com a Ticketmaster, que na avaliação da banda cobrava preços abusivos para seus shows. O bate-boca foi parar na Justiça, que abriu investigação sobre as tais práticas de venda. No final das contas, juízes concluíram que faltavam evidências para condenação da empresa. Entretanto, a discussão foi bem-vinda e, coincidência ou não, outras empresas entraram no mercado depois disso.

Shows beneficentes também se tornaram marca do Pearl Jam. Alguns deles chegaram a entrar para a discografia da banda, caso de Live at the Benaroya Hall, gravado em 2003, em Seattle, e com renda revertida para uma instituição de caridade local. A propósito, vale citar também a série de “bootlegs oficiais” (bootlegs são discos lançados por terceiros, sem autorização da banda) com a qual o grupo inundou as lojas a partir de 2000, quando a indústria ainda não estava tão exausta de brigar contra a pirataria – os mais recentes são do ano passado.

Mais no campo da gestão de carreira do que do ativismo (embora tenha gerado bom debate), o Pearl Jam também chamou muito a atenção ao se negar a produzir videoclipes de suas canções depois de ganhar prêmios com Jeremy, um dos hits do disco de estreia, Ten, de 1991. A gravadora da banda à época, a Sony, passou a pressioná-la para que gravasse também o clipe de Black, balada que até hoje é das mais cantadas nos shows. O quinteto não concordou, e isso desencadeou uma atitude ainda mais radical por parte da banda.

Clipes Vedder achava que os clipes impediam os fãs de fazerem suas próprias interpretações das músicas e queria que o Pearl Jam fosse lembrado por suas músicas, não por imagens. Passaram, então, a dar poucas entrevistas e a fazer raras aparições na TV. Só vieram a gravar novo videoclipe em 1998: uma animação de alto nível assinada pelo quadrinista Todd McFarlane (que criou Spawn e desenhou versão do Homem-Aranha) para a música Do the evolution. Para ver os integrantes da banda na tela novamente foi preciso esperar quatro anos, quando gravaram I am mine, hit do álbum Riot act.

O Pearl Jam continua não muito chegado a clipes, mas atualmente promove e vende seu trabalho nas principais plataformas digitais (iTunes, Amazon, Spotify etc.). Entretanto, não deixou de lado aquele pé na militância. Seus integrantes, todos envolvidos em projetos musicais paralelos, ainda arranjam tempo para contribuir com causas em que acreditam, como a compensação das emissões de carbono – não por acaso, o grupo foi nomeado “defensor do planeta” pela ONG Rock the Earth, em 2011. Pode ter ficado comum, mas jamais será bobo.

DISCO NOVO

O baixista do Pearl Jam, Jeff Ament, declarou recentemente à imprensa norte-americana que a banda planeja se concentrar na criação de novas músicas tão logo a turnê pela América Latina termine. A intenção, segundo ele, é lançar outro disco de estúdio em 2016. Até o momento, os integrantes vinham dividindo parte do tempo com projetos paralelos, incluindo o próprio Ament, que andou dedicado a compor para sua segunda banda, a RNDM. Vedder, por sua vez, chegou até a vir ao Brasil no ano passado (Rio e São Paulo) para show com as canções de sua carreira solo.

REPERTÓRIO MUTANTE

Esta é a quarta visita do Pearl Jam ao Brasil. Nas duas primeiras vezes, em 2005 e 2011, contemplaram as mesmas cidades – Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo – alterando apenas a ordem. Em 2013, apareceram apenas para uma apresentação no Lollapalooza, na capital paulista. Desta vez, trocaram a capital paranaense por Brasília, incluíram BH pela primeira vez no roteiro e deixaram o Rio para o encerramento, domingo, no Maracanã. De lá, seguem para Colômbia e México, já tendo passado pelo Chile e Argentina.

Apesar de ter sido lançado há dois anos, Lightning bolt, o décimo e mais recente álbum da banda, só será tocado para os brasileiros agora. Com produção de Brendan O’Brien, que já assinou outros álbuns do quinteto de Seattle, tem na balada Sirens a canção de maior apelo radiofônico. Outras faixas se destacam, como o punk rock Mind your manners e a enérgica Swallowed hole, com as demais divididas entre flertes pontuais com o folk (Sleeping by myself) e o blues (Let the records play).

Em BH, o público pode esperar algo diferente do que foi tocado nas outras cidades desta turnê, pois o Pearl Jam é conhecido por não repetir repertório. Em Porto Alegre, na quarta-feira passada, no início da etapa brasileira dessa turnê, o grupo tocou Comfortably numb, clássico do Pink Floyd, pela primeira vez na história: Vedder a havia cantado como convidado de Roger Waters (ex-integrante do PF) num show beneficente (olha o bom moço aí!) três anos atrás. Além disso, volta e meia pescam músicas menos tocadas da própria discografia, como Glorified G, ouvida pelos gaúchos.

Na noite de sábado passado, a banda enfrentou chuva e ventos que levaram à interrupção do show no Morumbi, em São Paulo. Numa apresentação que se estendeu por quase três horas, Vedder se referiu aos ataques em Paris, em português: “Nosso amor vai para Paris. Temos muito o que superar juntos”. No bis, ele cantou Imagine, o hino pacifista de John Lennon, e pediu que a plateia aderisse iluminando a noite com seus celulares.

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