Veterano do reggae em Minas, Celso Moretti lança disco e aceita que não é pop

'Estilingue' rompe hiato de 8 anos do artista que vive em Betim; ele garante que pretende manter estilo alternativo, apesar da falta de incentivo no gênero

por Eduardo Tristão Girão 21/04/2015 00:13

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Werley Santos/Divulgação
Moretti garante: começou com ele ''essa história de reggae aqui em Minas Gerais'' (foto: Werley Santos/Divulgação )
Por e-mail, Celso Moretti avisa sobre o lançamento de seu quinto disco, 'Estilingue', apressando-se em dizer que está sem produtor, não tem “muito jeitinho para essas coisas” e que começou com ele “essa história de reggae aqui em Minas Gerais”. Ele tem certa razão. É difícil precisar se foi ele ou não o pioneiro por aqui, mas não há dúvidas de que foi um dos primeiros a reverberar na capital mineira, no início dos anos 1980, as vibrações do gênero musical que Bob Marley espalhou pelo mundo a partir da Jamaica.


Moretti é uma espécie de anti-herói do reggae. Sua história não combina com a atmosfera praiana, festiva e paz e amor que muitos costumam associar a esse tipo de música. Nascido em São João del-Rei, saiu de lá ainda criança para Belo Horizonte. Foi morar num aglomerado e sua vivência lá foi decisiva para que, anos depois, apelidasse de “reggae favela” seu estilo como compositor. Trabalhou por 23 anos numa montadora de carros – o cargo era de chefe de unidade tecnológica elementar – e sua estreia artística, em 1984, foi com o grupo Nego Gato, do qual foi cantor e que terminou três anos depois.

Uma aposta

“Não me lembro de outra banda de reggae na época”, afirma Moretti. “Mais tarde, vi surgirem aqui nomes como os de Wilson Keyroga, Rasta Joint e Omeriah.” Iniciou a carreira solo sem demora e lançou seu primeiro disco em 1988, baseado nas canções que havia escrito para a extinta banda. De lá pra cá, suas letras sempre tiveram tom de contestação, protesto, mas o som, garante o artista mineiro, mudou. E isso diz respeito, mais especificamente, a este último álbum, que está separado do anterior por oito anos.


“Quis entrar mais na cena do reggae. Nos outros trabalhos, queria ser incluído na cena da música popular nacional, não só reggae, para poder chegar a mais pessoas. Mas não vi tanto resultado. Pesquisei, fui a eventos de reggae e percebi que o som repetitivo, que fica no ouvido, é o que mais agrada. Fiz, então, um disco assim, mais mântrico, mas sem fugir totalmente das minhas características. Abri mão de alguns conceitos e estou feliz pelas críticas que venho recebendo. Parece que a aposta deu certo”, conta.


Moretti diz gostar de mudanças, mas não abre mão de continuar rotulando seu trabalho como “reggae favela”, que considera distinto do padrão vigente nesse gênero musical. “Chamo de ‘reggae favela’ a maneira de tocar e interpretar, que é diferente, pois a linha melódica é mais fechada. Não se assovia tão facilmente a música que faço. Isso parece fácil de fazer, mas não é”, explica. Ele conta ter transferido para os metais o padrão melódico adotado pela maioria dos cantores do ramo.

 

O núcleo da banda é o mesmo desde 1999, formado por Rodrigo Lourenço (baixo), Thiago Barrêz (guitarra) e Luiz Paulo (bateria) – eles tocaram em todos os discos de Moretti, à exceção do primeiro, e o acompanham nos shows. A direção musical ficou a cargo de Lourenço, que também assinou o disco anterior, 'Reggae favela Brasil' (2007). Aliás, ele também atuou como técnico de gravação e ficou responsável pela mixagem e masterização.

Briga

Moretti assina todas as 12 faixas, entre elas 'Não pare a luta', 'Tendiquerê', 'Ponto de ônibus', 'É a lei' e 'Gueto' – nesta última, o DJ Cubanito figura como convidado especial. As gravações levaram três anos e foram realizadas em Betim, onde o artista mora. A explicação para esse longo processo, justifica, está na falta de dinheiro. “Precisava de R$ 11 mil para terminar e arrecadei apenas R$ 300 em dois meses de campanha de crowdfunding. Acho que foi o pior resultado do site”, lembra.

Werley Santos/Divulgação
Músico entende que sua música não tem grande repercussão: ''Não é porque sou difícil, mas porque todos eles querem que eu seja mais pop. Sendo assim, prefiro continuar sem. Seria andar para trás'' (foto: Werley Santos/Divulgação )
Ele não ficou só decepcionado: “Eu me dei conta de que minha música não é popular. Não adianta. Sempre me disseram que esse nome, ‘reggae favela’, não me levaria a lugar nenhum e desde o primeiro disco”. Sem contar com um produtor para auxiliá-lo na carreira há seis anos, ele diz sentir falta disso, mas não está, exatamente, preocupado: “Não é porque sou difícil, mas porque todos eles querem que eu seja mais pop. Sendo assim, prefiro continuar sem. Seria andar para trás. Não vou brigar por espaço em rádio ou festas”.


O único show de lançamento de 'Estilingue' foi realizado este mês, em Contagem, e não há previsão de outra apresentação para promover o trabalho. O artista tem preferido fazer noites de autógrafos nas quais as novas músicas funcionam como trilha sonora, ocasionalmente interpretando algumas com seu “violão mal tocado”. Ano passado, fez apenas três shows, mas está empenhado em aumentar esse número no próximo semestre. “Sou um cara de poucos shows”, conclui.

 

Influências e referências

Celso Moretti afirma que a nova geração do reggae em Minas Gerais é uma das responsáveis por mantê-lo constantemente estimulado enquanto artista. “As bandas daqui me ostentam, me mantêm onde estou. Eles me elevam, fazem a minha propaganda e colocam meu nome onde acham que devo estar”, relata. Alguns desses grupos, continua, colocam músicas dele no repertório e sempre o convidam para se apresentar nos eventos que produzem. “Bandas de meninos de 20 e poucos anos me apresentam para o público deles”, orgulha-se.

Outro fato que lhe chama a atenção em Belo Horizonte é o interesse dos mais jovens pelo soundsystem, evento ao ar livre com som potente, DJs e MCs. “Estão construindo uma cena de dois anos para cá, arrebanhando gente que não sabe se gosta de reggae. Debaixo do Viaduto Santa Tereza ou em eventos fechados, com equipe forte, tocando reggae, dub, raggamuffin por cinco, seis horas. Muito interessante. O MC, chamado de toaster ali, faz intervenções e já me arrisquei nisso duas vezes, mas não é minha praia. Prefiro uma banda comigo”, diz.

O artista revela que o reggae nacional é, hoje, sua maior referência. “Gosto da Tribo de Jah, que faz uma levada bem regionalizada, bem Norte do Brasil, meio forrozado e bem dançante. As regiões do país influenciam muito nas produções daqui. O reggae do Sul também é muito bom e uma das melhores que já vi tocar é de lá, a Produto Nacional. É engraçado que ela não entre em nenhuma lista”, elogia. Bob Marley ele ouve até hoje e apesar de não saber inglês, fez uma apostila com traduções de todas as músicas dele, que fica em seu carro.

Emoção
Ano passado, Celso Moretti viajou para tocar em dois países africanos, Gana e Senegal. Fez quatro shows por lá e avalia a experiência como sensacional. “Não entendo nada de inglês e eles, nada de português. Nos entendemos pela música, pelas expressões. Numa das apresentações, não dei conta de terminar de cantar uma música, de tão emocionado”, relata.

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