Memória nacional

Morto prematuramente aos 41 anos, cantor e compositor paulistano Agostinho dos Santos deixou obra que merece ser conhecida, agora relançada pelo selo Discobertas

por 30/05/2014 00:13

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
None
Ailton Magioli

Ele trouxe à tona o talento então nascente de Milton Nascimento. Inscreveu, à revelia do cantor e compositor, três composições de autoria dele no 2º Festival Internacional da Canção (FIC), de 1967. Milton saiu vencedor como melhor intérprete por Travessia. Agostinho dos Santos (1932-1973) acabou partindo prematuramente, aos 41 anos. Deixou pequena porém expressiva obra, ainda a ser descoberta.

O selo carioca Discobertas, de Marcelo Froes, reúne os primeiros álbuns da discografia oficial do artista nascido em São Paulo, no box Agostinho dos Santos – Bossa Nova – Vol. 1 (1958-1961), com os quatro primeiros álbuns do cantor: Agostinho espetacular, de 1958; Inimitável Agostinho dos Santos, de 1959; Agostinho sempre Agostinho, de 1960, e Agostinho canta sucessos, de 1961. O Volume 2, com os discos restantes gravados pelo cantor na extinta RGE, virá a seguir, segundo a gravadora.

Com capas originais e áudio remasterizado, além de fichas técnicas e ilustrações, os discos trazem faixas bônus, revelando às novas gerações um intérprete muitas vezes ignorado pelas anteriores. Representante da primeira geração da bossa nova, Agostinho dos Santos estouraria internacionalmente em 1962, ao participar do célebre concerto de bossa nova do Carnegie Hall, de Nova York (EUA), com o Conjunto de Oscar Castro Neves, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do protagonista do filme Orfeu do carnaval, de Marcel Camus, com trilha de Tom Jobim, Luiz Bonfá e Vinicius de Morais.

O longa-metragem, que conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes (1959) e o Oscar (1960) de melhor filme estrangeiro, é produção ítalo-franco-brasileira que rendeu dois grandes sucessos a Agostinho. Além da música-tema de Orfeu, Manhã de carnaval, o cantor estourou com A felicidade.

Revolucionário
Neto de Agostinho, o multiinstrumentista Thiago dos Santos, de 29 anos, diz que a obra do avô chegou a ele por meio do pai, que estava sempre com os discos em casa. “Escuto a obra de Agostinho desde os 10 anos”, conta Thiago, que classifica a obra do avô de revolucionária. “A voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo”, recorda, emocionado, o neto, saudando a iniciativa de Marcelo Froes de trazer a música de Agostinho dos Santos de volta, graças à parceria do pesquisador e produtor com a família.

O segundo box a ser lançado pelo selo Discobertas vai reunir cinco discos do cantor, de 1957 a 1973. O samba-canção foi um dos principais gêneros defendidos pelo intérprete, incluído entre os intérpretes pré-bossa nova. “Na época, havia quem ficasse de cara virada para os cantores de rádio, só que meu avô e Elizeth Cardoso explodiram com a bossa”, recorda Thiago dos Santos.

A divulgação e promoção da bossa nova no exterior foi a principal contribuição de Agostinho Santos para a música brasileira, segundo Thiago. “Manhã de carnaval fez sucesso no mundo inteiro”, recorda o neto do cantor, lamentando o esquecimento da obra de Agostinho e de tantos outros da mesma época, tais como Johnny Alf, Elizeth Cardoso, Leni Andrade e outros que ainda estão em atividade. Apesar de ele ter gravado inclusive no exterior (Venezuela, Chile, Portugal, África do Sul e Estados Unidos), Thiago dos Santos desconhece o pagamento à família de direitos autorais de outros países.

Preconceito racial
Sob os cuidados da filha Nancy dos Santos, o acervo do cantor reúne rolos de filmes, fotografias, roupas, troféus e reportagens. Morto vítima de acidente aéreo, Agostinho dos Santos se preparava para participar de um festival de música na Grécia, no qual defenderia Paz sem cor, da parceria com Nancy, na qual abordavam o preconceito racial. “Segundo consta, ele sofreu preconceito ao frequentar clubes e outros espaços”, lamenta Thiago, que planeja criar um espaço dedicado à memória do avô na região de Pinheiros, em São Paulo, onde reside.

Nos anos 1950-60, Agostinho dos Santos ganhou prêmios e atuou como compositor, além de cantor. Ele também participou do lendário Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, com o conjunto de Oscar Castro Neves. O cantor teve rápida passagem pelo rock'n'roll, nos anos 1950, gravando Até logo, jacaré, versão de Julio Nagib para See you later, alligator, de Bill Halley & His Comets.

Na opinião de Marcelo Froes, Agostinho é um cantor singular, com sua voz e divisões, que não deixou discípulos. “É fácil reconhecer a voz dele, da mesma forma que é fácil reconhecer Miltinho”, compara o pesquisador, lembrando que Agostinho gravou oito álbuns entre 1958 e 1964, o que totaliza mais de um lançamento por ano, reflexo do sucesso de então.


Ele tinha a voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo - Thiago dos Santos, músico e neto de Agostinho

MAIS SOBRE MÚSICA