Toninho Ferragutti explora o rico universo do acordeom

Músico paulista encerra Festival Internacional do Acordeom no Parque Municipal de Belo Horizonte

por Eduardo Tristão Girão 11/05/2014 06:00
Gal Oppido/divulgação
"É necessário que as orquestras estejam dispostas a correr riscos e encomendem peças a acordeonistas", diz Toninho (foto: Gal Oppido/divulgação)

Toninho Ferragutti é a famosa “figurinha fácil” – no bom sentido. Viajando pelo país inteiro com seu acordeom, esse paulista de Socorro pode ser encontrado em festivais de música instrumental, concertos de orquestras sinfônicas, discos de artistas da MPB e até em espetáculos de flamenco, além de oficinas dedicadas a interessados em aprender a tocar o instrumento. É bom deixar claro: graças ao talento de artistas assim, capazes de atuar em diversos contextos, a sanfona deixou de ser apenas “boa e velha” para se destacar na cena musical contemporânea.

“Acredito que contribuo ao gravar e tocar com várias formações, como sinfônicas; a orquestra da americana Maria Schneider; os duos com o violonista Marco Pereira, o acordeonista Bebê Kramer e o violeiro Neymar Dias; quinteto de cordas; e, por último, noneto com piano, clarinete e percussão. O acordeom serve a todas as formações – da música de câmara à gafieira – e é apenas mais um instrumento com grandes possibilidades de dinâmicas e timbres”, resume.

Família


Filho de saxofonista que compunha valsas, choros, dobrados e marchas, Ferragutti se envolveu com a música ainda criança. Incentivado pela família a estudar acordeom, complementou sua formação em rodas de choro, bailes, grupos de música gaúcha e gafieiras. Estudou em conservatório e teve aulas particulares com Dante D’Alonzo e de harmonia com Claudio Leal Ferreira.

Curiosidade: antes de se profissionalizar, Toninho Ferragutti estudou veterinária, curso que abandonou no último ano, em 1983, para se mudar para São Paulo. Finalmente, começava sua carreira artística.

Mais importante do que desenrolar a longa lista de colaborações relevantes do acordeonista (já tocou com Gilberto Gil, Hermeto Pascoal, Dominguinhos, Maria Bethânia e Grupo Corpo, por exemplo) é lembrar sua curta, mas consistente, discografia solo. Ela inclui álbuns como Sanfonemas, Nem sol nem lua e, mais recentemente, O sorriso da Manu, fruto do espetáculo de dança cuja trilha sonora foi assinada por ele, gravada com seu grupo e quarteto de cordas.

Erudito


Habituado a tocar com orquestras, Ferragutti acredita que, apesar de esse nicho ser mais comum na Europa que no Brasil, há potencial de trabalho por aqui. Entretanto, pondera que ainda há muito a ser feito antes que sejam criadas essas oportunidades. “É um instrumento de afinação fixa, tem que estar sempre muito bem afinado e o material deve ser muito bem escrito. Os compositores têm dificuldade de compreender melhor a mão esquerda do acordeom para se aproximar e criar para ele levando em conta todas as suas possibilidades.”

O artista já estudou partituras escritas para o instrumento (sobretudo transcrições de piano), mas não se animou muito com elas. “O mais criativo e instigante, que leve em conta as possibilidades técnicas do acordeom, ainda está para ser feito em quantidade. É necessário que as orquestras tenham interesse nesse caminho, que estejam dispostas a correr riscos e encomendem peças a acordeonistas e compositores”, conclui.

Homenagem para Sivuca

Hoje de manhã, Toninho Ferragutti encerra, no Parque Municipal, a segunda edição do Festival Internacional de Acordeom, que, desde quinta-feira, atraiu artistas nacionais e internacionais à capital. Ao lado da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), regida por Osman Gioia, o artista tocará peças do paraibano Sivuca, também acordeonista, o homenageado desta edição do evento.

“São, em sua maioria, músicas conhecidas. Ao receberem tratamento sinfônico, elas aproximam o público desse universo, agregando imponência e grandeza a composições importantes para a formação cultural do país. É um concerto muito bonito e um pouco raro de se ver”, avalia Ferragutti.

O acordeonista explica que Sivuca iniciou esse trabalho em 1985, a convite do irlandês Eugene Egan, na época regente da Orquestra Sinfônica do Recife. A série de oito peças estreou com o Concerto sinfônico para Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, e a maioria delas foi registrada no CD Sivuca sinfônico, regido e dirigido por Osman Gioia.

“Sivuca era um músico genial, compositor de sucessos consagrados. Violonista e pianista, fez a direção musical por muitos anos da cantora Miriam Makeba, além de ser showman de qualidade insuperável”, destaca.

PROGRAMAÇÃO
Rapsódia gonzaguiana – Juazeiro, Lá no meu pé de serra, Baião, Assum preto, A volta da Asa Branca e Boiadeiro (Luiz Gonzaga e parceiros)
Aquariana (Sivuca)
João e Maria (Sivuca e Chico Buarque)
Quando me lembro (Luperce Miranda)
Feira de mangaio (Sivuca e Glorinha Gadelha)
Concerto sinfônico para Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)

Gal Oppido/divulgação
(foto: Gal Oppido/divulgação)


2º FESTIVAL INTERNACIONAL DE ACORDEOM
Concerto de Toninho Ferragutti e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Hoje, às 10h, no Parque Municipal (Avenida Afonso Pena, Centro). Informações: (31) 3270-8100. Entrada franca.

três perguntas para... TONINHO FERRAGUTTI
ACORDEONISTA E COMPOSITOR


Você circula por outros países. Que tendências em torno do acordeom tem visto por aí?

Muitos músicos estão se aproximando e reconhecendo a riqueza do acordeom, independentemente da importância dele na música regional. São pessoas que tocam piano e outros instrumentos. É por aí que o acordeom seguirá.

O que você acha da nova geração de acordeonistas brasileiros? Há características em comum entre eles? Pode destacar alguns nomes?

São excepcionais, todos muito bem informados, com um conhecimento grande da tradição e antenados com tudo o que está ocorrendo. A característica comum é estarem bem informados em relação ao cenário musical e não apenas nas áreas de interesse de cada um. É injusto ficar citando nomes, pois certamente vou cometer injustiças, mas de pronto posso dizer que gosto de Bebê Kramer, Luciano Maia, Mestrinho, Chico Chagas, Adelson e por aí vai.

Cite três acordeonistas que você tem gostado de ouvir.

Dominguinhos, sempre. Um gênio pela qualidade de seus CDs e pela técnica, harmonia e ritmo. Sivuca pelo repertório, concepção do instrumento e muita música instrumental. Por fim, o francês Lionel Suarez com o cantor Andre Menvielle. Tudo o que eles fazem é muito bonito. Ambos são do Sul da França, onde se tem muita proximidade com as músicas árabe, judaica e do Mediterrâneo. Pesquise no YouTube, você vai ver como é legal!


ENCONTRO DE CRAQUES

A última empreitada de Toninho Ferragutti é Comum de dois, disco gravado com outro ícone da cena instrumental brasileira, o violonista Marco Pereira. Além de músicas escritas pelos dois (como Bate-coxa, de Pereira, e Sanfonema, de Ferragutti), o repertório traz composições de Zé do Norte (Mulher rendeira) e medley reunindo Dorival Caymmi (Maracangalha e Você já foi à Bahia) e Ernesto Nazareth (Escorregando).

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