Parceira de jovens talentos, Ná Ozzetti busca a renovação da linguagem da MPB

Novo CD da cantora celebrará a aliança com o grupo Passo Torto

por Eduardo Tristão Girão 01/02/2015 10:00

Beto Novaes/EM/D.A Press
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Quando tinha 18 anos, a cantora paulistana Ná Ozzetti, fã do Clube da Esquina, pegou um ônibus e desembarcou em Três Pontas, Sul de Minas, onde Milton Nascimento foi criado. “Rodei uns três dias pela cidade, conversando com as pessoas. Queria pegar aqueles ares, saber que água o Milton bebeu, sentir o que era aquilo”, lembra. A aproximação com os mineiros continuou e ela se tornou amiga dos compositores Kristoff Silva, Makely Ka e Flávio Henrique. Mais recentemente, fez amizade com as oito talentosas (e jovens) cantautoras do coletivo ANA, cujo disco contou com sua participação.

Ná, que iniciou sua carreira em 1979 com o grupo Rumo, diz que ouvir novos artistas é natural, além de fundamental. “Não por acaso, o Rumo tinha proposta inovadora, mexia com a linguagem. Trabalhos ligados à renovação da linguagem e que mantêm a inovação viva me atraem”, diz. Além das moças do ANA, a cantora tem expandido as conexões com gerações seguintes à sua em outros trabalhos, a exemplo do disco que está prestes a gravar com o grupo Passo Torto, que reúne alguns dos mais talentosos músicos da atual cena paulistana: Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Rômulo Fróes.

“O grupo foi convidado para uma residência no Sesc Santo Amaro e me chamou para participar. Em 2012, convidei o Kiko para um show meu e ele abriu as portas para um monte de gente em quem não estava tão ligada, como o Rodrigo Campos e o Metá Metá. Passei a ficar muito atenta a tudo o que eles faziam e me identifiquei demais com esses trabalhos. Desde então, a gente vem tentando armar algo em estúdio. Deu certo agora”, conta ela.

As músicas desse trabalho são recentes, sempre baseadas em parcerias entre os integrantes, incluindo três melodias assinadas por Ná. “A estética é totalmente Passo Torto, entrei no universo deles. Senti-me com eles como se estivesse no Rumo. O momento e as pessoas são outros. Esse novo trabalho, porém, tem a ver não só com o Rumo, mas com Itamar também”, diz, referindo-se ao cantor e compositor Itamar Assumpção (1949-2003). “Olhando só do ponto de vista musical, como se fosse uma estrangeira que não entendesse o português, ele é impressionante. A música chega”, elogia a cantora, que assina a produção com o quarteto.

Nos anos 1990, quando começou a compor com Luiz Tatit (do Rumo) e Itamar Assumpção, Ná foi encorajada por eles a desenvolver seu lado criativo. Situação parecida ocorre agora. “Com o Passo Torto, não estava nem pensando em compor, mas os integrantes me estimularam, porque ali todo mundo compõe. Não escrevo música no dia a dia”, explica. Uma curiosidade: ela já tentou fazer letras, mas nunca passou da primeira frase. “Sempre fica um horror”, diverte-se.

JUVENTUDE

Ná se diz “fã de carteirinha” de nomes mais jovens da cena paulistana como Criolo, Emicida, Tulipa Ruiz e Livia Nestrovski. Sobre essa última, filha de Arthur Nestrovski (compositor e diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), acrescenta: “Ela tem 26 anos e é impressionante, com grande potência musical”. A “veterana” diz ser uma incógnita o que os jovens artistas veem em seu trabalho, mas tem uma pista: “A ponte se faz pelo meu entusiasmo”.

Canções de Wisnik


Já seria a hora de Ná Ozzetti pensar em seu próximo disco solo ('Embalar', de 2013, é o mais recente), mas, além das gravações com o Passo Torto, ela terá de arranjar tempo para divulgar um trabalho já concluído em parceria com Zé Miguel Wisnik, incluindo apenas canções dele, a maioria inédita.

“Wisnik compunha para ele mesmo e não mostrava para ninguém. Disso, fizemos um show juntos, anos atrás, só com essas canções. Meu primeiro disco, de 1988, teve quatro músicas dele e mantivemos desde então amizade profunda”, lembra. A produção ficou a cargo de Márcio Arantes, baixista de Tulipa Ruiz.

Ná gosta de projetos focados no repertório de um único artista (já fez um disco só de Rita Lee e outro só de Carmen Miranda), mas ainda não sabe como será o seu próximo trabalho solo. Provavelmente, contará com o grupo que a acompanha nos últimos anos, formado por Mário Manga (violão, guitarra e violoncelo), Dante Ozzetti (violão), Zé Alexandre Carvalho (baixo) e Sérgio Rezze (bateria). “Estamos desenvolvendo uma linguagem de banda”, justifica.

José de Holanda / Divulgação
(foto: José de Holanda / Divulgação)
PASSO TORTO
Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Rômulo Froes formam o coletivo Passo Torto, grupo surgido à margem do mercado fonográfico brasileiro que se dedica, com esmero, a romper a zona de conforto da MPB. Poesia contemporânea, sonoridade experimental, harmonias sutilmente desconstruídas e novas propostas para o samba marcam a jornada do quarteto paulista. São Paulo é a musa dos rapazes.

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