Yuka prepara novo álbum e fala de seu processo de recuperação

Compositor diz que ioga e meditação foram fundamentais

por Ailton Magioli 09/03/2014 00:13

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Simone Marinho/Agência O Globo
Em programa de entrevistas para a televisão, Marcelo Yuka vai pôr em cena temas polêmicos e convidar gente que tenha o que dizer (foto: Simone Marinho/Agência O Globo )
O título do novo disco de Marcelo Yuka, de 48 anos, já diz tudo. Gravado com a banda A Entidade, Canções para depois do ódio, como sempre ocorre com tudo que o ex-baterista de O Rappa faz, é para botar os bichos para fora. “É o primeiro depois de alguns entendimentos adquiridos com a prática da meditação e da ioga, que mudaram a minha vida”, afirma Yuka, que faz do cantor belga Bukassa Kabengele, radicado no Brasil, o principal porta-voz de suas aflições, entre as quais figuram, inclusive, o amor.


Produto da parceria de Yuka com Marisa Monte, a canção Para ti não sei, gravada no disco pela cantora, é reflexo do novo momento do compositor, que diz ter descoberto o amor como “forma de inteligência”. Graças à prática semanal da ioga, que descobriu em 2005, e da meditação diária, Marcelo Yuka acredita ter aberto os canais para a vida. “A primeira coisa que essas filosofias me ensinaram foi a me ver como prática de meu próprio remédio”, garante o artista, paraplégico depois de baleado em um assalto no fim de 2000, no Rio de Janeiro.


De lá para cá, Yuka entrou em profunda depressão, da qual está se livrando mais de uma década depois, graças aos novos hábitos que adquiriu. “A lesão física é fácil de ver, mas a psicológica é mais forte”, justifica o longo processo de recuperação, por meio do qual diz ter aprendido a ouvir o próprio silêncio, além da respiração. “Eram três antidepressivos ao dia; hoje não tomo nenhum”, comemora o artista.


Ao avaliar o processo pelo qual passou, Yuka diz que acabou chegando a Canções para depois do ódio, que, como admite, é autobiográfico na medida em que nasceu “fincado” no que ele teria aprendido em todo processo. “Mas tem outras coisas no disco também. Socialmente ele é contundente, está tudo lá”, observa. “Mas tendo o amor como forma. Sempre fui um cara apaixonado. É esta paixão que me move todo dia”, avalia. Seu Jorge, Apollo 9 e Cibelle, além de Marisa Monte e Bukassa, estão no disco, cujo lançamento está programado para junho.


Enquanto finaliza o petardo, Marcelo Yuka negocia a distribuição com uma gravadora. Se no disco anterior – Sangueaudiência, de 2005 – ele assinava o trabalho coletivamente com a banda F. U. R. T. O., o novo álbum terá a assinatura dele, além da banda A Entidade. Paralelamente, Yuka se dedica à produção de Mestiço, projeto eletro-indígena-hardcore. “Trata-se de algo mais pesado, com guitarras distorcidas e base eletrônica. As letras são todas sobre a questão indígena”, diz sobre o projeto punk-eletrônico, que desenvolve ao lado de Sérgio Espírito Santo, que foi da banda Tubarões Voadores.

Em casa Um mês antes de o novo disco de Marcelo Yuka chegar às lojas e redes sociais, ele vai estrear na PlayTV o talk show Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa. Trata-se de programa semanal de entrevistas, com 40 minutos de duração, que promete abordar temas como pobreza, maconha, manifestações de rua, questões ambientais e tantos outros que estiverem em pauta.


Militante de causas sociais desde os 16 anos, Yuka garante que o talk show terá linguagem documental, acompanhando seu cotidiano, com direito a café de fim de tarde, que ele estenderá para músicos e artistas. A direção de Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa é de Antônio de Andrade e duas temporadas já estão gravadas, cada uma com 13 programas.

Entre os primeiros convidados do artista estão a atriz Letícia Sabatella, o delegado hare-krisha Orlando Zacone, o biólogo Mário Moscatelli, o senador Cristovam Buarque, o teólogo Leonardo Boff, o protagonista do documentário Lixo extraordinário, Tião Santos, e o diretor do filme, Vik Muniz. “Estou gostando da experiência com a TV, porque o programa é quase uma trincheira no ar”, confessa Yuka, para quem a defesa de temas na telinha deve ser feita com argumentos.


“Hoje, há poucos programas na TV com opinião”, lamenta. Para ele, nem sempre é confortável tomar posição diante de temas polêmicos. “A ideia de transmitir é que é legal. Sempre gostei de rádio”, admite o artista, que cursou jornalismo no Rio, na década de 1980. Morador da Tijuca, na Zona Norte carioca, o artista criou em casa um loft sem paredes, especialmente adaptado para se locomover na cadeira de rodas. Yuka mora no primeiro andar, com direito ao próprio estúdio, e sua mãe vive no andar de cima.


ENTUSIASMO

Como artista, Marcelo Yuka nunca produziu tanto. “O susto passou e tudo que está por vir é consequência deste entendimento”, justifica. Ele ressalta que, apesar de tudo, a vida pode ser boa. “O ser humano se adapta a tudo”, consente ele, lembrando que as pessoas saem transformadas depois de uma situação-limite como a que ele viveu.


“Acho que a palavra certa para definir o que estou sentindo é entusiasmo. Eu estou cheio de Deus. Trabalhei para chegar a este momento, entusiasmado. Trata-se de uma consequência direta para alguém que viveu um limite tão grande quanto eu.” Tal situação, no entanto, como faz questão de dizer, independe de religiosidade. Longe de uma prática religiosa, o artista diz ter “entendimento espiritualizante”.

 

Paradoxo brasileiro

 

Para Yuka, o fato de o brasileiro ter ido para as ruas se manifestar, em junho, é sintoma de que está tudo mais à flor da pele no país. “Se por um lado o povo está procurando se manifestar, por outro nunca houve tanto reacionarismo. Os reacionários estão todos saindo do armário”, denuncia. E lamenta o ocorrido com o movimento gay de São Paulo, que depois de obter conquistas com as paradas, passou a sofrer com a ação de gangues de extermínio.


“Não por acaso vieram à tona figuras como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano”, cita os deputados cuja postura político-social e homofobia têm provocado polêmicas. “O Brasil vive um grande paradoxo. Se por um lado estamos próximos dos grandes eventos, por outro ainda convivemos com a pior educação do mundo”, lamenta.


Marcelo Yuka começou a sair mais de casa. Além de ocupações, nas quais a arte e a cultura são vistas do ponto de vista político, ele também participou ativamente do bloco Devotos de Marley. “Isso me levanta, empurra minha cadeira, embora ainda haja um pensamento reacionário enorme no Brasil.”

 

Nas páginas
Nos próximos dias, Marcelo Yuka lança no eixo Rio-São Paulo a biografia que escreveu a quatro mãos com o jornalista Bruno Levinson. Trata-se de Não se preocupe comigo, que vai sair pela Sextante, cujo título foi tirado da canção homônima do compositor e baterista carioca. O livro narra momentos marcantes da vida de Yuka, no campo da arte e da militância social.

 

Nas telas
Uma série para a TV também está nos planos do artista, que escreveu sob encomenda para uma produtora o argumento de Castigo, inspirado no momento brasileiro. Em cena, um grupo de pessoas que confunde justiça com vingança. “Eles não são justiceiros, são normais. O processo utilizado para fazer justiça é que é diferente.” Os protagonistas se encontram uma vez por mês para armar ciladas.

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