Destaque da MPB contemporânea, o tijucano Pedro Luís chega a seu primeiro DVD solo

'Aposto' traz músicas compostas por ele que ficaram conhecidas na voz de outros artistas

por Ângela Faria 14/06/2015 10:40

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 Ricardo Gomes/divulgação
(foto: Ricardo Gomes/divulgação)
Não há canhões de luz, muito menos câmeras-drones voando sobre a plateia. 'Aposto' (MP,B), o primeiro DVD solo do cantor e compositor carioca Pedro Luís, foi rodado em meio a chapas de ferro, chaves de boca e prateleiras apinhadas de ferramentas de trabalho. O palco não está numa casa de shows badalada, espaço cult ou point dos alternativos. O ateliê do artista plástico Sérgio Marimba, que mais parece oficina mecânica, serve de metáfora perfeita para a trajetória do cantautor tijucano, de 54 anos, 31 de carreira. O sarau intimista, assistido por poucas dezenas de fãs, é uma celebração do ofício.


Pedro Luís é conhecido nacionalmente por liderar o Monobloco – coletivo percussivo que faz a festa de norte a sul do país ao transformar em batucada o rico cancioneiro nacional, de marchinhas de antigamente a Tim Maia, passando por funk carioca, MPB, rock e samba. Ele também chama a atenção com o grupo Pedro Luís e A Parede, a Plap, que ajudou a revigorar a música popular (e pop) brasileira a partir dos anos 1990 ao lado de Lenine, do produtor Tom Capone, Seu Jorge, Zélia Duncan e Chico Science, entre tantos outros.


O compositor tijucano supõe ter feito, “no mínimo”, 400 canções. Cansou-se de ouvir, depois dos shows: “Mas essa música é sua? Não é do Ney Matogrosso não?”. Ou: “Pensei que era d’O Rappa”. “Esta é da Adriana Calcanhotto, né?”. A faixa-título do CD e do DVD, composta por Pedro e o pernambucano Lucky Luciano, brinca com a tal “sina” que persegue os criadores “anônimos”.

Rádio Pedro Luís se orgulha de ver “intérpretes autores” reinventando as canções que criou. A MPB está cheia deles: Elis Regina, por exemplo, virou a dona de 'O bêbado e a equilibrista', composta por Aldir Blanc e João Bosco. Há versões que se tornam definitivas, bem sabe ele. Mas o duro é ouvir as rádios brasileiras “expropriando” autorias, atribuindo-as a seus intérpretes. Raríssimas citam o autor depois de executar a música.


“Isso é deseducar o povo”, reclama Pedro, dizendo que não é justo alijar o compositor de sua própria obra. Em 'Aposto', ele selecionou “crias” que se tornaram conhecidas em outras vozes. A faixa de abertura, 'Imantra' (parceria com Antonio Saraiva), foi gravada pela atriz belo-horizontina Via Negromonte nos anos 1980. 'Tudo vale a pena' conquistou o país, em 1995, na voz da parceira Fernanda Abreu. 'Miséria S.A' chamou a atenção no disco lançado em 1996 por O Rappa. Em 2004, Ney Matogrosso fez de 'Noite severina' (parceria de Pedro com Lula Queiroga) um clássico de seu já rico repertório. A cantora Roberta Sá brilhou com 'Janeiros' (parceria dos dois) e 'Girando na renda' (de Pedro, Flávio Guimarães e Mestre Xocolate).

O garimpo para chegar às 21 faixas do DVD foi sofrido. O projeto trouxe prazer e desafio para Pedro. “Prazer por botar o meu rosto em minhas canções conhecidas em outras vozes. Desafio por abraçar um formato sem a proteção dos coletivos”, explica. Uma coisa é subir ao palco ao lado de quase duas dezenas de companheiros do Monobloco ou com a Plap, formada por Sidon Silva, C.A Ferrari, Mário Moura e Celso Alvim. Outra, muito diferente, é encarar o microfone sozinho, com o violão ou cavaco, acompanhado apenas pela delicada – e precisa – percussão de Paulino Dias. Isso é um risco, resume. Pedro conta que foi obrigado a estudar, depurar o seu canto, a tocar melhor. Valeu a pena.


Convidados especiais dividiram o microfone com ele: Nina Becker, na delicada 'Rosa que me encanta'; Zélia Duncan, na inédita 'De nós'; Martinho da Vila e Martnália, na empolgante 'Samba de cabôco' (parceria de Pedro com o baiano Roque Ferreira, gravada no mítico estúdio do saudoso produtor Tom Capone); as brejeiras Bruna Caram e Duda Brack, no forró 'Véu de filó'. João Cavalcanti e Cabelo são os convidados na ótima 'Indivídua', sobre as agruras de um rapaz atormentado por uma sujeita dona de nexo indecente e sexo inesquecível.


Pedro Luís se mostra um cantor visivelmente amadurecido. E confessa: tem até vontade de regravar os antigos discos da Plap. Cinquentão, confessa-se um pouco incomodado com a “displicência e autenticidade” dos velhos tempos. O canto é suave, bem diferente daquele ouvido com a Plap e o Monobloco, mas segue a trilha do primeiro disco solo, 'Tempo de menino', em que ele dividiu faixas com os vozeirões de Milton Nascimento e da portuguesa Carminho.

Funk O repertório de 'Aposto' traz um pouco de tudo. E isso, aliás, não é pouco em se tratando de Pedro Luís. Ele já foi punk (com a banda Urge!, nos anos 1980); burilou o funk e o rap nos anos 1990 com a banda Boato; sempre caiu no samba e cultuou o samba-rock. Fez toada à mineira, compôs para teatro ('Asdrúbal Trouxe o Trombone' e 'Manhas e Manias'), até se intitulou “paraíba do Sul” junto dos companheiros da Plap, tamanho o gosto por xaxado, baião e forró. Tijucano da gema – assim como Tim Maia, Jorge Ben, Erasmo Carlos –, sabe transitar entre zona norte e zona sul. Está à vontade tanto ao lado de Bituca quanto dos funkeiros cariocas Júnior e Leonardo.


Pedro faz música para a TV ('Bela fera', do seriado 'As brasileiras', está em 'Aposto') e para novela. Fã de Deep Purple e Led Zeppelin desde garoto, destaca-se no caldeirão sonoro da MPB contemporânea. E ainda está à frente de um dos blocos carnavalescos mais populares do Rio de Janeiro, que costuma arrastar meio milhão de pessoas pela Avenida Presidente Vargas.


Artesão do verso, operário da canção, Pedro Luís celebra seu ofício em um belo ritual no ateliê de Sérgio Marimba. Drones e megatelões não fizeram a menor falta. Em compensação, ficaram lindas as flores pisca-pisca que a diretora Bianca Ramoneda achou no Saara, point carioca de compras do povão. Com a devida vênia de Chico Buarque, vê-se ali uma festa imodesta. E salve o compositor popular!

 

 

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