O intérprete, que já dedicou discos inteiros a mestres como Nelson Ferreira e Capiba, declara não fazer a menor ideia do que é ser moderno, mas a composição de elenco e repertório do CD mostra sintonia com elementos da modernidade que apontam para o eterno. Apresentado pela mineira Déa Trancoso, que fornece a música de abertura (Água serenada) e classifica o trabalho como “o auge do rigor gonzagueano”, De mim pode ter como primeiro teste de estilo a releitura de Show, de Luiz Tatit e Fábio Tagliaferri. A música, que na ótima leitura de Ná Ozzetti recebeu uma tintura de solidão urbana, de camarim, ganha de Gonzaga uma interpretação marcante, de seduzir Xangai, Elomar, Paulinho Pedra Azul e outros leitores das coisas do interior, das terras e das gentes.
Mesmo que a saudade seja elemento fundamental, em temas como A janela da casa do tempo, Da saudade e Palavra doce, o trabalho passa pela fúria das águas (Voo cego, de Lula Queiroga e Yuri Queiroga), a companhia do instrumento como antídoto para a solidão (Ainda bem que eu trouxe a viola, de Juliano Holanda), os riscos da memória (Você me disse não lembrar, de Adriana Calcanhoto) e o tempo da despedida (Canção de adeus, de Altay Veloso).
Tratando de mitos e lendas em Calorzinho de Pedra Azul (Junio Barreto) e Deusa da Lua (domínio público), Gonzaga aumenta a dramaticidade quando convida duas damas da música brasileira para participações especiais: Cida Moreira, em Janela da casa do tempo; e Marília Medalha, em Voo cego e Deusa da Lua. E parece traduzir sua tenacidade na defesa de princípios atemporais de beleza e coerência nos versos de Calmaria, do baiano J. Velloso: “quem quer singrar os mares/ sem passar por tempestades/ é melhor ficar em casa/ abraçado com a saudade”.