Sucesso na cena independente, rapper Projota luta por seu lugar ao sol no mainstream

Músico paulistano estreia no mundo das grandes gravadoras com 'Foco, força e fé'

por Ângela Faria 23/11/2014 10:00

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Rafael Kent/divulgação
Projota avisa: cada um faz rap do seu jeito (foto: Rafael Kent/divulgação)

Letras românticas, jeito de bom moço e refrões-chicletes, mas sem perder o link com a essência do canto falado, porta-voz das periferias. Essa é a aposta de 'Foco, força e fé', disco que marca a estreia do rapper Projota no mundo das grandes gravadoras. Ao investir no artista paulistano, a Universal está de olho na trajetória construída há oito anos na cena do hip-hop. Depois de lançar três mixtapes e dois EPs, José Tiago Sabino Pereira, de 28 anos, rimador desde os 13, vendeu 25 mil cópias do DVD independente Realizando sonhos e 50 mil unidades de produções no esquema “feito em casa”. Compôs cerca de 100 canções. Seu perfil no Facebook já bateu 6 milhões de likes.

Projota quer o topo do mainstream. E não tem o menor problema de assumir isso, ao contrário de boa parte de seus manos, críticos ao canto de sereia do showbusiness. A meta é fazer seu hip-hop chegar onde Ivete Sangalo está. Ele gosta de cantar em novela e vai a programas de TV – de Rafinha Bastos a Fátima Bernardes. Seus cachorrinhos fofos fazem sucesso na revista Capricho, que traz letras dele aconselhando a garotada a estudar, fazer vestibular e a não “ficar” com gente errada.

O rap de Projota flerta abertamente com o pop. À frente de seu palco não se vê apenas aquela multidão de rapazes de capuz, jeitão meio enfezado e braços para o alto, mas coraçõezinhos formados pelas mãos das meninas. Aliás, esse MC sorridente mira nas garotas. Gravou a romântica Cobertor no DVD de Anitta (com direito a clipe meio caliente) e revela: elas chegam a ser maioria em sua plateia. “É pelo menos meio a meio”, diz.

RAIZ

Antes que se acuse o rapaz de trair o legado dos politizados Mano Brown, Sabotage e MV Bill, porta-vozes das favelas e da periferia, é bom esclarecer: Projota bebeu na fonte do chamado “rap de raiz”, que denuncia o racismo, a violência e o apartheid social. Muito jovem, já se destacava nas batalhas de rimas paulistanas que projetaram Criolo. Há alguns anos, formou com Emicida e Rashid o Na Humilde Crew, coletivo que não mediu esforços para viabilizar o hip-hop como profissão. Apontado como a renovação do rap brasileiro, o trio apresentou o show Os três temores, há dois anos.

Suas letras também são crônicas das mazelas das quebradas – mães às voltas com filhos no crime, manos na cadeia, o pai de família que perde a vida, a conta de luz pra pagar. Mas seu jeito, que soa até meio ingênuo, é outro: nem tão afiado quanto Emicida, nem poeticamente sagaz como Criolo e nem contundente como Brown.

Projota joga em todas – e de caso pensado. Ele conta que o repertório do disco lançado pela Universal traz, deliberadamente, de tudo um pouco: faixas românticas, storytellings (com letras autobiográficas e crônicas da periferia) e batidas dançantes, de olho na festa. Algumas ganharam sonoridade mais pesada, como 'Foco, força e fé', enquanto várias soam bem “FM”, como a música de trabalho Enquanto você dormia, um rap-balada. O clipe mostra um casal fofinho – Projota é o galã.

Elas gostam assim, com berimbau e Marcelo D2, fala de damas que adoram um vagabundo para horror do papai rico. 'Confessional, Carta aos meus' relata desafios da garotada da periferia (“os irmãos tão se matando por dólar/ por fome/ por bola/ por mulher/ por pedra”), com direito a riff de 'Tempo perdido'. O clássico da Legião Urbana, aliás, chega burilado pelo próprio guitarrista Dado Villa-Lobos. O “somos tão jovens” combina bem com a levada.

A bela voz de Negra Li reforça o refrão de 'O homem que não tinha nada', sobre o drama de um pai de família assassinado depois de um dia de labuta. Projota conta ter chorado a valer ao ouvir essa faixa pronta.

Warner / Reprodução
Anitta e Projota no clipe da canção 'Cobertor' (foto: Warner / Reprodução)

Hip-hop teen


Atento ao universo adolescente, Projota não canta apenas para as meninas. 'Hey irmão', dedicada aos velhos amigos do Bairro Lauzane, na Zona Norte paulistana, onde o músico foi criado, é autobiográfica. Fala de “seis ou sete pivetes que sonhavam poder sonhar com 17”, em meio a rolimãs, fliperamas e ao tempo que não volta mais.

