Cancelamentos, censura e polêmica marcaram os primórdios dos megashows em BH

Passagens de ícones como Kiss, Sting e Eric Clapton pela capital ficaram marcadas, não só pelas grandes apresentações

por Mariana Peixoto 17/04/2015 10:25

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José pereira/Arquivo EM
Gene Simmons em ação no Mineirão, em 1983. Não dá para esquecer o show do Kiss (foto: José pereira/Arquivo EM)
“Desculpe eu ter de dizer isso a vocês. Mas Belo Horizonte é uma roça grande mesmo.” Trinta e dois anos atrás, uma empresa de fora, ArteShow, teve a ousadia de trazer para o principal estádio mineiro uma banda que protagonizava “rituais macabros”.


Bem, foi pelo menos desta maneira que a vinda do Kiss à cidade, em 23 de junho de 1983, foi vista por parte da população. Das esperadas 70 mil pessoas, apenas a metade compareceu ao estádio. Culpa, de acordo com Cláudio Liza, um dos produtores do evento – e autor da frase que abre este texto, em matéria publicada no Estado de Minas dois dias após o show –, da censura.

Ao contrário de Rio e São Paulo, que liberaram a entrada para maiores de 12 anos, aqui, em cima da hora, a classificação mudou para 16. Vinte e cinco mil adolescentes tiveram que devolver os ingressos, segundo a produção do evento.

Este foi apenas um dos problemas. A apresentação acabou adiada por causa de questões técnicas, houve protestos religiosos (incluindo a distribuição de folhetos dizendo que os integrantes do Kiss eram “cavaleiros a serviço de satanás”), esquema policial repressivo. Setenta e duas pessoas foram presas. O show foi encurtado em 40 minutos. Até o governo do estado divulgou nota à imprensa “eximindo-se de qualquer envolvimento com o evento”.

Mas quem foi não se esquece de maneira alguma. A “roça grande” havia assistido, mesmo que aos trancos e barrancos, a uma banda de rock do primeiro time. Na próxima quinta-feira, o Kiss retorna a BH. E três décadas mais tarde, a única polêmica do evento foi a mudança do local, do Estádio Independência para o ginásio do Mineirinho.

No mercado de shows internacionais, em geral coloca-se o Rock in Rio, em janeiro de 1985, como o divisor de águas. No entanto, houve vida antes do festival, mesmo que fora do eixo.

Em BH, o primeiro show internacional de rock foi o do tecladista Rick Wakeman, em 1981, no Mineirinho. Depois do fracasso do Kiss, a cidade só voltaria a assistir a uma atração de peso em 1987, quando Sting se apresentou no Independência para um público de 36 mil pessoas. Até o fim daquela década e o início da próxima, não houve mais shows a céu aberto. Entre 1988 e 1992, o Mineirinho recebeu Jethro Tull, Eric Clapton, Paul Simon e Bob Dylan.

À exceção do Kiss, realizado por uma produtora de fora, todos os outros eventos foram produzidos por gente daqui, mais especificamente pela dupla Gegê Lara e Lúcio Oliveira, que comandou, até 1997, a Tempo Produções. Hoje separados, continuam atuando no meio. “Antes os equipamentos de som eram mais escassos, tínhamos que trazer de fora, muitas vezes até de fora do Brasil”, conta Oliveira. Lara acrescenta que para a dupla, na época, trazer Sting a BH era subir um degrau e tanto no meio. “Estávamos vivendo a expectativa dos grandes shows, então lutamos para conseguir a produção local. E olha que essa expectativa de ver o Brasil como novo eldorado do showbusiness só se concretizou nos anos 2000”, afirma.

Como tudo era muito novo na cidade, a improvisação fazia parte da regra do jogo. Oliveira se lembra de que teve que enfrentar um problemão no show do Sting. “O Independência estava desativado há muitos anos. No dia do show, quando os equipamentos foram ligados, os transformadores nos postes, há bastante tempo sem demanda, não aguentaram. Simplesmente pegaram fogo.” Com a apresentação marcada para a noite de 24 de novembro de 1987 no estádio do Horto, a produção teve que chamar a Cemig às pressas para, na tarde daquele dia, resolver o problema.

A venda de ingressos era realizada da maneira mais arcaica possível. Os bilhetes eram feitos em gráfica e distribuídos em lojas. Um reconhecimento diário era feito em todos os pontos de venda para fechar o borderô. Empresas patrocinadoras também eram raras. A maior parte dos eventos era feita no risco, com o produtor lucrando com a venda direta de ingressos. “Hoje é inimaginável fazer show sem patrocínio”, afirma Oliveira.

O show do Kiss representava para a Belo Horizonte da época a possibilidade da vinda de outros grandes nomes. Segundo a imprensa da época, estavam cotados, para agosto de 1987, os Rolling Stones no Mineirão. Há coisas que mesmo a passagem do tempo não consegue mudar.


FERNANDA TAKAI EM DIA DE FÃ

Nas notícias de jornal sobre grandes shows das décadas de 1980 e 1990 em BH, a vocalista do Pato Fu tieta Sting


Kiss – Diário da Tarde 23/6/1983
“O certo é que Belo Horizonte tão cedo (não) verá outro espetáculo cheio de luzes, fumaça e pânico. O conjunto Kiss chegou ao estádio às 20h15, de maneira triunfal e bem à moda dos grandes acontecimentos. Colocados em uma viatura do Batalhão de radiopatrulha, os cantores de rock conseguiram furar o bloqueio da portaria do hotel no Centro e chegar com alarido ao estádio. Quando isso aconteceu, percebia-se o que iria acontecer. Naqueles instantes, muitos começaram a jogar para o alto litros de bebidas cheios ou vazios. E, além das pontas de cigarros, roupas rasgadas, sapatos, meias, objetos os mais diversos, o gramado do Mineirão e toda a área interna e externa do estádio amanheceram cobertos de cacos de vidros de uma noite que tão cedo (não) será esquecida.”

Sting – EM 25/11/1987
“Se a maioria só estava ali de passagem e, quando perguntada, não se lembrava de nenhuma música de Sting, o também roqueiro Fabiano Melo, 23, um dos integrantes do Conjunto Happa, da Cidade Nova, não só sabia todo o repertório como cantou os primeiros versos de Every breath you take. Mas foi Fernanda Takai, de 16 anos, do Bairro Planalto, estudante de 2º grau do Colégio Arquidiocesano, que foi lá com uma máquina fotográfica, quem sabia os versos corretos do que parece ser a música mais conhecida do cantor: “Every breath you take/Every move you make/Every step you take/I’ll be watching you”.

Eric Clapton – EM 13/10/1990

“A cinco metros de deus. Foi assim que... me flagrei boquiaberto e completamente chapado diante do seminal ‘slow-hand’, o mestre supremo do blues-rock e inconteste top-guitar-hero do Reino Unido. Nessa condição privilegiada, proporcionada por acaso quando uma briga feia durante o terceiro número da noite – o singelo 'No alibis' – abriu um clarão na compacta massa humana que se postava diante do palco, eu presenciaria um evento sem precedentes na história do Mineirinho.”

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