Em entrevista, Karina Buhr fala sobre feminismo, música e literatura

Cantora, musicista, atriz e escritora acaba de lançar o livro 'Desperdiçando rima', do qual também foi ilustradora

por Isabella Andrade 10/08/2015 12:16

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Diego Ciarlariello/Divulgação
(foto: Diego Ciarlariello/Divulgação)
Ela é cantora, musicista, atriz e lançou recentemente o primeiro livro, 'Desperdiçando rima', do qual também foi ilustradora, e que reúne músicas, cartas, crônicas e desenhos. A multiartista, nascida em Salvador, teve o terceiro livro mais vendido na Festa Literária de Paraty de 2015 e afirma que seu processo de criação sempre envolveu diferentes expressões artísticas simultaneamente. Karina Buhr é conhecida por apresentar não apenas seus trabalhos, mas também por investir em lutas políticas e por disseminar e defender sempre suas ideias.

Você é vista como um ícone feminista pelo público. Você buscou essa posição ou surgiu naturalmente? Qual a importância de
difundir essas ideias atualmente?

Essa posição foi vindo naturalmente, eu não tenho vontade de ficar construindo alguma imagem. Sempre falei sobre essas coisas na vida, mesmo antes de ser artista, mas minha ideia de feminismo é que um dia a gente não precise mais ser feminista. O ideal é que seja tudo tão normal e cotidiano que a gente não precise mais se defender quanto a isso. Vamos ser feministas enquanto for preciso. É um saco bater sempre na mesma tecla? Sim, mas é um saco maior ainda passar pelas coisas que as mulheres passam, então vamos continuar.

Já foi cobrada pela família ou pela sociedade para ser mais feminina? Acredita que rotular comportamentos e características como femininas ou masculinas ainda é um tabu presente na sociedade?
Ainda está muito presente, tanto que é uma luta muito grande a de quem tenta acabar com o preconceito de transfobia, homofobia, pois tudo isso está impregnado no machismo. Desde quando você nasce menina, com tudo rosinha, mesmo que hoje já não seja proibido fazer isso ou aquilo, ainda tem o preconceito de quem pode fazer o quê. Foi isso que vivi na minha vida, as meninas que iam jogar futebol ou ser cientistas, eram as que quebravam todas as barreiras possíveis, porque as condições e direitos não eram iguais. Essa ideia do que é de homem e o que é de mulher é que atrapalha tudo. Existe esse mito de que homem é irresponsável, imaturo e, para as mulheres, têm aquilo de serem maduras, maternais. Qualquer pessoa pode ser as duas coisas.

Você costuma defender suas causas políticas publicamente, acredita que esse seja um dever do artista? De que maneira a arte pode ajudar a propagar seus próprios ideais?
Acaba que como artista, quando você fala das suas questões, seja em uma música ou em um show, e isso acaba se espalhando. Quando escrevo em redes sociais, o tema se espalha mais rápido ainda. Assim, você acaba disseminando o seu trabalho e suas ideias, mas acredito que é de cada um, não precisa de uma regra. Tem gente que faz muito sem falar tanto, tem gente que fala muito mas é superficial, tem gente que faz os dois. Acho que é uma obrigação de todo mundo, não só do artista. Muitas vezes o seu público pode não concordar com suas ideias, mas é importante espalhar.

Quando começou a fazer arte, você pretendia utilizá-la para quebrar padrões? Aconteceu naturalmente?
Eu faço tudo muito naturalmente, não penso antes ‘eu vou quebrar padrões, vou protestar’. Pode ser que eu faça um livro inteiro falando sobre o mar e a lua, a gente tem que ter leveza também, pois existem os dois lados. Desde uma banda como os Racionais, que são incríveis fazendo o que fazem, até um cara como o Jack Johnson que toca violão na praia e também é maravilhoso. É massa ter tudo isso misturado, cada um vai falar melhor de uma coisa. Eu, na vida pessoal, não sou performática, sou mais tímida, muitas vezes ninguém entende nada. Mas é que ali no palco é aquele momento, que estou cantando aquelas músicas, na vida sou mais pra dentro mesmo.

