Conheça o sanfoneiro responsável pelo refrão mais famoso do forró

Por nada deste mundo Targino Gondim, coautor de 'Esperando na janela', troca o Nordeste pelo eixo Rio-SP

por Ana Clara Brant 19/07/2015 09:00

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Rafael Benevides/divulgação
''Aquilo foi inesquecível pra mim: Gil gravar a minha música, ter o privilégio de tocar com ele'' (foto: Rafael Benevides/divulgação)

Juazeiro (BA) – Era 1998. O sanfoneiro e compositor Targino Gondim tomava banho em sua casa, em Juazeiro, na Bahia, quando começou a cantarolar Daquele jeito, música do seu ídolo Luiz Gonzaga. Assim que saiu do chuveiro, inspirado no velho Lua, o jovem criou o refrão que virou febre nacional: “Por isso eu vou na casa dela, ai ai/ Falar do meu amor pra ela, vai/ Tá me esperando na janela, ai ai/ Não sei se vou me segurar”. Em 2000, o forró Esperando na janela, tema do filme Eu, tu, eles, de Andrucha Waddington, encantaria o país na voz de Gilberto Gil. “Costumo dizer que ela é a minha Asa-branca”, resume Targino, que, além do refrão, compôs a melodia e fez a letra com base em três canções de seus amigos Manuca e Raimundinho do Acordeom.

Esperando na janela foi o divisor de águas na carreira desse pernambucano nascido em Salgueiro, que mora desde os 2 anos em Juazeiro. A família de 10 irmãos se mudou para a Bahia na década de 1970, quando o pai, o caminhoneiro Targino, foi trabalhar na construção da Barragem de Sobradinho. A sanfona entrou na vida do menino de 12 anos por influência indireta de Gonzagão. “Meu pai aprendeu a tocar com o irmão adotivo de Gonzaga, Eugênio, e por consequência também assimilei esse conhecimento. Os dois se tornaram tão próximos que papai, de 85, e Eugênio, de 82, são grande amigos até hoje”, comenta Gondim, curador e um dos criadores do Festival Internacional da Sanfona, realizado em Juazeiro e Petrolina (PE), cuja terceira edição terminou ontem.



TECLADO

No começo, o jovem músico chegou a sofrer certo preconceito pela escolha que fez. A guitarra e o teclado estavam no auge e até gente de sua família tentou lhe indicar um outro caminho. “Já estava fazendo shows aqui na região mesmo, começando a ganhar um dinheirinho. Num aniversário, minhas irmãs me presentearam com um teclado para ver se mudava de ideia. Acho que era uma forma de tentar me proteger, buscando me mostrar indiretamente que a sanfona não daria futuro”, acredita. Mas não teve jeito. O acordeom e Targino estavam destinados um ao outro.

Aos poucos, o rapaz pernambucano foi se tornando conhecido no Vale do São Francisco e no Sul da Bahia. Quando estava prestes a lançar o quarto CD, veio a grande chance. Com gosto, o velho Targinho distribuía o disco Esperando na janela por todos os cantos, na mesma época em que a produção de Eu, tu, eles chegou a Juazeiro para gravar o longa.

“Assim que o Andrucha chegou, solicitou um sanfoneiro local e me indicaram. Mas ele achou que eu não tinha cara de tocar sanfona e me dispensou”, recorda o músico. Por uma dessas coincidências do destino, a equipe acabou contratando o velho Targino, pois precisava de um caminhão. “Papai saiu distribuindo o meu Esperando na janela pra todo mundo da produção e pro elenco. Aparentemente, ninguém deu muita bola”, lembra ele. Num dia de folga, a equipe foi comemorar o aniversário de uma das figurinistas num barzinho de Juazeiro. E o convidado para se apresentar era justamente Targino Gondim.

“A Regina Casé me reconheceu da capa do CD que meu pai deu a ela e pediu para tocar alguma música minha. Cantei e toquei várias vezes Esperando na janela e foi um sucesso. Ela acabou convencendo o Andrucha Waddington, emplacou a canção no filme e o resto virou história”, conta ele. A alegria seria ainda maior. Gilberto Gil, encarregado da trilha sonora, não só a gravou a canção, como convidou o autor para gravar com ele em estúdio e participar de alguns de seus shows.

“Aquilo foi inesquecível pra mim. Gil gravar a minha música, ter o privilégio de tocar com ele. Desde o começo, sempre me tratou como se fôssemos amigos de anos. Minha trajetória deu uma guinada impressionante depois daquilo tudo”, destaca.

GRAMMY

Em 2001, Targino Gondim conquistou o Oscar da música, o Grammy Latino, por Esperando na janela. Teve um de seus álbuns produzidos pelo casal Flora e Gilberto Gil. Os dois, aliás, chegaram a sugerir que ele se mudasse para o Rio de Janeiro. Mas o sanfoneiro não viu necessidade de deixar o Nordeste.

“Esse trabalho de ir para o Sudeste foi o que Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos fizeram. Eles, que tiveram toda a luta de divulgar a sanfona e o forró no Brasil inteiro, acabaram proporcionando pra gente esse conforto. Hoje, as coisas mudaram. Não é preciso morar no eixo Rio-São Paulo para ver o trabalho valorizado e reconhecido”, garante.

Apesar de se apresentar do Oiapoque ao Chuí, boa parte da agenda de shows de Targino Gondim está concentrada no Nordeste – sobretudo durante as festas de são-joão, que, brinca ele, começam no Dia de São José, em março.

Para facilitar as viagens, o sanfoneiro mantém um ônibus personalizado com cama, banheiro e frigobar, que se transforma em sua casa quando está na estrada. “Minha equipe de 18 pessoas vai toda nele. Isso otimiza as coisas porque, às vezes, nem dá tempo de ir ao hotel comer. A gente faz tudo no ônibus. Sem falar que não sou muito fã de avião”, brinca.

O ‘padrinho’ de Cauã e Ísis

Ano passado, Targino Gondim participou da série Amores roubados (2014), da Rede Globo, que teve locações em Juazeiro e Petrolina. Além de comandar uma orquestra sanfônica de crianças – na verdade, um ator fazia o papel de maestro e Targino tocava –, o pernambucano atuou na cena em que Leandro (Cauã Raymond) e Antônia (Ísis Valverde) se conhecem.

“Tocava no bar e os dois dançavam agarradinhos o tempo todo. Levou umas duas horas. Brinco que ajudei, meio que indiretamente, a acabar com o casamento do Cauã com a Grazi (Massafera), porque ele e Ísis ficaram num chamego só depois desse forró”, diverte-se.

Feliz com o resultado do 3º Festival Internacional da Sanfona, Targino diz que o interessante da edição encerrada ontem é o fato de que ela vai continuar reverberando. “Este ano, ao contrário dos anteriores, a gente teve a rede social muito forte. Antes, durante e, acredito, depois do evento, as pessoas se mobilizam, comentam, postam opiniões e vídeos. Assim como o som da sanfona, o festival continua se propagando”, conclui.

* A repórter viajou a convite do 3º Festival Internacional da Sanfona

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