Vanessa da Mata fala sobre preconceito, projetos e política

Em entrevista, cantora afirma que já sofreu preconceito, mas não se importou."Isso não quer dizer muita coisa para mim. Quer dizer uma fraqueza do outro", diz

por Diário de Pernambuco 18/10/2014 10:33

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Marcos Hermes/Divulgação
(foto: Marcos Hermes/Divulgação)
“Já sofri preconceito racial muitas vezes, mas nunca me abalou. Preconceito racial, muitas vezes por estar namorando uma pessoa mais clara. Preconceito com o cabelo, por ser compositora. Sinceramente, nunca me abalei. Isso não quer dizer muita coisa para mim. Quer dizer uma fraqueza do outro”, pontua Vanessa da Mata, cantora, mãe de três filhos e nascida em Alto Garças, interior do Mato Grosso do Sul. Em entrevista, a compositora fala sobre esse e outros assuntos, como política e carreira. Confira abaixo:

O que 'Segue o som' representa na sua discografia?
O disco é muito orgânico e tem a ver comigo agora. Por mais que não queira falar da vida pessoal, uso a minha história. Ritmicamente, tem plugins e artifícios, timbres diferentes, uma guitarra que se usava muito na década de 1970 e não se usa mais. Cada música tem uma personalidade própria. 'Homem preto' parece um pop mundial e ao mesmo tempo é uma história de amor dos meus avós. 'Toda a humanidade veio de uma mulher', fala sobre a contemporaneidade, a dicotomia que se deu nos casais, homem e mulher ou tanto faz. Hoje em dia, os gays talvez tenham menos crise que o hétero. Está cada vez mais difícil o homem sair do papel de provedor e entender que a mulher também canta, pode exercer uma sedução. Isso é muito difícil para o poder operacional do pênis. 'Rebola nega' é uma coisa de estar incomodada com um Brasil tão desigual, cruel, ruído, me incomodam muito certas situações, a miséria, a violência por causa da miséria, o extremismo por causa da miséria e do desespero, o preconceito. Em todos os sentidos, não só racial, com gays, com a mulher.

Você já sofreu preconceito?

Sempre tive. Eu vim de um estado machista. O Centro-Oeste é muito machista. Sempre fui desbravadora. Meu pai era extremamente machista e dobrei ele em todos os sentidos. Tive que lutar muito para fazer a minha história acontecer. Pela cultura da minha época, do meu estado, da minha cidade - maravilhosa, mas pequena -, estaria morando no interior, sem profissão. Para mim seria terrível, porque tenho uma necessidade de desbravar situações de mundo, assuntos, conhecimentos, sair por aí arrumando a vida. Sou de certa forma uma mulher que faz uma revolução por onde passa.

Você se considera feminista?
Não. Eu sou pós-feminista. Eu já tenho os meus direitos. Eu não tenho esse discurso. Minha avó já era uma mulher que alimentava uma família inteira. Eles estavam juntos e meu avô sumia sumia. Ela era o alicerce da casa, a mulher que fazia tudo. Eu cresci dessa mulher extremamente forte. Sou uma herdeira disso.

E preconceito racial, já sofreu?
Já. Muitas vezes. Mas nunca me abalou. Preconceito racial, muitas vezes de estar namorado uma pessoa mais clara. Preconceito com o cabelo, por ser compositora. As pessoas não acreditavam muito. Sinceramente, nunca me abalei. Isso não quer dizer muita coisa para mim. Quer dizer uma fraqueza do outro. Eu não levo isso para lugar nenhum.

Durante os debates eleitorais, veio à tona a discussão sobre o preconceito contra os LGBT, especialmente após declarações do candidato Levy Fidelix. O que sente diante dessas discussões?
Sinceramente, eu acho que uma pessoa tão mal desenvolvida como ser humano não deveria nem concorrer. Devia ser proibido. A gente está falando da presidência de um país. Sou super religiosa, espiritualizada acima de qualquer coisa. Mas você está governando para todo mundo, não para um grupo. Incitar a violência é perigosíssimo. Quantas pessoas não vão sofrer muito depois de uma declaração dessa, ainda mais de um cara que fala de Deus. Mas eu acredito que a Marina é muito inteligente para entrar numa conversa dessa. Mas Feliciano entrou na Dilma. E a cura gay aconteceu na época dela. O fanatismo está onde o povo está desassistido. Tem que ter educação para todo mundo, ou vai ter violência contra gay, mulher, preto. Todo mundo precisa ter igual acesso à educação. Não vejo isso como prioridade em nenhum governo. Estou bem desanimada.

