Daúde coleciona acertos no seu quarto CD gravado em estúdio

O registro traz 12 releituras de músicas que fazem parte da memória afetiva da cantora baiana, de personalidade forte

por Kiko Ferreira 01/06/2014 06:00

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Christian Gaul/Divulgação
A própria Daúde cuidou da direção artística, dos arranjos e da produção executiva do novo disco (foto: Christian Gaul/Divulgação)
Artista multitarefa, a cantora baiana Daúde fez direção artística, arranjos e produção executiva de Código Daúde, seu quarto disco de estúdio. Mantendo a mesma capacidade de reinvenção de seu álbum de estreia, Daúde (1995), que rendeu prêmios de disco do ano e a ajudou conquistar o exigente Peter Gabriel, que lançou por seu selo Rela World o penúltimo título, Neguinha te amo (2003), Daúde tem personalidade de sobra para moldar suas influências num disco coeso e equilibrado.

São 12 músicas, contidas em 11 faixas, de releituras de músicas que ajudaram a compor sua memória afetiva e a construir sua persona artística. De Babalu (Margarita Lecuona), que ela ouvia com a mãe na voz de Ângela Maria e relê com mais suingue do que as versões de Ney Matogrosso e Edson Cordeiro, ao fado Barco negro, que ouvia com o pai e soa épico, mas sinuoso, ela coleciona acertos.

Aberto com Que bandeira, que ela conheceu na voz de Evinha e repagina com direito a suingada presença do autor, Marcos Valle, o CD inclui um dueto recheado de sedução com Alceu Valença (Como dois animais), um Nelson Sargento provocando gargalhadas no mix de Segura esse samba (Oswaldo Nunes) com Falso amor sincero (Nelson Sargento) e uma leitura quase lounge de Minhas razões, antigo hit da dupla Antonio Carlos e Jocafi. Cala a boca, menino (Dorival Caymmi), que teve versão definitiva de Nana Caymmi e foi gravada, entre outros, por Zeca Pagodinho, Seu Jorge e João Donato, soa ineditamente pop e com um acento quase funk/disco. Eu não vou mais (Orlandivo e Durval Fonseca), com o trompete turbinado de Jessé Sadoc, vira um carnaval elétrico de gafieira. A citação do músico serve para lembrar que, apesar de ter bases eletrônicas e voz como guia, o álbum tem músicos “de verdade”, como Carlos Malta, Nicolas Krassik, Arthur Maia, Alfredo Machado e Jam da Silva. Seleção de alto nível.

Com J’ai deux amours, hit de Josephine Baker, encerrando a seleção com elegante doçura, Código Daúde tem dois arranjos que podem causar estranheza, mas que funcionam depois que se acostuma com as propostas. Sobradinho, profético sucesso da dupla Sá & Guarabyra, ganha ares nordestinos, com participações do coral infantil Musimundi e o violino de Krassik fazendo o papel de rabeca. E O vento, da banda Los Hermanos, vira bolero pop, num arranjo que remete à Elis Regina de Alô alô marciano. Um disco com ampla utilidade. Bom para a pista e bom para ouvir na rua, na chuva ou na fazenda.



MARCAS NO DNA

CÓDIGO
“Fui escolhendo as músicas com tempo e calma. Ouvi uma coisa, lembrei-me de outra, anotei. Foram músicas que me codificaram, que me formaram.”

ELETRÔNICA
“Não faço música eletrônica. A eletrônica é uma ferramenta. Gosto de trabalhar no computador, escolher os loops, definir timbres. Mas faço questão de trabalhar com os melhores músicos, que tocam de verdade. No palco, é impossível contar com todos, como o (violinista) Nicolas Krassik. Por isso, misturo sons pré-gravados com os músicos ao vivo.”

PARTICIPAÇÕES
“São artistas com quem sempre tive bons contatos. Alceu conheci no meu primeiro disco. Marcamos de fazer um coco embolado. Mas ele desapareceu. Depois, me chamou para participar do DVD dele. Marcos Valle, que faz mais show lá fora do que aqui, encontro pelo mundo. Ele sempre foi atencioso comigo. E tem milhares de músicas que você nem sabe que são dele.”

OSWALDO NUNES
“Ele foi pioneiro no samba rock. Andava pela Cinelândia, de túnica, carteirinha debaixo do braço. Era negro, gay, vestindo uma bata. Tudo errado, né?. Ele enfrentava tudo.”

ANTONIO CARLOS & JOCAFI
“Na época, chamavam de sambão joia, assim como Benito di Paula... A música é boa, a letra é boa. Não tem que ter preconceito. Hoje, as coisas estão mais democráticas. Não precisa de ninguém para dizer o que é certo e o que é errado.”

FUNK E SERTANEJO
“Gosto de música que me toca. Ouço funk, mas não gosto das letras que apelam para a baixaria, para a vulgaridade. O funk e o sertanejo surgiram porque tinha alguém fazendo um movimento legítimo, de dentro para fora. O problema é que depois surgem quinhentos oportunistas.”

JOSEPHINE BAKER
“Vi numa revista, quando era pequena. Ela, negra, foi para a França para fugir do racismo americano. Foi cantar naqueles cabarés famosos, com aquele corpo, aquelas bananas na cabeça, e fascinou os franceses. E os militares alemães, que iam assisti-la. Aí, ela se aproveitava e descobria segredos para informar aos aliados.”

SEGREDO
“Procuro trabalhar com pessoas com a mesma visão de mundo, com o mesmo olhar sobre a vida que eu. Tem que estar afinado comigo. Esse é o segredo.”

VIRTUDE
“Procuro ser honesta. Procuro acertar. Mas, às vezes, a gente erra. Nunca tive um teste para minha virtude, como encontrar uma mala com US$ 1 milhão ou ter que esconder um cadáver no armário.”

HUMOR E RACISMO
“Acho que o humor precisa ter limite. O que não pode é brincar com a dor dos outros. Me chamar de macaca, ou dizer para um judeu que vai colocá-lo no forno, não pode. Precisa sempre lembrar que houve muito sofrimento. E isso precisa ser lembrado. Precisa ter o Dia da Consciência Negra senão as pessoas esquecem. Ou, às vezes, nem sabem que houve uma escravidão, que os negros ajudaram a formar o país.”

COPA DO MUNDO E ELEIÇÕES
“Às vezes, parecem ser o mesmo evento. Tem a mesma sensação do fim dos anos 1970, na época da ditadura, em que gente vibrava com os jogos e ficava triste sabendo que tinha gente morrendo. Esse gasto excessivo de dinheiro, esse aumento da violência... Tudo no Rio está caríssimo. Estou desanimada. Mas, ao mesmo tempo, acho que a Copa pode ser um evento maravilhoso. Sinto-me muito dual.”

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