Aos 73 anos, David Crosby volta à cena fonográfica com o álbum 'Croz'

Personagem de destaque da contracultura hippie dos anos 1970 ainda mostra disposição

por Arthur G. Couto Duarte 17/08/2014 10:39

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Ele completou, dia 14, bem vividos 73 anos e está de volta à cena fonográfica via 'Croz' (Blue Castle Records – sem previsão de lançamento no Brasil), seu primeiro álbum solo em mais de duas décadas. Talvez o mais emblemático personagem da contracultura hippie dos anos 1970, David Crosby não deve ser tratado como mero veterano da era de ouro do rock, mas como lídimo sobrevivente dos próprios excessos a que temerariamente se impôs.


Sua condição de inveterado dependente químico – durante 30 anos Crosby consumia diariamente um mix de álcool, maconha, cocaína e heroína em doses cavalares – só não pôs ponto final mais cedo nesta história graças a um providencial transplante de fígado, bancado pelo cantor e baterista Phil Collins, que, ao tomar conhecimento da condição terminal em que o amigo se encontrava, por conta de uma cirrose, em 1994, prontamente se voluntariou para cobrir todos os custos do tratamento.

Neilson Barnard/Getty Images
Depois de um transplante de fígado e de um infarto do miocárdio, David Crosby volta a mostrar serviço (foto: Neilson Barnard/Getty Images)
Aliás, assim como Lemmy e Keith Richards, quando morresse, os órgãos de Crosby – para algum proveito futuro pela humanidade – deveriam merecer minucioso estudo cientifico. Um metabolismo singular que também lhe permitiu superar múltiplos infartos do miocárdio (em fevereiro, antes que embarcasse na excursão para divulgar o récem-editado Croz, o músico teve de ser submetido a exames de caterismo cardíaco e angiografia, de modo a evitar eventuais crises durante a nova agenda de shows) e uma diabetes tipo 2, doença crônica que há anos o obriga a encarar injeções diárias de insulina.

 

Confira teaser de 'Croz', novo álbum de David Crosby:

 

 

Não exatamente famoso por ser um compositor profícuo, ainda que talvez algumas das mais lindas canções gravadas junto aos míticos The Byrds (I see you, Eight miles high, Everybody's been burned, Mind gardens, Renaissance fair) e Crosby, Stills, Nash Young (Wooden ships, A long time come, Dejá vu, Triad, Guinnevere) levem sua assinatura, foi com seu álbum de estreia – gravado em 1971, com a ajuda de Joni Mitchell, Neil Young e integrantes avulsos das bandas Grateful Dead, Quicksilver Messenger Service, Santana e Jeffferson Airplane, If I could only remember my name sumarizou toda a ressaca espiritual que tomaria de assalto os órfãos da "nação Woodstock" – que David Crosby veio a conceber aquela que, merecidamente, é considerada uma das obras-primas da história do rock.

Voz angelical

Prova da genialidade bissexta do artista, Croz é apenas o quarto álbum solo que David Crosby conseguiu concluir ao longo de quase meio século (!) de carreira. Na gravação, participações de instrumentistas do calibre de Leland Sklar (baixo, ex-Jackson Browne Band), Steve Distanislao (baterista da banda de David Gilmour), Winton Marsalis (trumpete) e Mark Knopfler (guitarra elétrica) se mostraram extraordinariamente precisas, a ponto de garantir ao artista seu trabalho mais expressivo desde o longínquo If I could only remember my name.

Não por acaso, são justamente as intervenções desses últimos que garantem a Croz dois momentos dos mais expressivos: a saber, a introdutória, biográfica e algo desiludida What's broken, na qual a voz ainda angelical de Crosby e suas irretocáveis harmonias aparecem intercaladas a um hipnótico groove, levada quebrada e os esparsos riffs elétricos providos por Knopfler outorgam outorgam à canção dimensão beatífica a remontar ao que de mais transcedente havia em If I could only remember my name.

Por seu turno, a balada Holding on tomorow e sua jazzísitica aclimatação ao estilo "a madrugada mentiu" – onde um absorto Crosby surge entregue à versos trespassados por niilismo, genuína mágoa e reminiscencias sobre envelhecimento – chega a resplandecer quando o evocativo solo de trumpete em surdina comandado por Marsalis irrompe, apenas para desaparecer de forma sutil, enquanto encerra a faixa.

Croz ainda se nutre das "dissonâncias cognitivas", às quais o compositor se refere em Time I have; contemplativa balada n qual ele profere sua recusa em passar o tempo que lhe resta de vida entregue a sentimentos de medo e raiva. Igualmente reflexiva, Set that damage down novamente se vale de hibridismos jazzy-folk para Crosby finalmente conseguir exorcizar velhos atrelados aos vícios de outrora. Porém, nada lá supera as dissonâncias da bela e dilacerada Dangerous night, cujos reverberantes acordes de piano e synths, lá inseridos por James Raymond – filho tardiamente reconhecido por Crosby, seu parceiro de composição e também coprodutor do disco – acabam por permitir ao velho, mas ainda relevante Crosby inesperada aproximação com as transtornadas invenções eletro-acústicas perpetradas nos dias de hoje pelo Radiohead.

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