Projeto coletivo reune Zeca Baleiro, Nanpa Vasconcellos e Paulo Lepetit

Com apoio do Sesc, 'Cadé no Bule' decola

por Kiko Ferreira 20/09/2015 13:00

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Sesc/Divulgação
(foto: Sesc/Divulgação)
Aprende-se que, em política, há prioridades de discurso e de recurso. A cultura é, tradicionalmente, prioridade de discurso. Mas raramente é acompanhada de recursos suficientes para tornar os discursos factuais. Por isso, a brincadeira de que o diretor do Sesc/SP, Danilo Santos de Miranda, seria o verdadeiro secretário de Cultura paulista, ou até mesmo tão poderoso quanto o ministro da Cultura, tem um fundo de verdade.


O orçamento do Sesc para 2015 é de R$ 1,6 bilhão. O do MinC, de 2,6 bilhões. Esse conforto no orçamento faz com que o Sesc mantenha carreiras individuais e boa parte da cena musical paulistana, além de permitir lançar obras originais de alta qualidade. E não só na música. Só neste ano, vale destacar o documentário Eduardo Coutinho, 7 de outubro (Carlos Nader), o DVD triplo Os náufragos da louca esperança (Ariane Mnouchkine) e o segundo e celebrado disco instrumental de Pepeu Gomes, Alto da Silveira.

Tirando satisfação O mais recente título do Selo Sesc é o projeto coletivo Café no Bule, reunindo o maranhense Zeca Baleiro, o pernambucano Naná Vasconcellos e o paulista Paulo Lepetit. A ideia começou a ser gerada durante um carnaval em Recife, ainda na década 1990, quando Baleiro apresentou Naná a Itamar Assumpção e sugeriu um trabalho da dupla. O facilitador do processo foi Lepetit, então baixista e produtor de Itamar.

O disco Isso vai dar repercussão (2004) só saiu depois da morte do autor de Nego Dito, e a ideia de um show com o trio vinha sendo acalentada desde então. Agora, foi proposta ao Sesc como Tirando satisfação, para ser feita sem pressa nem pressão, no ritmo do bloco do prazer. E assim foi.

Gravado durante três idas de Naná a São Paulo, onde moram Zeca e Lepetit, o disco foi sendo construído sem projeto definido, com as composições surgindo de uma levada de percussão, de grooves de baixo e percussão, de uma letra... incluindo a estreia de Naná como letrista. O trio tocou praticamente todos os instrumentos e foi agregando convidados, como o violão de Webster Santos, o cello de Lui Coimbra, o sax de Hugo Hori, a guitarra de Tuco Marcondes.

O maior mérito do álbum é provar ser possível fazer um disco ao mesmo tempo sofisticado musicalmente, rico em ritmos brasileiros, com letras decoráveis de imediato e fáceis de cantar, dançante e radiofônico, sem cair em intelectualismos, folclorismos e popularismos de ocasião. Num mix de xote, coco, baião, ciranda, afoxé, maracatu, pontes latinas e africanas e misturas nem sempre classificáveis, o trio rima pertinência com competência e bom humor.

São três vinhetas e 10 músicas que justificam o título, tirado de uma expressão popular que diz que, se alguém ou alguma coisa tem conteúdo, ali tem café no bule. Com potencial incendiário de animar festa, tem o samba de terreiro Batuque na panela, com groove de panelas e letra deliciosas, sobre uma musa que não diminui o facho. Ou o afoxé caribenho A dama do chama-maré, homenagem a uma famosa casa de reggae de São Luís, a “macumba-chicana” Yellow taxi, com a história de um amor em tempos de fama.

Também com alto poder de virar sucesso popular, Mosca de bolo é um coco sobre paqueradores compulsivos que grudam nas moças como mosca de padaria, e o Xote do Tarzan, história de um vagabundo de rua que se proclama o Tarzan da Praia do Janga, perto de Olinda. Aberto com a Ciranda da meia-noite, convite à festa e à celebração coletiva, e encerrado como batuque de levar multidão Loa, este Café no bule é pop, é culto, é leve, é sedutor e relevante para provar que é possível ser popular sem apelar para baixaria e pobreza de espírito.

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