Iconili lança o 'metafísico' CD 'Piacó', com show no Sesc Palladium

Disco está disponível gratuitamente na internet e teve parte financiada pelos fãs, mas a banda defende modelo sustentável para a indústria musical

por Kiko Ferreira 27/03/2015 09:00

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Breno da Matta/Divulgação
(foto: Breno da Matta/Divulgação)
Vale a brindadeira. Ícone da nova cena musical de Belo Horizonte, o Iconili faz única apresentação do show de lançamento de seu segundo álbum, 'Piacó', nesta sexta-feira, no Sesc Palladium. Integrado por 12 músicos de formações e escolas diversas, o coletivo tem como referência o afrobeat, tipo de música dançante nascida na África. Concebido e gravado durante dois períodos de imersão, em agosto do ano passado, em André do Mato Dentro, vila da região da Serra do Gandarela, 'Piacó' justifica o entusiasmo com que o grupo vem sendo recebido desde o EP que leva o nome da banda, em 2010, confirmado com o primeiro CD “cheio”, 'Tupi mundo novo' (2013).

Disponível para streaming e download gratuito (iconili.tumblr.com), 'Piacó' alia técnica, inventividade e entusiasmo, sem viagens desnecessárias e solos mirabolantes, tão comuns na cena instrumental. Formada por André Orandi (órgão e sax alto), Gustavo Cunha (guitarra), Henrique Satino (sax tenor), João Machala (trombone), Lucas Freitas (sax barítono), Nara Torres (percussão), Pedro de Filippis (percussão), Rafael Mandacaru (guitarra), Rafael Nunes (percussão), Victor Silva (trompete), Wesley Cançado (bateria e percussão) e Willian Rosa (baixo), o Iconili promete levar para o palco todas as faixas do disco, sem tirar nem pôr. Só mudando a ordem dos fatores. O saxofonista Henrique Staino conversou com o Estado de Minas sobre o show, o disco, os rumos da banda e o cenário da indústria musical. Leia a seguir:


Como será o show?

Para nós, será uma grande comemoração. É a culminação de uma fase muito significativa para a banda – a finalização de todo o processo de composição, arranjo e produção do disco. E marca também uma nova etapa, que é a de circular o máximo possível nosso som por aí! Tocaremos o disco na íntegra com mudanças na ordem das músicas. Ordem de disco é uma coisa e de show é outra. Os fluxos energéticos são diferentes. Teremos o artista plástico Petit Georges fazendo projeções analógicas com retroprojetor e substâncias químicas, construindo as imagens ao sabor do som, criando uma atmosfera fantástica.

Vocês são sempre relacionados com o afrobeat. Como classificam sua música?
Há uma tendência de nos relacionarem ao afrobeat, e nunca nos opusemos a isso. Ao mesmo tempo, nunca tivemos a proposta de ser uma “banda de afrobeat”. O primeiro disco, 'Iconili', passeou por outros cantos, que se relacionavam às influencias principais da banda na época. Apesar disso, o afrobeat foi um objeto de pesquisa mais profunda por um bom tempo, e isso sem dúvida se refletiu na sonoridade de 'Tupi novo mundo', que teve maior visibilidade.

Depois disso, tivemos uma experiência intensa com (o guitarrista nigeriano) Oghene Kologbo, que esteve morando conosco por um mês em BH, nos ensinando os princípios do afrobeat original, do Africa 70 e do Fela Kuti.

Foi uma experiência muito enriquecedora, que, ao passo que sedimentou em nós um conhecimento mais profundo sobre o afrobeat, também nos ajudou a trilhar outros caminhos. Nossas influências são extensas e mutáveis. Nosso som é resultado de tudo o que cada um dos integrantes traz ao grupo. Esse disco traz um olhar mais voltado para o Brasil, para os ritmos brasileiros, a música do Pará, a música mineira, o samba e também para outras linguagens, como o funk, o ethio jazz, o rock’n’roll e boas doses de psicodelia.

Nos períodos do retiro para composição e gravação, alguma história curiosa?

Foram dois períodos separados, um para composição e arranjos, e outro para a gravação em si. Em ambas as ocasiões houve um contato mais profundo com a natureza e com nós mesmos.

Não há exatamente casos curiosos, exceto por termos assistido a uma insólita apresentação futebolística de gregos do período clássico; convivido com uma traça gigante e inteligente; “cavalgado” na carapaça de tatus jurássicos, que nos ajudavam com o transporte; conhecido um engenheiro nuclear que vivia em uma casa sem eletricidade; e termos aprendido muito sobre a Serra da Gandarela, seus mistérios, sua vida e a ameaça da mineração.

Após contato dos gringos com a música de vocês, com elogios no jornal britânico The Guardian, por exemplo, mudou alguma coisa?
Nosso contato internacional até o momento tem sido mais platônico do que realmente consumado. Vários DJs pelo mundo nos pedem permissão para tocar nossas músicas em festas, algumas coletâneas de afrobeat incluíram algumas composições e as rádios estão sempre tocando por lá. Mas vamos sair do Brasil pela primeira vez agora que temos um show marcado em Buenos Aires. Esperamos que os passaportes sejam muito carimbados neste ano.

