Jam da Silva lança o disco 'Nord', que evoca tanto o Nordeste do Brasil como a Islândia

O resultado pode ser visto como som psicodélico por uns e eletrônico por outros

por Ana Clara Brant 21/12/2014 15:00

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Tati Azevedo/Divulgação
(foto: Tati Azevedo/Divulgação)
Nord é um lugar imaginário. Um nordeste nórdico ou seco, gelado, sombrio, ensolarado, agreste, ácido, caudaloso. Com o sertão nordestino, o cantor e compositor pernambucano Jam da Silva teve contato; a outra região, a Islândia, mexeu muito com o seu imaginário. Tudo isso o inspirou a batizar seu segundo trabalho, 'Nord', bastante elogiado pela crítica. “Os contrastes e essa aproximação geográfica entre dois ambientes diferentes e, por isso mesmo, complementares me chamou numa aventura leve e de deliciosas descobertas. Quando me vi, estava sozinho no meio de tudo. Nesses lugares, pude experimentar um silêncio acústico que me encantou, um discreto mistério, e microssons da natureza. As paisagens mudam a todo momento, as luzes dançam no céu esverdeadas e o disco é o reflexo do que vivenciei, como se fosse essa dança, cheia de movimentos, como a aurora boreal”, explica.

Divulgação
(foto: Divulgação)
Com 10 faixas, sendo que em todas há a assinatura de Jam, o CD é, segundo seu criador, uma busca pelo som e uma percepção do que seria o Nordeste hoje. “Começa e termina no ar e em suspensão, trazendo um encontro do chão com o ar, que no final, para mim, é água. No chão, encontramos os ritmos, no ar, as melodias e os instrumentos sinfônicos como trompas, trombones, que mais parecem água, misturam-se aos vocais suaves, agridoces. Não gosto de definir nem impor a minha ‘indústria’, e sim de sugerir, distribuir e ver o que chega como resposta das pessoas. Se elas acham psicodélico, tudo bem; se acham eletrônico, tudo bem também. O que importa é que sintam algo”, declara.

Diálogos
O primeiro álbum de Jam, 'Dia santo', foi produzido em parceria com Chico Neves. Em 'Nord', a produção foi solitária e ele teve que se deslocar a todo momento e para vários lugares. Chegou até a gravar duas vozes no estúdio de Chico em BH, além de ter ido para a Islândia, a França e os Estados Unidos (Los Angeles) e, no Brasil, para o Recife, Rio e São Paulo. “O tempo foi superamigo e necessário para ir em busca dos sons e das pessoas com quem queria dialogar nesse trabalho. Com Nord, veio também o meu selo, o Jamueiro Records. Na música, existe uma coisa com que você tem de lidar, que é a espera. Há espera para tudo, e nesse disco tive de esperar a agenda de todos com quem queria trabalhar”, ressalta.

Do Recife para o mundo

Jam da Silva nasceu no Recife e não nega suas raízes e influências da cidade natal. Pelo fato de a capital pernambucana ser portuária, a cidade tem ligação direta com o mundo desde sempre, além de ter olhar diferente, por estar distante geograficamente. “Por não esperar respostas de lugar algum ou ainda por não ter ‘mercado’, os artistas criam com a única motivação da criação e do fazer, sem pensar em alguma destinação. São, portanto, livres no ato da criação”, filosofa.

Apesar dessas referências regionais, incluindo o maracatu, o coco de roda e outros movimentos populares coletivos, o cantor e compositor é um músico do mundo. Pelo fato de viajar desde os 17 anos, fisicamente ou virtualmente, como um “andarilho sonoro”, tudo isso se reflete em seu trabalho. “Gosto de conexões, de fazer música com pessoas que são diferentes do meu universo, e que irão me proporcionar um acabamento com algo desconhecido por mim. Acredito que assim pode surgir não algo novo, mas algum frescor na minha música”, afirma. 



CRÍTICA
Mosaico  consistente
(Kiko Frreira)

Jam da Silva acertou de novo. 'Nord', segundo disco do percussionista, compositor, produtor, cantor e músico multitarefas, apresenta evolução desde a estreia, em 2009, com o ótimo 'Dia santo'. Se no primeiro ele fez um paciente trabalho de colagens de timbres, loops e elementos acústicos, elétricos e eletrônicos, com a preciosa habilidade do produtor Liminha, agora ele assume sozinho a condução do processo e prefere construir a versão final a partir de instrumentos gravados ao vivo, no estúdio, (re)trabalhados no final com fino senso de equilíbrio.

Mixado por Leo D, da cena eletrônica, e masterizado nos Estados Unidos por Adam Walek, ligado ao hip-hop, o CD é ao mesmo tempo intenso e suave, yin e yang, eletrônico e acústico, quente e frio. E não é por acaso. O 'Nord' do título vem do Nordeste, onde nasceu, cresceu e desenvolveu seu som, com o nórdico europeu, da Islândia, onde gravou sopros, arregimentou parceiros (como o tecladista Samúel Jón Samúleson, que trabalhou com o inclassificável grupo Sugar Rós). E, para ampliar os conciliáveis contrastes da mistura, alia o baiano Lucas Santana, a paulista Luisa Maita, a americana Lisa Papineau (dos vocais do megahit 'Walkie talkie', da dupla francesa Air), o carioca Lui Coimbra e outros amigos novos e antigos que o ajudaram a criar a ponte entre as duas regiões de sertões, como ele diz, “diferentes e ao mesmo tempo complementares”.

Nascido em Teijipió, interior de Pernambuco, Jamilson Monteiro da Silva era um feliz baterista da Orquestra Santa Massa, do DJ Dolores, quando foi convidado por Marcelo Yukaa para integrar o F.U.R.T.O.. Foi para o Rio, tocou com Marisa Monte, Lucas Santtana, Jumio Barreto, Luisa Maita e Marcelo Lobato, ampliou sua caixa de ferramentas instrumentais e foi construindo carreira respeitável, que inclui trilhas sonoras para filmes de Cláudio Assis e Eliane Caffé, música para dança, parceria com os franceses do Moussu Tet Les Jovents e andanças pelo mundo que desaguaram numa obra solo das mais instigantes do cenário brasileiro atual.

No intervalo de cinco anos entre os discos, chegou a uma síntese ao mesmo tempo dançante e contemplativa, climática e concreta, descritiva e viajante. Adjetivos que vão surgindo à medida em que se ouvem na sequência as 10 faixas que compõem um conjunto bem articulado, que vale a pena ser ouvido da forma como foi cuidadosamente desenhado. A partir da banda base, formada por Juliano Holanda (guitarra, baixo, violão e microkorg), Gabriel Melo (guitarra) e Junior Areia (baixista do Mundo Livre), Jam viaja à vontade e com vontade. E realiza um patchwork sonoro com ares contemporâneos, mas sem fragmentação desnecessária. Aqui, tudo parece criar e fazer sentido.

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