Espetáculo musical sobre vida de Clara Nunes tem única apresentação em BH

Baseada na biografia e na carreira da cantora mineira, montagem tem entrada franca

por Ailton Magioli 09/04/2015 08:00

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Claudia Ribeiro/Divulgação
(foto: Claudia Ribeiro/Divulgação)
A teatróloga Marcia Venelatto recorreu à noção de biografema (livre produção textual, que enfatiza imagens, cenas, gestos, fragmentos), proposta por Roland Barthes (1915-1980), para escrever o espetáculo 'Deixa clarear', que faz apresentação única e gratuita hoje, no Teatro Sesiminas, em Belo Horizonte. Da capital, a peça segue em turnê pelo interior do estado.


Em cena, como faz questão de dizer a autora, “um diálogo metafórico, mais subjetivo” com a biografia da cantora Clara Nunes (1943-1983), para a qual ela diz ter descoberto uma pista por meio de sete plataformas, que explora no texto.

“A menina brejeira do interior de Minas, que viveu uma história linda com o pai,  que lhe aplicou a música na infância; a intérprete romântica de boleros, que viveu muitos amores; a adepta dos orixás, que se ligou ao sincretismo religioso, abraçando-o como uma causa; a artista e cidadã politizada, que elegeu Fidel Castro, Brizola e Agostinho Neto como ídolos; a pop-star, que vendeu mais discos do que Roberto Carlos em determinado período de carreira; a artista que se ligou de maneira emblemática à Portela; além da mulher que morreu aos 40 anos, no auge de sua potência”, elenca a autora.

Venelatto afirma ter encontrado no repertório de Clara Nunes – que gravou mais de 400 canções – tudo o que ela queria dizer a respeito do Brasil e da própria vida. Protagonizado pela atriz Clara Santhana, 'Deixa clarear' estreou no rastro da passagem dos 30 anos de morte da artista, em 2013. O espetáculo já realizou várias temporadas nos palcos cariocas, a mais recente delas no Teatro João Caetano.

RITUAL Proposto pela atriz, que queria homenagear a artista no aniversário de sua morte, o musical, na opinião da autora, é um grande ritual, que, com o uso de textos, poemas e canções narra a trajetória de Clara Nunes sem compromisso biográfico cronológico. “Há duas maneiras de dialogar com Clara: ser fiel à biografia dela ou a que eu escolhi – centrada na vida, com a qual ela era muito zelosa, e no repertório, por meio do qual ela dizia tudo o que queria dizer”, afirma Venelatto.

“O que Clara tinha a dizer estava no repertório dela”, reforça a atriz, que interpreta integralmente 16 canções durante a encenação e ainda utiliza outras três, em versões instrumentais, sem contar os poemas. Segundo Clara Santhana, além do viúvo de Clara Nunes, Paulo César Pinheiro, que detém os direitos autorais da cantora, ela também submeteu projeto e texto do espetáculo à família de Clara Nunes, que vive em Caetanópolis, na região central do estado.

“O que mais admiro em Clara é a força, a determinação. Não por acaso ela se tornou conhecida como Guerreira”, salienta a atriz, que vê a artista como uma pessoa “do bem, da paz e do amor”. “A minha afinidade com ela vem dos temas que aborda no repertório, da valorização da cultura popular brasileira.” Na opinião da atriz, Clara Nunes tinha um olhar horizontal sobre a vida. “Ela era uma estrela, mas vivia longe do pedestal. Tinha uma postura simples diante da vida.”

'Deixa clarear' tem direção de cena de Isaac Bernat, enquanto Alfredo Del Penho se responsabiliza pela direção musical. Já o cenário é de Doris Rollemberg, os figurinos são de Desirée Bastos e a iluminação, de Alfredo de Simone. Os músicos Luciano Fogaça (percussão), Felipe Rodrigues (violão), Bidu Campeche (percussão/ cavaquinho) e João Gabriel (flauta/sax tenor) também estão em cena.

Samba foi maior trunfo da cantora, mas não o único
Kiko Ferreira


Síntese e identidade são conceitos importantes para justificar a popularidade e o respeito que Clara Nunes ganhou ao longo de sua carreira. Lançada no Rio de Janeiro pelo mesmo Carlos Imperial que levou ao sucesso Wilson Simonal, Roberto e Erasmo Carlos, Clara começou a carreira fonográfica em 1966, com 'A voz adorável de Clara Nunes'.

No disco, apesar de já antecipar o bom gosto como intérprete, ao defender o sofisticado Tito Madi ('Canção de sorrir e chorar') e o genial violonista Garoto ('Estudo amor'), soava como uma crooner de boate, entre boleros e canções de noite. No segundo disco, além de Tom Jobim, ela começava a se afeiçoar ao samba, seu maior trunfo, com Noel Rosa e Elton Medeiros. E seu primeiro sucesso foi o samba 'Você passa eu acho graça', uma rara parceria do sambista mineiro Ataulfo Alves com o roqueiro Imperial.

Foi em 1971, com o Lp 'Clara Nunes', produzido pelo radialista e então marido Adelzon Alves, que ela começa a construir a persona que lhe deu fama e sucesso, mesclando elementos das religiões afro-brasileiras com temas que refletiam a busca de identidade de um país reprimido pela ditadura militar.

Primeiro com Adelzon e mais tarde com o próximo marido, o letrista Paulo César Pinheiro, ela construiu um repertório sólido e uma discografia consistente com os autores Nelson Cavaquinho, Mauro Duarte, Candeia, Paulinho da Viola, Nei Lopes, João Nogueira, Monarco e os “universitários” João Bosco e Chico Buarque.

Clara deu também visibilidade a temas como 'Brasil mestiço', 'Mãe África', 'Seca do Nordeste', 'Jogo de Angola' e 'Canto das três raças'. Numa época em que se discutia, com ardor, se o samba era carioca ou baiano, a mineira Clara formava com a carioca Beth Carvalho e a maranhense Alcione o que o crítico e pesquisador Tárik de Souza chama de “trindade de sambistas de massa”. Bons tempos em que essa era a música mais popular do país das muitas raças e sotaques plurais.


DEIXA CLAREAR

Nesta quinta-feira, às 20h, no Teatro Sesiminas, Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia. Ingressos gratuitos (1 par por pessoa), distribuídos das 13h às 19h. Informações: (31) 3241-7181.
 

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