Tecnobrega: gênero que surgiu nos subúrbios conquista todas as classes

Estudo sobre tecnobrega, da jornalista Lydia Barros, mostra que a produção periférica paraense estabelece novas formas de economia e reinventa redes de trocas simbólicas

por Ângela Faria 19/09/2015 08:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Superpop/divulgação
Parafernália tecnológica usada pelo grupo Superpop nas festas de aparelhagens, em Belém do Pará (foto: Superpop/divulgação )

DJ Maluquinho, Marlon Branco, DJ Dinho e Beto Metralha. Provavelmente, você nunca ouviu falar deles, mas esses rapazes transformaram a periferia de Belém do Pará em “incubadora de talentos” de uma espécie de revolução cultural, cujas armas são a música e a tecnologia. Baseado em pesquisa de doutorado em comunicação social de Lydia Barros na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o livro 'O tecnobrega' no contexto do novo paradigma de legitimação musical (Appris) traz oportuna reflexão sobre o pop paraense no início do século 21.

Jornalista, Lydia Barros mostra que não se trata de mera “onda periférica” envolvendo milhões de reais, com suas festas, equipamentos importados e DVDs piratas. Tem-se aqui um mercado, fonte de renda para cidadãos à margem do sistema formal de trabalho.

Hits desse pop nortista celebram a festa, a sensualidade e o prazer. Em Belém, a “subversão” não se dá contra cânones musicais propriamente ditos, mas no surgimento de uma economia particular forjada com a incorporação da pirataria à rede de distribuição de canções, a proliferação de estúdios caseiros e o rentável circuito de festas de aparelhagem, cujas trilhas suburbanas conquistaram bairros nobres e rádios “classe A” da cidade. Joelma, Chimbinha, Banda Calypso e Gaby Amarantos, artistas paraenses que ganharam visibilidade na mídia do eixo Rio-São Paulo, são apenas espumas dessa pororoca.

Além de ignorar direitos autorais, essas redes de produção artística popular são fruto da apropriação tecnológica por parte de cidadãos teoricamente à margem das maravilhas do capitalismo. Morador do Bairro do Bengui, uma das comunidades mais pobres e violentas de Belém, Beto Metralha não sabia uma palavra em inglês, mas aprendeu a operar programas como Acid Pro, SoundForge e Fruity Loops. Hoje, seu estúdio conta com tecnologia de última geração. Donos das aparelhagens vão buscar suas parafernálias nos EUA.

INCENTIVO

A jornalista explica como o fenômeno, que tem raízes na música brega, transformou-se em movimento de massa sem contar com apoio de leis de incentivo, desenvolvendo-se à margem da mídia tradicional e das gravadoras. A partir das festas de aparelhagem – batizadas “raves eletrônicas” –, com seus potentes e moderníssimos equipamentos de luz e som, difundiram-se batidas e canções criadas em computadores domésticos. Algoz da indústria fonográfica, a pirataria está no cerne dessa “revolução”: CDs e DVDs vendidos pelas ruas divulgam cantores e bandas. Se emplacarem, artistas ganham espaço nas gigantescas festas e constroem a carreira. O negócio tecnobrega, aliás, virou “case” de economia criativa globalizada. É tema até de documentário dinamarquês. Experiências semelhantes ocorrem com o cinema africano e a cumbia villera argentina.

A música brega se vê cercada de estigmas, considerada “menor” e “pobre” esteticamente. Entretanto, Lydia Barros aponta a quebra de hierarquias no establishment cultural. Tecnobrega, rap, funk carioca e cumbia villera extrapolaram “guetos” onde nasceram, delimitados pelo apartheid social, para cair no mundo (e na rede). Para a autora, o fenômeno paraense se insere em nova esfera pública musical, que inspira outras formas de apreender a obra de compositores populares.

“Descentralizados, produção e consumo aceleram o processo de diversificação de gêneros e estilos em circulação e, paralelamente, a multiplicidade de nichos de audiência em todos os campos da cultura global”, observa Lydia. Ela detecta mudanças nos paradigmas de validação cultural dessa produção. E critérios dessa validação têm se descolado de padrões estabelecidos pela crítica “letrada”, acostumada a prescrever estéticas apropriadas.

Música ruim embalada por eficiente cadeia econômica inventada na periferia paraense? Música do povão, cuja estética passa a ser validada por novos parâmetros? Lydia Barros propõe repensar paradigmas que cercam o tecnobrega. Como lembra Paulo Carneiro da Cunha Filho, professor da UFPE, na introdução do livro, a autora oferece pistas cruciais para compreender maneiras criadas por brasileiros pobres para festejar e se posicionar no mundo, reinventando celebrações e festas à margem da mídia, da indústria cultural e do Brasil burguês. “É muito instrutivo observar como o país rico tenta se apropriar (e lucrar) com o tecnobrega”, completa Cunha Filho.

O TECNOBREGA NO CONTEXTO DO NOVO PARADIGMA DA LEGITIMAÇÃO MUSICAL
. De Lydia Barros
. Editora Appris
. 253 páginas, R$ 57

MAIS SOBRE MÚSICA