Já te ouvi dizer que era contra expressões como o regionalismo. Por que motivo? Acredita que isso atrapalha em vez de fortalecer?
Na verdade quando se fala de música e cultura regional no Brasil, se está falando do Norte ou do Nordeste, qualquer lugar que não seja o Sudeste, então isso é que é um saco. Quando alguém diz ‘ah, sua música tem uma pegada de música regional’. Regional de que região? De repente um som que tem muito coco, maracatu.. é chamado regional, mas se for um samba, que é do Sudeste, não é. Vira regional porque está fora do núcleo.

Sua música é uma mistura de diferentes estilos e sua personalidade no palco é forte. Leva a sua experiência como atriz do Teatro Oficina para o show ao lado da música? O que mais te marcou em suas experiências com Zé Celso e o que você leva delas na artista que você é hoje?
Acredito que inconsciente eu trouxe, passei sete anos lá. E lá a rotina era cantar, tocar, dar texto, tudo ao mesmo tempo. E eu gosto disso, tudo ao mesmo tempo, então vai para o meu show de alguma maneira. Foi quando eu cheguei lá que entendi o que era o Oficina e o Zé Celso. Não foi difícil, mas foi diferente de tudo o que eu tinha feito. Isso de tirar a roupa no começo me assustou, mas depois virou algo completamente natural e foi muito bom ter se tornado natural.

É difícil para o artista tentar explicar de onde vem a sua inspiração, você acredita que se coloca nas composições e poesias que cria? Ou tenta criar a partir de algo externo? Que tipo de coisas, cheiros, lugares ou pessoas te inspiram mais no processo criativo?
Eu não penso de onde eu tiro inspiração ou criação, acho que se eu pensar muito não sai. É claro que a gente é inspirado por tudo que vê e que ouve, mas quando eu vou fazer, não vou pesquisar ou procurar alguma coisa específica. Pelo contrário, quando vou fazer, tento fazer o meu melhor ali e depois acabo pensando que pode ter tido a ver com algo que vi em outro lugar. É na confusão, no meio de tudo. Até já tentei ir pra outro lugar. Uma vez fui pra uma praia lá perto de Ubatuba, ia passar 15 dias escrevendo. Cheguei lá e passei 15 dias tomando banho de mar, lendo, dormindo, não fiz nada disso. É um processo do dia a dia.

Na grande parte de suas entrevistas, você evita dar respostas muito fechadas, que tenham por base o certo ou errado, sim
ou não. Você acredita no equilíbrio e na existência de múltiplas possibilidades em tudo?

Eu evito sim, porque até pode acontecer de eu dizer que acho algo certo e depois dizer que não, e tudo bem isso. Até porque a opinião pode mudar, posso falar algo com muita certeza agora e depois ser outra coisa. Não têm só dois lados de cada coisa. Isso de todo mundo ter que dar opinião sobre tudo, tem que ter opinião fechada, não precisa. Às vezes você não sabe sobre aquilo, ainda está percebendo ainda o que é. O que me agonia é isso, todo mundo tem que ter uma opinião formada sobre tudo. Tento entender melhor antes de falar, não tachar as opiniões.

Qual a importância da existência de pequenas editoras e gravadoras? Essa presença independente faz diferença no mercado?
Acho isso muito importante, fiz discos independentes, sempre segui esse caminho. Esse caminho independente é muito importante, existe uma liberdade total de tema, de formato, a limitação é só pela grana. A tiragem é menor, mas tem outras coisas boas, outras trocas. Gente que faz fanzine, HQ, isso é muito bom. Se tivesse uma gravadora e chegasse com uma proposta massa, eu faria também, tem muito artista que já fez coisa bacana com gravadoras, não é uma regra. A distribuição de música e as coisas vão mudando e a gente descobre novos caminhos.

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