Você votou em quem? Em quem vai votar?
Eu estava em trânsito. Sinceramente, está difícil. Não respeito nenhum político que não tenha como prioridade educação para todos. O paliativo é bacana, tem que ter porque as pessoas não podem passar fome. Mas não dê o peixe, dê o meio de pescar. Não sou contra cesta. Dê uma mesada, mas a mesada precisa parar quando o ser humano fica adulto. Paternalismo é muito ruim. Não dê esmola, como diz a música de Luiz Gonzaga (em referência ao trecho “Mas doutô uma esmola a um homem qui é são/ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”, de 'Vozes da seca').

'A filha das flores' explicita sua relação com o Brasil rural. Acha que essas regiões são esquecidas pelo poder público?

Com certeza. Ainda mais quando elas não têm interesse político. É muito difícil chegar. Elas ficam esquecidas. Eu acho que também não é só isso. Eu ficava imaginando se seria mais difícil ter vindo do interior ou dos bairros mais afastados, da periferia. A periferia se relaciona com os lugares, mas ela não participa. Sair do padrão da pobreza é muito difícil. E o padrão é uma prisão. Você tem que romper com muitas coisas. Penso que talvez tenha sido muito bom ficar na fartura do interior, mas não conhecia as pessoas da cidade grande. Eu não era filha de nenhum músico, ainda mais compor. Tudo foi meio sozinha, por investigação própria. Investigar o que um baixo fazia, aonde a voz ia. Tudo em uma solidão, e ter uma inocência, de certa forma, de acreditar que um dia poderia chegar aonde estou. O isolamento social é muito ruim.

Segue o som surgiu entre a turnê 'Viva Tom' e o lançamento do livro 'A filha das flores'. Como foi para a sua carreira esse momento tão múltiplo?
O meu primeiro disco durou um ano e meio de estúdio. Esse eu fiz, parei e depois voltei. Ele deve ter demorado uns quatro ou cinco meses. O tempo confunde e faz com a pessoa fique refazendo e não solte o disco. É como se ele quisesse o trabalho só para ele. Para mim, foi o contrário, porque eu voltei, tirei algumas músicas que achei que não estavam tão fortes e coloquei outras que fizeram a completude do disco aparecer. A música te escraviza de uma maneira absoluta. Não gosto tanto de estúdio. Fico até quando a música tomou o corpo que eu quero. E aí eu me afasto um pouco. Esse tempo foi imprescindível para ele ser bom.

Como foi para conciliar tudo isso? Como é o seu processo de composição? Onde gosta de criar?

Eu não tenho muito uma ordem e até gosto que não tenha aprisionamento. Quanto mais regra, mais a música precisa de rituais ou situações para vir. Eu dependo que ela venha, não que venha em tal lugar. Eu me faço disponível. Se estou em um lugar que está um lugar com música muito alta, vou para um canto e gravo no gravador do celular. Não fico dependendo. Na praia, no avião, passando o som, maquiagem vem uma ideia. Organizo e gravo isso.

Geralmente vem primeiro a letra ou a melodia?
Às vezes vem letra, melodia, os dois. 'Homem preto' foi melodia. 'Por onde ando' foi letra, 'Homem invisível' veio letra e música, depois dei uma mexida. 'Toda humanidade' veio com letra e música ao mesmo tempo.

A maioria das músicas de 'Segue o som' é sua. Por que essa decisão?
Sempre tive essa vontade. Aí fiz Tom Jobim. Não poderia ser um disco melhor, porque é de altíssimo nivel. A música dele é sofisticada e simples. Não e blasé. Fala para todos os públicos. Não tenta ser intelectual, mas é. Não fica filosofando. Gosta de linguagem simples. Ele tinha papos maravilhosos com os matutos. Ao mesmo tempo, era chique.

Apesar de estar imersa no universo da bossa nova durante o processo de produção, 'Segue o som' saiu bem pop, com efeitos modernos. Fala um pouco sobre isso.

Eu vim de um disco do Tom Jobim que a gente queria modernidade, mas não bossa eletrônica, que já era datado. Quando fiz o novo, já queria algo pós-moderno para o que a gente estava fazendo na minha carreira solo. Outros timbres, coisas que ninguém estava usando. Homem preto é uma ideia disso muito clara. Por onde ando também. Cor da humanidade veio de um reggae com referências de The Police e ao mesmo tempo, moderna, de reggae.

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