'A rezadeira', regravada no novo CD, descreve a sina de um garoto das “rabeiras no busão” à primeira detenção e ao tiroteio. A música foi feita para um amigo metido na “vida loka”. Emocionado, o rapaz implorou por um final menos trágico e, assim, o personagem acabou ressuscitado.

Outra faixa do novo disco, 'Um dia a mais', também tem endereço certo: “Pipas mandadas caindo do céu/ Me lembra os otários caindo ao léu/ Tá bonito o relógio, cabelo com gel/ Agora mostra sua alma... Cruel!”

Projota se diz consciente da responsabilidade de lidar com adolescentes. “É como os super-heróis dos quadrinhos: a gente tem um grande poder”, compara. Afirma que artistas participam da formação da personalidade de um garoto, “principalmente aos 16, 17 anos, quando o bicho pega, e o mano está definindo quem vai ser, que tribo vai procurar”.

Selfmade rapper

Tudo começou no quarto de casa. Filho de família humilde, o adolescente Projota gravava seus raps com um microfone de R$ 200 em um computador pobrinho, fabricava ali mesmo os CDs. Depois dos shows, descia do palco para vender a produção doméstica. “Muitas vezes, oferecia lá de cima do palco mesmo, por R$ 5”, relembra. Enquanto o mercado fonográfico tradicional se estrumbicava, o rapper e sua turma bombaram na internet.

Projota diz que a marca do hip-hop de sua geração é a mente aberta a tudo: sonoridades, temas e, sobretudo, ao diálogo com o mundo. “A gente aprendeu a ouvir o que os outros têm a dizer”, comenta. Para ele, seu trabalho não está na contramão do Racionais MCs ou de Sabotage, porta-vozes das mazelas sociais. Inclusive, lembra que tem dividido palcos com Brown pelo país.

Outra característica dessa geração é a profissionalização. Se Projota está na gravadora Universal, “esse era o plano”, afirma, orgulhoso de “ser ótimo estrategista”. Conta que sempre trabalhou muito, mesmo sem salário ou cachê. “Percebemos cedo que dependia da gente correr atrás, fazer dar certo”, explica.

Reprodução / Internet
Projota, Emicida e Rashid, criadores do coletivo Na Humilde Crew (foto: Reprodução / Internet)

NA HUMILDE


Hoje em dia, Emicida, o companheiro de Projota no coletivo Na Humilde Crew, não se limita a ser músico premiado, com agenda internacional. Ao lado do irmão ele toca a própria produtora, que organiza shows, produz festivais, grava clipes de qualidade e até lançou grife de roupas.

Em 2012, depois de ganhar o Prêmio VMB/MTV (categoria revelação), Projota decidiu mudar. Deixou de gravar os próprios discos, marcar os próprios shows e organizar as próprias turnês. Terceirizou a gestão da carreira, aceitou o convite da Universal e deixou de ser, digamos, um artista da cena independente.

O rapper diz não temer ingerências da Universal para enquadrá-lo ao mercado. “Cheguei onde quero”, garante. Ao rebater críticas de ter diluído o hip-hop para se encaixar na cena comercial, afirma que gosta de rock e lembra que o amor sempre inspirou seus versos. “Os conservadores dizem que não é rap. Mas é. Você não precisa catalogar, cada um faz do seu jeito”, reage.

ORGÂNICO

Projota defende a sonoridade “mais orgânica” da música feita por ele, Criolo e Emicida, por exemplo. Explica que todos têm convocado bateristas para acrescentar novas levadas ao som, trabalham com bandas em vez de se limitar ao esquema DJ-picape. Foco, força e fé tem quarteto de cordas, guitarra e até maestro.

Fã de Racionais, MV Bill, Pink Floyd, Kurt Cobain, Belchior, Elis e Caetano Veloso, o jovem estrategista do hip-hop nacional avisa, já na primeira faixa de seu novo disco: “A vida me encarou, tirou o véu/ Tirei a vida pra dançar, fiz meu papel/ Todos são comerciantes debaixo do céu/ Pois vendem os seus sonhos pra pagar o aluguel.”

DO LAUZANE
PRO MUNDÃO

José Tiago Sabino Pereira, o Projota, nasceu em 11 de abril de 1986, em São Paulo. Criado no bairro de Lauzane Paulista, na Zona Norte da capital, perdeu a mãe ainda criança. Criado pela avó, estudou em escolas públicas e chegou a cursar educação física, mas trocou a universidade pela música. Entre os EPs e mixtapes que lançou estão Carta aos meus, Projeção, Projeção pra elas (voltado para temas femininos) e Muita luz, além do DVD independente Realizando sonhos. Ele decidiu ser rapper aos 16 anos ao assistir ao videoclipe de Só Deus pode me julgar, do carioca MV Bill.

Assista ao clipe de 'Enquanto você dormia', de Projota:

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