Jobim no sertão

Chitãozinho e Xororó retiram a música de Jobim do pedestal da MPB e gravam em ritmo sertanejo clássicos do maior compositor da bossa nova, que é sinônimo de sofisticação

por Kiko Ferreira 06/02/2015 00:13

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Junior Lima/Divulgação
Os músicos Chitãozinho e Xororó, que lançam o álbum Tom do sertão (foto: Junior Lima/Divulgação)
A dupla Chitãozinho e Xororó pode ser acusada de tudo. Menos de acomodação. Desde que resolveram eletrificar a música sertaneja, no começo dos anos 1980, vitaminando a sonoridade caipira com guitarra, teclado, baixo e bateria, eles passaram por mais experiências inusitadas do que a maioria de seus colegas de profissão. 


Dividiram palco e estúdio com Roberto Carlos, Andreas Kisser (Sepultura), Zé Ramalho, Fagner, Padre Marcelo Rossi, Fresno, Ivete Sangalo, Bee Gees, Billy Ray Cyrus, Jair Rodrigues, Fafá de Belém, Exaltasamba, o rapper Cabal, Ney Matogrosso e outros tantos.

Para comemorar os 40 anos de carreira, iniciada na década de 1970, gravaram discos com as duplas tradicionais e com expoentes da geração do chamado sertanejo universitário, que devem à sua aproximação com a sonoridade do country americano boa parte de sua hegemonia no cenário brasileiro atual.

 Saindo mais uma vez do lugar comum, gravaram em 2012 o álbum Chitãozinho e Xororó sinfônico, com orquestra regida pelo maestro João Carlos Martins. E agora ampliam seu leque de ousadias. A mais nova empreitada da dupla de irmãos paranaenses é Tom do sertão, 28º álbum de uma carreira que contabiliza mais de 37 milhões de discos vendidos e sucessos como Fio de cabelo, Guadalupe, Fogão de lenha e Evidências.

Mesmo que tenham gravado clássicos da música brasileira como No rancho fundo (Ary Barroso) e Travessia (Milton Nascimento), desta vez correm o maior risco de uma trajetória bensucedida ao reler 14 temas de Antonio Carlos Jobim, ícone da sofisticação da música brasileira e maior compositor da bossa nova, movimento que influenciou o jazz americano e tornou o Brasil uma referência mundial.

Com produção de parceiros habituais, Ney Marques e Cláudio Paladini, mais um conhecedor do repertório jobiniano, Edgar Poças, escolheram as composições que consideraram mais próximas do universo sertanejo, seja pela temática ligada à natureza, seja pelo romantismo que poderia ser adaptado à estética da dupla.

TOP 10 O CD, que está nas lojas e estreou no Top 10 do iTunes Brasil, tem erros e acertos. Apesar de afirmarem ter trabalhado com o songbook oficial de Jobim nas mãos, respeitando melodias, letras e harmonias, o estilo e o timbre vocal, os clichês de alguns arranjos e as características da sonoridade da música sertaneja atual são elementos suficientes para afastar os fãs tradicionais de Jobim e da bossa nova.

Por outro lado, a iniciativa tem o mérito de trazer a um público alheio à linha mestra da MPB um conjunto de obras primas a que ele dificilmente teria acesso. Basta ler um dos primeiros comentários de um fã da dupla nas redes sociais, assim que os primeiros clipes e o vídeo de making of do álbum foram lançados: “Gostei muito da música Águas de março, do Chitãozinho e Xororó. Só não sabia a origem da música”.

Aberto com uma versão de Águas de março que flui, sem novidades, depois do incômodo inicial, o CD tem seus melhores momentos quando a dupla trata as músicas de Tom como se fossem clássicos sertanejos. Estrada branca (em arranjo que lembra Coração sertanejo), Modinha (apesar de uma nota só fora do original), Caminho de pedra, Correnteza, A chuva caiu e, surpreendentemente, Eu sei que vou te amar, que encerra o disco entre violas (clássica caipira), numa solução menos criativa e respeitosa, mas que traduz o espírito do projeto e a sinceridade com que a dupla se entregou à ideia.

Transformada em balada radiofônica, com um pé no brega, Eu não existo sem você perde muito de sua força. E a versão valseada de Caminhos cruzados se salva pelo solo inspirado da guitarra semi-acústica do bossanovista Roberto Menescal . Lançada originalmente por Nora Nei em 1954, a bela Solidão recebeu adaptação intimista de Caetano Veloso em seu primeiro disco de ouro (Luz do solo, de 1986, aquele do hit Sozinho) e foi recriada por Gal Costa para a trilha da novela O dono do mundo cinco anos depois.

Aqui vira música de hora dançante, assim como outro belo tema, Se é por falta de adeus, parceria com Dolores Duran. Vale registro, ainda, o respeito pela condução de marcha-rancho de Se todos fossem iguais a você, apoteótica.

A maior ousadia de Tom do sertão é transformar em country, com direito a banjo e vocais típicos do gênero, o seminal clássico Chega de saudade, numa leitura para deixar qualquer bossanovista de armas na mão. Ou não.

Capa do CD copia Tom e Vinicius

A foto da capa do disco foi baseada numa célebre foto de Tom e Vinicius, quando foram a Brasília, nos anos 1950, a convite de JK, para compor a Sinfonia da alvorada, eles foram visitar um terreno e encontraram um candango ao lado de um riacho. Quando perguntaram: que água é essa?, ouviram como resposta “É água de beber”. Daí surgiu a ideia do clássico Água de beber.

A pesquisa de repertório feita por Edgar Poças incluiu os cinco songbooks de Jobim e mais de trezentas gravações originais, de vários intérpretes. A dupla ia ouvindo e, a partir das listas que cada um fez de vinte músicas preferidas, saiu o repertório final. Há a possibilidade um segundo volume. No DVD deverão ser incluídas mais quatro músicas.

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