Hermeto Pascoal participa de dois encontros em BH

Aos 77 anos, músico não perde o pique e chega a criar até cinco canções por dia

por Ailton Magioli 23/04/2014 08:00

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Rudi Bodanese/Divulgação
Multi-instrumentista e arranjador, o alagoano Hermeto Pascoal diz que a arte tem como destino acordar o homem do sono da mesmice (foto: Rudi Bodanese/Divulgação)
Em Belo Horizonte para dois compromissos em um só dia, Hermeto Pascoal, de 77 anos, vai na tarde desta quarta-feira na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa falar sobre experimentalismo musical, em bate-papo aberto à participação de deficientes visuais, seguindo, à noite, para o Espaço 104, onde será a atração do projeto Retratos de artista: Molduras do pensamento, com direito a entrevista pública.

“Antigamente, havia muito bate-papo entre artista e público. Muitas vezes eu ia à TV para falar de música. Tinha audiência”, recorda o multi-instrumentista, arranjador e compositor, reconhecendo que o público é a razão do artista, esteja ele assistindo a um show ou participando de um bate-papo.

Longe de querer premeditar algo, em busca da verdade, o músico diz deixar o ouvido (musical) dele ir para onde quiser, sem procurar saber se está melhor ou pior. “Vejo gente como Edu Lobo passar por problemas de saúde e, às vezes, mesmo ouvindo tão bem, chega a hora de a gente fazer um teste de audição. Fico apreensivo depois que o médico me manda sair da sala. O que será que é?”, relata Hermeto, admitindo estar escutando demais.

 “Só que agora não paro de escrever. Conversando com você ao telefone, por exemplo, o som que surgir eu registro”, prossegue o músico, lembrando que a perda da audição é normal no decorrer dos anos, ainda que ele, aos 77, esteja ótimo. “Sinto-me cada vez mais doido, no bom sentido”, declara, sem querer parecer arrogante. Segundo diz, musicalmente ele não para nem dormindo. “Quem não cria é quem não espia.”

“Sou 100% intuitivo”, reconhece o músico autodidata, que diz escrever para qualquer tipo de orquestra. “Não tenho dificuldade de escrever o que penso. Não tenho professor, vivo por dedução”, acrescenta Hermeto Pascoal, salientando que o ser humano veio à Terra sonhar. “E estamos dormindo”, pondera o artista, admitindo que a religião dele é a música. “No fundo, no fundo tudo é imaginação”, garante o multi-instrumentista, lembrando que vivemos no mundo da interrogação. “Ainda bem”, salienta.

Hermeto Pascoal diz que já quebrou muito rádio em busca da boa música. “Não foi jogando no chão, mas torcendo o botão”, esclarece o artista. “O coitado do público que gosta sofre como eu”, acrescenta Hermeto, lamentando a existência atual de músicos dominados pelo dinheiro. “O dinheiro é o câncer do mundo”, garante o músico, lembrando que a música universal, que ele faz, não toca mais em rádio.

Com no mínimo 6 mil músicas compostas, revela que há dias em que faz até cinco temas. “Em geral, no entanto, são duas, três músicas por dia”, contabiliza Hermeto, cujo último disco data de 2011. Por enquanto, garante, ele não pensa em voltar a estúdio. Dedica-se a divulgar o trabalho da namorada, Aline Morena, com a quem vive há 11 anos, que vai chegar às lojas no formato CD e DVD.


HERMETO PASCOAL
Nesta terça, às 16h30, na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa – Praça da Liberdade, Funcionários. Bate-papo com o público. Vagas limitadas. Informações: (31) 3269-1201. . Às 19h30, o músico volta a conversar com o público depois de entrevistado, no Espaço Cento e Quatro – Praça da Estação, 104, Centro. Acesso limitado a 430 lugares. Informações: (31) 3037-8691.


Fala Hermeto!

“Em termos de instrumento, só regredimos. A criatividade foi embora. Estou sempre advertindo os estudantes para que eles não se deixem ser usados pelo computador. Não fizeram um computador que tenha inversão do outro, como se fosse azul-claro e azul-escuro. É dinheiro fácil.”

“O último disco é de 2011. É para dar tempo para as pessoas curtirem. Reconheço que ele só toca na casa das pessoas, já que elas não têm prazer de ligar rádio para ouvir o que está tocando hoje. A música universal que eu faço é uma mistura de tudo.”

Palavra de especialista
Marcelo Dolabela
poeta, compositor e pesquisador

O emérito eremita

Hermeto é uma sinédoque. Uma parte pelo todo. O todo em múltiplas partes. Um movimento que ele mesmo não faz parte. Hermetismo – os tais dos “hermetismos pascoais”, cantado por Caetano Veloso –, sem automimetismo nenhum. Siamês de si mesmo. Como: Erik Satie, John Cage, Frank Zappa, Yoko Ono, Walter Smetak, Tom Zé e Marco Antônio Guimarães “Uakti”. Rotulagem não define e nem determina a transalquimia do “horse power” de HP. Experimentais são os outros. Hermeto é um outro de sua própria fábrica. Matriz-motriz que dá xeque, sem martírio, sem matar. Brinca e indica pulsações e pulsões. Miles Davis virou um fugaz figurante diante de sua usina antropofágica e sonora. Mito reverso, rito ao avesso. HP é um demiurgo do ouvido orquestrador da grande música que se chama invenção. Ou melhor, que se chama “vida”.

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