João Gilberto e Ivete Sangalo colocaram Juazeiro no mapa da música popular brasileira. Bem próxima daquela cidade baiana – separada por uma ponte sobre o Rio São Francisco – está a pernambucana Petrolina, terra natal de outro grande nome da MPB, o cantor, compositor e violonista Geraldo Azevedo.
Mas foi no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1967, com a intenção de integrar a banda da cantora Eliana Pitman, que ele viu a carreira decolar, depois de muita batalha. Com o Quarteto Livre, que formou com Naná Vasconcelos e outros músicos, passou a acompanhar Geraldo Vandré, após a repercussão obtida por Para não dizer que não falei das flores, no Festival Internacional da Canção, em 1968.
Logo depois, conheceu o conterrâneo Alceu Valença, com quem gravou o LP Quadrafônico. O primeiro disco solo não demorou. Mas o grande público só veio tomar conhecimento do trabalho de Geraldo quando, em 1979, ele lançou pela CBS (atual Sony Music), o álbum Bicho de sete cabeças. Seguiram-se mais 16 títulos – o mais recente é o Assunção de Maria, que saiu pela Som Livre. Geraldo participou, ainda, de projetos como Cantoria e Grande Encontro, que também ganharam registros fonográficos.
ENTREVISTA
Geraldo qual é a sua origem?
Nasci em Jatobá, na zona rural de Petrolina. Minha mãe, Almira, era a professora do lugar. Ela tinha uma grande visão cultural, incentivava o teatro e cantava. Meu pai e meus tios tocavam violão. Eu me lembro que com quatro anos de idade já cantava Sabiá, de Luiz Gonzaga. Sabia o caminho. A cultura de Petrolina era misturada muito com a cultura baiana.
Você saiu de Petrolina direto para Recife?
Não. Quando comecei a tocar nas escolas e depois no ginásio, virei animador cultural. Aos 16 anos, tinha um grupo musical e passei a me interessar pela bossa nova. Descobri em Juazeiro o disco de um cara chamado Walter Santos, que era amigo de João Gilberto. Os arranjos de Tom Jobim me influenciaram muito.
Quando foi a ida para a capital?
Depois que conclui o ginásio é que fui para Recife, dar continuidade aos estudos. Eu não tinha nenhum plano em relação à música, que, para mim, era um hobby. Não a via como profissão, até porque havia um preconceito, por eu viver com o violão para todo lado. Me chamavam de Geraldo Boemia. Meu projeto era me formar em arquitetura, porque sempre gostei de desenhar.
Mas a música acabou prevalecendo, não é mesmo?
Isso foi depois que comecei a me informar, ler sobre o movimento artístico da região. Formei o chamado Grupo Raiz, com meu futuro parceiro Carlos Fernando e outras pessoas começamos a nos apresentar. Aí, a TV Jornal do Comércio nos convidou para fazer um programa que se chamava Chegou a vez, que tinha também literatura, folclore. Era uma coisa de manifestação da cultura pernambucana. Na TV, tinha um outro programa, o Noite de gala, no qual se apresentavam artistas consagrados como Caubi Peixoto, Nelson Gonçalves. A Eliana Pitman foi outra convidada. Ela me viu tocando num bar, ficou entusiasmada e me convidou para fazer parte do grupo que a acompanhava.
Você foi de imediato para o Rio de Janeiro?
Não. Relutei um pouco para deixar o Recife, mas acabei indo. Fiquei trabalhando com a Eliana, e busquei fazer contatos com outros músicos. Logo depois, formei o Quarteto Livre, que passou a acompanhar Geraldo Vandré, depois que ele classificou-se em segundo lugar no Festival Internacional da Canção, com Para não dizer que não falei das flores (Caminhando).
Como foi trabalhar com o Vandré?
A repercussão do Para não fizer que não falei de flores foi enorme. Por ser uma canção que contestava o regime vigente, Vandré ficou na mira dos militares da ditadura. A turnê que fizemos acabou não se prolongando, pois ele passou a ser perseguido. Fomos fazer o show em Goiânia e de lá íamos para Brasília, onde nos apresentaríamos no Iate Clube. Aí, o Vandré voltou para o Rio e ficou escondido na casa do Guimarães Rosa. Foi durante a clandestinidade dele que compusemos Canção da despedida, que ele gravaria no exílio, em Paris, no disco Das terras de benvirá.
Acredito que estava também sendo monitorado, até por minha militância em movimentos sociais. Acabei sendo preso e torturado em 1969. Levei meu violão para a prisão e, certa vez, me tiraram da solitária e pediram que eu tocasse para o major, responsável pelos interrogatórios.
E como se deu o encontro com Alceu Valença
Já morando no Rio, fui fazer show em Recife, e o Alceu foi assistir. Ainda não o conhecia. Na época que eu comecei a compor com o Alceu, ele já estava morando no Rio. Ele ia muito à minha casa e começamos a compor em parceria. As três primeiras inscrevemos num festival universitário, promovido pela TV Tupi. Aí, em 1972, lançamos o LP Quadrafônico, pela gravadora Copacabana, e fizemos juntos o filme A noite do espantalho, dirigido por Sérgio Ricardo. Fui, ainda, autor dos arranjos das músicas para a trilha sonora.
Você compôs músicas para o disco de estreia de Elba Ramalho. Onde a conheceu?
Conheci Elba no Rio e durante três anos moramos juntos. Naquele tempo, ela trabalhava como atriz e fez peças com o Luiz Mendonça, entre elas a Viva o cordão encarnado. Depois de participar do musical Ópera do malandro e gravar O meu amor, com Marieta Severo, Elba se lançou como cantora. Para o primeiro disco dela, o Ave de prata, fiz a música Canta coração, que veio a ser o seu primeiro sucesso.
Quantas músicas você já compôs e quais as que se se tornaram clássicos de sua obra?
Devo ter feito umas 200 canções. A primeira foi Caravana, que entrou na trilha da novela Gabriela. Entre as que o público consagrou estão Dona da minha cabeça, Moça bonita, Bicho de sete cabeças, Táxi lunar, Chorando e cantando e Dia branco, que acredito ser a mais popular, a mais aguardada em meus shows.
Há dois anos você lançou o CD e o DVD Salve São Francisco, uma espécie de manifesto em defesa do do Velho Chico.
A ideia é essa. Nasci à beira desse rio e interagi com ele profundamente. Só tomava banho de rio. Não sabia o que era chuveiro. Sinto que o Velho Chico vem definhando, com o volume de água diminuindo, por conta do assoreamento e outros fatores. No projeto Salve São Francisco, há a participação de artistas nascidos em estados por onde o rio passa, como Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Alceu Valença, Djavan e o saudoso Dominguinhos.