Sem qualquer ressentimento, o irreverente Rogério Skylab segue criando e provocando polêmicas

À procura de um intérprete, o artista diz se sentir um cadáver dentro da música brasileira

por Mariana Peixoto 27/09/2015 07:00

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Alexandre Rezende/Divulgação
''Por causa da forma meio despudorada com que falo, acabo tendo mais relação com a juventude do que com pessoas da minha idade'' - Rogério Skylab, músico (foto: Alexandre Rezende/Divulgação)

Rogério Skylab, poeta, cantor e compositor carioca de 55 anos, já morreu duas vezes. A primeira foi em 10 de março de 2008, de infarto fulminante, em plena Rua do Ouvidor, Centro do Rio, logo após assistir a uma exposição de Beatriz Milhazes no Centro Cultural Banco do Brasil.

A segunda morte foi mais trágica. Sozinho em casa, em 28 de abril de 2011, teria cometido suicídio. Foi encontrado de cueca, com os olhos abertos voltados para o teto. No chão, além do corpo, jazia uma reportagem de jornal sobre a nova música brasileira.

“Enquanto estiver vivo, vou morrendo”, afirma Skylab de sua casa em Botafogo, no Rio. A fala baixa e tranquila se contrapõe à crueza dos versos daquele que se tornou conhecido como o “matador de passarinho”.

Vivo e chutando, ele tem feito das dele. Lançou recentemente seu 17º álbum, Desterro e carnaval. Também vivíssimo nas redes sociais, tem protagonizado a mais ácida cobertura do Rock in Rio por meio de sua página no Facebook.

Destacou, na abertura do evento: “Ney Matogrosso no Palco Mundo, dentro do show em homenagem aos 30 anos de Rock in Rio, com direção artística de Dinho Ouro Preto (eu tenho a impressão que todo meu nonsense, desenvolvido em 25 anos de carreira, não chega aos pés disso)”.

Elogiou a primeira noite dos “camisas pretas”, encerrada pelo Metallica. “O último RiR, aqui no Brasil, teve só dois dias de metal; neste, teremos três e o primeiro foi hoje. Medina tá mais bonzinho pro gênero? Não. O metal é que dá mais retorno pro evento.”

Sobre o terceiro dia, não poupou quase nenhum dos responsáveis pela cobertura televisiva, que ganhou um tom “cor-de-rosa”.

“Lembro-me da época em que lia um texto de Glauber Rocha metendo o pau em Apocalypse now na primeira página de jornal. Hoje os jornalistas não se colocam, perderam o ímpeto opinativo. Há um comportamento padrão, politicamente correto, de não querer muito se envolver”, diz.

E padrão nunca fez parte do vocabulário de Skylab. Considera Matador de passarinho (“Beija-flor tu és tão lindo/ mas chegou a tua hora/não beijarás mais ninguém”) sua primeira canção. Houve muitas outras depois dela. Motosserra, sobre um namorado que serrava a amada após descobrir-se traído; Convento das Carmelitas, em que um serial killer estrangulava freiras inocentes. Tem ainda uma ode à então mais popular apresentadora de telejornal do país (Fátima Bernardes experiência).

As músicas desta fase versam sobre morte, sexo, podridão, sangue, crimes, escatologia. Até que chegou a hora de despedir-se de Skylab e, em 2011, Rogério Tolomei Teixeira matou definitivamente seu personagem. Havia chegado a Skylab X, o 10º álbum da série.

Seguindo em frente, criou a trilogia do samba, que terminou justamente agora com Desterro e carnaval – os álbuns anteriores são Melancolia e carnaval e Abismo e carnaval. A veia irônica e crítica permanece, mas há um tom melancólico em boa parte das canções, um misto de samba, bossa com algum acento de jazz e música latina.

Assinando, mais uma vez, a produção do álbum, Skylab compôs com Fausto Fawcett (A árvore) e Michael Sullivan (Desde quando eu era bem menino). Os dois gravaram no álbum, assim como Arrigo Barnabé, que participa de Lívia, versão de Delia’s gone, de Johnny Cash. Desterro e carnaval é o primeiro álbum de Skylab a ser lançado unicamente no formato digital.

Sua discografia completa, por sinal, está disponível para download gratuito no site www.rogerioskylab.com.br. O programa de entrevistas Matador de passarinho, que apresentou por três anos no Canal Brasil, pode ser visto no YouTube. O Canal Brasil lança ainda este ano, por seu próprio selo, um DVD gravado ao vivo com o repertório da trilogia do samba.

Diante de tanta produção, o público se renova, não? “Acho que, por causa da forma meio despudorada com que falo, acabo tendo mais relação com a juventude do que com as pessoas da minha idade.”

Tal reconhecimento não é de longe o que espera Skylab. “Tenho mais de 300 composições, trabalho ininterruptamente. Mas nunca fui interpretado por ninguém. Sabe o que é um compositor sem um intérprete? Tem bandinhas independentes que tocam minha música, mas estou falando de uma cantora que goste de seu trabalho e cante suas músicas. É por isso que me sinto um cadáver dentro da música brasileira”, acrescenta Skylab.

Sem ressentimentos, ele vai vivendo. Continua com a mesma banda de muitos anos fazendo shows. E a produção autoral não para. Atualmente, prepara um álbum com o compositor e saxofonista paulista Livio Tragtenberg, papa da música experimental. A vida continua. Mas Skylab não descarta novas mortes no futuro.

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