Qual a relação de vocês com os músicos mineiros mais tradicionais e outras gerações (Toninho Horta, Juarez Moreira, Skank, Beto Guedes, Lô Borges)?
Essa relação não existe muito profundamente. Existe, sim, no nosso imaginário, nas nossas memórias, no legado musical dessas grandes figuras. Mas não há um diálogo ou uma troca mais substancial atualmente.

O disco foi feito pelo sistema crowdfunding. Como vocês encaram o momento atual, em que a maioria dos jovens não admite pagar por música, mas gasta muito em baladas? Qual o futuro da música ? Streaming?
Sobre o crowdfunding, é um caso complexo. É muito benéfico para a movimentação da rede da banda, o engajamento das pessoas que admiram o trabalho, para noticiar um trabalho que está sendo feito e gera algum retorno financeiro. Mas não se pode dizer verdadeiramente que “o disco foi feito completamente pelo sistema crowdfunding”.

Calculamos que no máximo 30% da verba do disco veio desse sistema. Há que se pagar a porcentagem do gerenciamento da campanha, a produção, entrega das recompensas e a quantidade de trabalho necessário fazer uma campanha dessas dar certo é enorme. Claro que somos muito gratos a todos os que nos ajudaram no financiamento do disco.

O restante da verba veio dos nossos cachês ao longo do tempo e de shows e festas produzidos por nós mesmos para esse fim. Isso significou, por exemplo, nenhuma distribuição de dinheiro para os músicos dentro do quadro geral. É uma doação de cada um mesmo. Fazemos porque acreditamos no trabalho, na importância disso pra cada um e na tentativa de melhorar o mundo com a nossa música. Claro que queremos reverter esse quadro, e começar a transformar nosso trabalho em algo economicamente viável, ao menos sustentável de fato, mas definitivamente, no cenário atual, o dinheiro que ganhamos não é nenhum incentivo.

Falar sobre qual seria o futuro da música é algo nebuloso. Há grandes chances de que, como tudo o mais, seja ao final puramente eletrônico. Creio que a disponibilização gratuita da música em si já temos como dado. Nem chegamos a questionar isso. Mas gostamos de pensar que o nosso futuro estará realmente na performance, que é algo que ninguém pode emular, “roubar” ou substituir. O que acontece entre músicos e público durante uma performance musical é algo único, efêmero e maravilhosamente profundo. E, dando sorte, rola um cachezinho no final, para podermos comprar um feijão, uma “birita” (que também, sem, ninguém segura esse rojão), e gravarmos o próximo disco.

Como vê o papel das leis de incentivo?
Numa sociedade globalizada extremamente materialista, não é difícil que a cultura fique em segundo plano. Quando a lógica do lucro impera na produção cultural, fica claro que elementos importantes serão preteridos em função de outros mais lucrativos.

Sob essa ótica, vê-se sem dificuldade a necessidade de implementação de um sistema de incentivo governamental à produção e à manutenção de bens culturais. Seria como se o governo dissesse: “Nós sabemos que a cultura é importante para a manutenção da saúde da sociedade, portanto ela será assegurada.”

Mas o que ocorre, numa lógica muito subversiva, é que os subsídios à cultura são decididos em grande parte pelos departamentos de marketing das grandes empresas, já que a maior parte das verbas é repassada via modelo de isenção fiscal. As empresas pautam suas escolhas pelo lucro. É uma inversão completa de valores.

Há também uma crescente dependência dos artistas e produtores culturais em relação às leis de incentivo. Fica cada dia mais difícil executarem-se projetos sustentáveis fora desse sistema, o que é algo perigoso. É necessário mudar as diretrizes das leis de incentivo à cultura, fazê-las funcionar corretamente, e também que os profissionais ligados à cultura sejam realmente independentes e sustentáveis.

Compare os discos de vocês. Li que vocês ficaram menos contemplativos e mais dançantes. É isso?
Diriamos que é o contrário! E também o contrário do contrário! Talvez até tenhamos ficado mais abertos à contemplação, aos mergulhos em águas profundas e menos compromissados com as características bailantes da nossa música.

Com certeza, continuamos trazendo o “groove”, aquilo que urge as pessoas a movimentarem seus corpos, e tem muita música dançante no Piacó, mas não nos furtamos a nos entregar à dissolução, às viagens psicodélicas. Uma mudança fundamental é que o novo disco foi gravado ao vivo. Isso traz uma sensação muito diferente à música, ela flui com mais facilidade, mais naturalidade. Talvez por isso as pessoas dancem mais! Que escutem nosso disco, que se emocionem, que dancem, riam, chorem e espalhem essa nossa bela mensagem metafísica pelo mundo!


PIACÓ

Show de lançamento do disco da banda Iconili. Nesta sexta-feira, às 21h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro.) Informações: (31) 3270.8100. Ingressos: 1º lote: R$ 10 e R$ 5 (meia). 2º lote: R$ 20 e R$ 10 (meia). Duração: 90 minutos. Classificação: livre.

OLHOS VERMELHOS


O nome Iconili se inspira numa foto em que todos os integrantes da banda saíram com os olhos avermelhos pelo efeito do flash. Alguémdisse que na foto pareciam coelhos. A partir desse comentário a banda adaptou a grafia italiana de I conigli (os coelhos) para Iconili

Ouça o disco:


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