Barulhista faz da trilha sonora um elemento essencial para a dramaturgia

Músico mais requisitado por diretores de teatro em Minas Gerais afirma que experimentar é a praia dele

por Carolina Braga 23/09/2014 07:00

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GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS
Barulhista transformou o escritório da casa de sua família em laboratório de sons (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Davidson Soares, conhece? “Nem a minha mãe me chama mais assim”, brinca Barulhista. Desde que resolveu adotar o apelido como nome artístico, as coisas se misturaram de tal maneira que nem sequer o músico se reconhece nas palavras escritas em sua carteira de identidade. Davidson pode até ser anônimo, mas Barulhista se tornou “o” cara quando o assunto é trilha sonora para teatro em BH.

Só este ano, o mineiro assinou a dramaturgia musical das montagens 'À tardinha no Ocidente' e 'Isso é para a dor', da Primeira Campainha; '#140ouvão', da Cia. Afeta; 'Talvez eu me despeça', solo de Beatriz França com direção de Ludmilla Ramalho; e 'Anã Marrom', de João Marcos Emediato e Ethel Braga. Ainda em fase de produção está a trilha de 'Heróis: Uma pausa para David', com direção de Paulo Azevedo e atuação de Samira Ávila. “Agora, nem falo mais para o pessoal que sou da música. Sou do teatro mesmo”, assume.

Os trabalhos dele se caracterizam pela sutileza da conexão da música com os outros elementos teatrais. A trilha não se sobrepõe ao texto ou funciona como “legenda”. Ela agrega informações. Assim, passa a ser necessária, bem longe de soar alegórica. Em cada montagem, Barulhista busca entender nuances da trama e enriquecê-las com o som criativo que produz.

Mudança A migração da área musical para as artes cênicas é recente. Até 2010, Barulhista, de 33 anos, sustentava-se como baterista – muitas vezes, era o “dono” da mesa de objetos com os quais enriquecia a percussão e a sonoplastia de shows. Para isso, recorria a pratos, panelas e até tanque de gasolina vazio. A eletrônica e a infinita possibilidade de misturas que ela proporciona já o interessavam. Certo dia, durante uma passagem de som, o técnico chamou o baterista e soltou: “Agora vem esse barulhista aí”.

O termo não passou batido. Davidson descobriu que a palavra era usada na década de 1940 para xingar os músicos menos habilidosos. “Havia os caras que tocavam bem, quem não tocava era o barulhista. Como uso coisas do cotidiano como um pedaço de carro amassado, faço o defeito virar algo harmonioso. Aí defini: agora vou ser Barulhista”, conta.

Isso ocorreu em meados dos anos 2000, época em que o próprio artista considerava apenas curioso o som pelo qual se interessava. Quando ele fez uma oficina com o grupo experimental O Grivo, não teve dúvida: se aqueles caras rodam o mundo batendo panelas, por que não ele e seus barulhos? A partir daí, surgiram convites de várias bandas e para atividades paralelas.

Barulhista faz música experimental e trilhas sonoras. Além disso, integra a banda Constantina; trabalha com o Meira, projeto de forró eletrônico cujo nome é homenagem ao ator Tarcísio Meira; e se dedica a brincadeiras como a dupla Guimarães e Fúcsia, recém-criada em parceria com a atriz Marina Arthuzzi. Funciona assim: se o projeto não for leve e divertido, não conte com ele.

“Meu maior interesse é o audiovisual – a origem da palavra mesmo. É você ter o áudio, o visual e juntar essas coisas. A música, sozinha, também faz sentido para mim, mas, quando você coloca a visão no meio, sugestiona. É preciso dar função sonora para o que o cara está vendo”, explica. A primeira trilha de Barulhista foi criada para o grupo Perna de Palco, de Ipatinga, a convite de Luiz Rocha, integrante da banda Todos os Caetanos do Mundo. Ele considera '180 dias de inverno', da Cia. Afeta, o seu primeiro trabalho profissional no ramo.

Para o diretor Nando Motta, a parceria com Barulhista é pautada pela facilidade de diálogo e a criatividade latente. “Às vezes, estou no começo de um processo de ensaio e ele vem e diz: ‘Escuta isto, Nando’. Pronto, surge ali o final do espetáculo”, conta. “Conheci o trabalho dele com a Primeira Campainha e gostei muito da forma como tratava a trilha como dramaturgia sonora. O desafio é entender o tratamento sonoro como uma camada fundamental, algo que se desenvolve ao longo dos ensaios com a descoberta da cena”, explica Paulo Azevedo, diretor de 'Heróis: Uma pausa para David'. “Às vezes, é um trabalho um pouco invisível, mas que ajuda a ordenar e propulsionar a experiência não só do público, mas dos atores em cena. É nessa sutileza que ele mostra a sua força”, diz João Marcelo Emediato, ator de 'Anã Marrom'.

Ele só pensa em música

Barulhista reconhece: às vezes, exagera. Para '180 dias de inverno', por exemplo, criou 80 faixas até chegar às nove finais. Como se trata de experimentação, chegou a levar toda a parafernália para o ensaio e foi elaborando a trilha em parceria com os atores e o diretor Nando Motta. “Trilha não é para o espectador, mas para o ator, pois motiva os impulsos cênicos. O diretor e os atores falavam se deu certo ou não. Se estava bom, guardava. Foi uma criação ultracoletiva”, lembra.

A atriz Mariana Blanco, da Primeira Campainha, operava a luz em '180 dias de inverno' e dali já surgiu o convite para a trilha de 'Isso é para dor', em parceria com Ricardo Koctus. É assim que Barulhista gosta de trabalhar. Ele passa o dia inteiro fazendo música. O andar superior da casa da família, em Contagem, foi reservado para ele.

Se der errado, faz parte. Barulhista repete duas, três e quantas vezes for preciso, sem reclamar. “Adoro quando dá errado, porque aí sei qual é o caminho certo”, diz. “Não fico chateado se o pessoal não gostou. A música não vai morrer, vai para outro lugar. O gostoso da trilha é você ir colocando as pecinhas para todo mundo ficar feliz. Tenho meus timbres preferidos, mas eles devem funcionar para o público, pois ele é o meu consumidor final.”

Basicamente, Barulhista trabalha com um computador, um pequeno teclado, bateria e o gravador, transformado em fiel escudeiro. Dali saem as misturas inéditas. Aliás, é essa a fissura dos adeptos ao sampler e das possibilidades eletrônicas. “Sou um bom ladrão, pois todas as minhas trilhas estão disponíveis para download”, diz. Como a criação é constante, o que sobra vai para o site dele ou para a página que mantém no Soundcloud, rede social especializada na divulgação e troca de música.

Conheça os bastidores da criação de Barulhista:




NO TEATRO

2014
'À tardinha no Ocidente' (Primeira Campainha)
'Irmãs Morim' (Rogério Araújo, Cris Moreira e Naiara Jardim)
'Talvez eu me despeça' (Beatriz França)
'#140ouvão' (Cia. Afeta)
'Anã Marrom' (J. M. Emediato e Ethel Braga)
'Isso é para dor' (Primeira Campainha)

2013
'Metamorfose' (Grupo Girino)

2011
'180 dias de inverno' (Cia. Afeta)

2007

'Passarim' (Grupo Perna de Palco)

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