Itamar Assumpção ressurge revigorado em novo disco da cantora e compositora Alzira E

'O que vim fazer aqui' traz antigas canções que dialogam com jovens talentos da cena paulistana

por Kiko Ferreira 05/03/2014 07:00
Feco Hamburguer/divulgação
(foto: Feco Hamburguer/divulgação)
Se ar e mar fazem falta, mais falta faz Itamar. Dez anos depois da morte de Itamar Assumpção (1949-2003), que o amigo Arrigo Barnabé chamava de “Jorge Benjor noturno”, a parceira Alzira E revê algumas e revela outras de suas 30 parcerias com o autor de 'Fico louco'. Ela (com)prova a atualidade do trabalho cheio de nuances, curvas e ciclos nas 11 faixas de 'O que vim fazer aqui', viabilizado por um programa de incentivo do governo paulista.


Há algumas semanas, quando participou do projeto Sarau no Memorial, em BH, a poeta e letrista Alice Ruiz, coautora de duas faixas do álbum, lembrou-se, com emoção, da avalanche que era um encontro com Itamar – artista hábil em achar caminhos inusitados e transformar fiapos de versos ou melodias em canções acabadas.

Acompanhada por nomes da nova geração da cena paulista, Alzira optou por um disco sem bateria, com as cordas (guitarra, baixo, violões, violoncelo) preenchendo e sugerindo espaços. Mesmo temas já conhecidos de sua trajetória de oito discos soam atuais e renovados – caso de 'Sei dos caminhos' e de 'Já que tem que' (com citação de 'Vapor barato', de Macalé e Wally Salomão, e o sintomático verso “esta canção aqui veio pronta”).

Com participação do violão de aço de Lucinha Turnbull, 'Norte' (Alzira/ Itamar) abre o trabalho como se fosse um diálogo com 'Frete' (Renato Teixeira) e com o inaugural Lírio Selvagem, grupo que Alzira dividia com os irmãos (incluindo Tetê Espíndola), no Mato Grosso. 'Tristeza não' (Itamar/Alice) trata de beleza, criação e alegria, com a voz de Peri Pane assumindo o papel de Itamar – a semelhança é inquietante. 'Já sei' (Itamar/Alzira/Alice) brinca com a facilidade do inglês de dizer coisas em música. E crava: “você pode entender a dor/ sendo sócia do amor”. Para bom namorador, dois versos bastam.

Outro violão de aço, agora comandado por Peri, conduz 'Já que tem que' (Alzira/Itamar) com versatilidade de ritmos para uma canção que, teoricamente, nasceu pronta. 'Mesmo que mal eu diga' (Alzira/Itamar) traz alma pungente de blues, defendendo a tese de que ver bem é questão de olhar – e não de lugar.

Ironia

Composta com a filha, Iara Rennó, 'Conversa mole' tem humor sutil e demonstra a influência do parceiro na obra mais recente da Alzira. O tom permanece em 'Chuva no deserto' (Alzira/Itamar), tratando de ex-namorados com saborosa ironia. Com o irmão Joy Espíndola ajudando a compor o grupo que faz os vocais de apoio, 'Itamar é' (Alzira/Itamar) descreve a personalidade do Nego Dito, classificando sua loucura poética como... árabe. Difícil não relacioná-lo com a trajetória e a personalidade de Wally Salomão. Mesmo que nada aponte explicitamente para isso.

'Sei dos caminhos' (Itamar/ Alice) remete ao Rumo, a Luiz Tatit e ao auge da vanguarda paulista. O tom fica quase amargo em 'O que é que eu fiz de mal' (Alzira/Itamar), cheio de desencanto e choro, com o final chegando na faixa-título: as notas musicais são citadas explicitamente como condutoras de um discurso com várias boas rimas para a canção.

Depois da música, a última faixa continua com um bônus de poesia densa, incisiva, sobre fazer contos para contas... O eterno dilema do artista, entre a criação e a sobrevivência.

Saiba mais

Na vanguarda


Um dos autores mais talentosos da MPB, Itamar Assumpção (1949-2003) inovou em suas performances que misturavam música, poesia, vídeo, dança e teatro. Destaque da Vanguarda Paulistana, ele chamou a atenção ao lado de Arrigo Barnabé e dos grupos Premeditando o Breque e Rumo. Mesclando samba, reggae, rock e funk com letras marcadas pela crítica social, o “Nego Dito”  lançou oito discos. Ele morreu de câncer, aos 53 anos.

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