Afinadores de piano em BH repassam ofício através das gerações

Guido Franco e Osvaldo Vianna acumulam trabalhos com estrelas como Paul McCartney e Elton John

por Mariana Peixoto 27/11/2014 09:18

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JAIR AMARAL/EM/D.APRESS
Guido Franco já trabalhou para Paul McCartney e considera Axl Rose meio mal-educado (foto: JAIR AMARAL/EM/D.APRESS )
Tempo, paciência e dedicação. Sem essas três qualidades, Guido Franco e Osvaldo Vianna não teriam seguido a carreira que abraçaram. Os dois são os mais conhecidos técnicos de piano de Belo Horizonte. Profissão para poucos, que se mantém basicamente a mesma ao longo dos séculos, inclui tanto a afinação quanto o conserto e o restauro do instrumento. Guido, de 72 anos, é o mais antigo: está há 46 em atividade. Mas Osvaldo, de 52, não demora a alcançá-lo. Faz parte da quinta geração de uma família de especialistas e começou a aprender o ofício na adolescência.


Os dois trabalharam com praticamente todos os grandes artistas que se apresentaram na cidade. Da música clássica, afinaram os pianos de Arnaldo Cohen e Nelson Freire, por exemplo. Da música pop, Guido trabalhou nos shows de Paul McCartney e Elton John. A empresa de Osvaldo esteve à frente do festival Mimo, este ano, enquanto Guido é o atual afinador da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Ele trabalha também nos festivais I love jazz e Tudo é jazz. Sem falar dos clientes particulares, cuja demanda é diferente daquela de teatros e casas de show.

“Afinadores com qualificação adequada são poucos, mas o número atende perfeitamente ao mercado, pois você não afina um piano com frequência, mas uma ou duas vezes por ano”, comenta Osvaldo.

No caso de teatros e salas de concertos, a afinação é realizada a cada apresentação. Anteontem, o dia de Guido começou bem cedo. Às 7h, ele estava no palco do Palácio das Artes para afinar o Steinway & Sons que seria utilizado no concerto que a Filarmônica faria à noite. A Fundação Clóvis Salgado tem dois pianos de cauda da melhor marca do mundo, com fábrica em Hamburgo, na Alemanha. Ele encerrou o trabalho às 9h, quando a orquestra começou a ensaiar. Na noite de terça-feira, houve um pianista convidado, o solista Cristian Budu. Como ele ensaiaria sozinho do meio-dia às 16h, Guido teria que retornar mais tarde ao Palácio das Artes para nova verificação. E ainda checaria o cravo e um segundo piano. No próximo concerto da orquestra, em 9 de dezembro, ele vai repetir o ritual.

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Osvaldo Vianna e o filho, Leandro, seguem a tradição de antepassados, iniciada em Ouro Preto (foto: JAIR AMARAL/EM/D.APRESS)
Ainda que passem a vida em meio às teclas, Guido e Osvaldo não tocam piano. No máximo, uma coisinha ou outra, mas a dupla não se interessa em se tornar instrumentista. No caso de Osvaldo, a profissão é quase herança genética. Seu triavô, Trajano de Araújo Vianna, foi violoncelista e maestro. Morador de Ouro Preto, teria participado do primeiro concerto que ocorreu ainda no antigo Curral del-Rei, futura BH. Como na época não havia profissional na região, o próprio Trajano começou a afinar pianos. De seus 16 filhos, o bisavô de Osvaldo, Eugênio, seguiu a carreira. Inclusive, fundou a primeira reformadora do instrumento da nova capital mineira, na Avenida Paraná.

Além de afinar, todos os integrantes da família Vianna tocavam algum instrumento, principalmente piano. O avô de Osvaldo, Pedro, ensinou-lhe o ofício a partir dos 13 anos (o pai de Osvaldo fugiu à tradição e não se interessou por música). Aos 18, criou a Vianna Oficina de Piano, que hoje, além de afinar e restaurar, vende e aluga instrumentos. Só para locação ele tem seis instrumentos de cauda. Tamanha expertise tinha que ser transmitida à próxima geração. E é aí que entra Leandro, filho mais velho de Osvaldo, que segue a carreira dos antepassados.

Como os tempos são outros, Leandro, de 29, aprimorou o que aprendeu com o pai no curso técnico realizado durante quase um ano na University of Western Ontario, no Canadá. “A maior parte dos técnicos no Brasil tem de 45 anos pra cima. Os mais novos, sem aprendizado formal, acabam sendo mais curiosos, o que por vezes pode ser desastroso. No meu curso, só quatro dos 14 alunos tinham a minha idade, todos os outros são mais velhos”, comenta Leandro, que atualmente divide com o pai todas as funções na empresa.

FILÓSOFO O filho único de Guido Franco não se interessou pela profissão do pai. Preferiu se tornar professor de filosofia. Apesar disso, o veterano está passando seu conhecimento pra a frente. Há quatro anos, ele ensina André Queiroz, que se tornou seu sócio numa oficina de conserto e restauração. “Para afinar um piano você tem que educar o ouvido. Hoje, existem aparelhos que acusam quais notas devem ser afinadas, mas o ajuste final será no ouvido”, explica.

Para Guido, isso não é o mais complicado. Difícil, mesmo, é reformar pianos. “Em Belo Horizonte há instrumentos de mais de 100 anos. Reformá-los é muito cansativo. Cada tecla tem 120 peças”, exemplifica ele. Haja paciência. “Os jovens são muito imediatistas. Não podem achar que aprendem hoje e amanhã já estão trabalhando. Tenho uma vida nisso, então acho que sou mais conhecido do que competente”, arremata Guido, com a modéstia daqueles que não têm de provar nada a ninguém.

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