Em 'Abre a janela', cearense Zé Guilherme faz tributo Orlando Silva

No disco, cantor recria sonoridades e arranjos que oscilam entre os grupos regionais e as orquestras das rádios

por Kiko Ferreira 29/09/2015 07:30

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ALESSANDRA FRATUS/DIVULGAÇÃO
O musico Zé Guilherme selecionou 18 faixas do repertório interpretado pelo cantor carioca (foto: ALESSANDRA FRATUS/DIVULGAÇÃO)
Em 3 de outubro, comemora-se o centenário de nascimento do Cantor das Multidões, Orlando Silva. Morto em agosto de 1978, aos 62 anos, de um ataque do coração, o mais influente cantor popular do país recebe do cearense Zé Guilherme uma justa homenagem. Depois de lançar dois discos bem recebidos pela crítica, 'Recipiente' (2001) e 'Tempo ao tempo' (2006), ele recanta 18 músicas registradas por Orlando no CD 'Abre a janela – Zé Guilherme canta Orlando Silva'.

Para nós, mineiros, fica difícil não relacionar a iniciativa com o álbum que Tadeu Franco gravou em 1995 para a gravadora Velas, de Ivan Lins e Victor Martins. Intérprete de voz potente, o mineiro regravou 16 músicas do universo do carioca. E conseguiu, ao mesmo tempo, ser reverente e atualizar o repertório, trazendo para seu sotaque clássicos como 'Carinhoso', 'Lábios que beijei', 'Nada além', 'Sertaneja', 'Aos pés da cruz', 'Rosa' e outras composições que, na época de Orlando, chamaríamos de pérolas do cancioneiro. E uma das curiosidades da comparação entre os dois projetos é que, entre as 34 músicas, apenas três foram escolhidas pelos dois intérpretes: 'Lábios que beijei', 'Alegria' e 'Malmequer'.

Nascido em Juazeiro do Norte (CE), Zé Guilherme passou a infância ouvindo Orlando, Dalva de Oliveira, Cauby, Gonzagão, Jackson do Pandeiro e outros ícones e cantores do rádio. Radicado em São Paulo desde o início dos anos 1980, faz parte da turma que inclui Cris Aflalo, Madan, Marcelo Quintanilha e Péri, com pontes com Maurício Pereira e Swami Jr.

No disco atual, contou com o violonista mineiro Cezinha Oliveira, responsável por arranjos, direção e produção musical. Para definir o tom do álbum, Cezinha procurou as sonoridades predominantes nas formações da época, que oscilavam entre os grupos regionais e as orquestras das rádios, na época em que a televisão ainda não havia assumido o protagonismo da comunicação no país. E usou os músicos Thadeu Romano (acordeom), Breno Ruiz (piano), Meno Del Picchia (baixo acústico), Maik Oliveira (cavaquinho), Pratinha (flautas e bandolim), Adriano Busko (percussão), Allan Abbadia (trombone), Luque Barros (violão de 7 cordas e vocal), Cezinha Oliveira (violão, guitarra e vocal) e João Pedro Verbena (guitarra).

O próprio cantor fez a pesquisa de repertório, focando no período mais fértil de Orlando, entre 1935 e 1942, e nos temas que têm algum significado especial na sua biografia e formação. Se Tadeu Franco abriu seu disco com 'Alegria' (Assis Valente/Durval Maia),  Zé Guilherme deixou a faixa para o final. Preferiu abrir com a carnavalesca e, ao mesmo tempo, melancólica 'A jardineira' (Bendito Lacerda/Humberto Porto), que faz par de foliãs com 'Malmequer' (Cristóvão de Alencar/ Newton Teixeira). Entre os clássicos indeléveis, desfila 'Abre a janela' (Marques Júnior/ Roberto Roberti), 'Aos pés da cruz' (Marino Pinto/Zé da Zilda) e A dama do cabaré (Noel Rosa). Entre as escolhas mais pessoais ficaram A primeira vez (Bide/Marçal), que lembra ao intérprete as paixões juvenis e desilusões da juventude; a referência a São Paulo que tão bem acolheu o artista em 'Cidade do arranha-céu' (Edgard Cardoso/Alvarenga e Ranchinho); ao Rio, onde nasceu e viveu Orlando, 'Cidade brinquedo' (Silvino Neto/Plínio Bretas); a canção preferida de sua mãe, 'Lábios que beijei' (J. Cascata/Leonel Azevedo) e a que ele mais gosta de cantar, 'Curare' (Bororó).

Como no caso de Tadeu Franco, o Orlando Silva filtrado por Zé Guilherme vem cercado de respeito e reverência, sem invencionices nem liberdades tomadas em nome de falsas modernidades. 'Abre a janela' é um disco que dialoga com a tradição. E oferece chances às novas gerações de conhecer o repertório de altíssima qualidade que, em tempos de escolhas musicais mais criteriosas, compunha o cardápio cotidiano do brasileiro médio.

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