Com 45 milhões de discos vendidos, Nelson Ned superou preconceitos e conquistou o mercado internacional

Cantor morreu na manhã desse domingo em decorrência de choque séptico, broncopneumonia e acidente vascular cerebral

por Ângela Faria 06/01/2014 06:30

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Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)
Seu vozeirão conquistou muitos fãs, até mesmo o colombiano Gabriel García Márquez, que chegou a declarar que escrevia ao som da voz do cantor. Com seu 1,12m, ele cantou nos quatro cantos do mundo e vendeu 45 milhões de discos. Portador de displasia espôndilo-epifisária, decorrente de mutação genética, jamais se rendeu ao bullying. Enfrentou o preconceito pelo gênero escolhido para mostrar seu talento: a canção romântica popular. Mineiro de Ubá, onde nasceu em 2 de março de 1947, Nelson d’Ávila Pinto, mais conhecido como Nelson Ned, morreu na manhã desse domingo, aos 66 anos, no Hospital Regional de Cotia (SP), em decorrência de choque séptico, broncopneumonia e acidente vascular cerebral.


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Em 2003, o cantor e compositor havia sofrido um AVC. Perdeu a visão de um olho e precisava se locomover em cadeira de rodas. Tinha diabetes, hipertensão e foi diagnosticado com mal de Alzheimer em fase inicial. O corpo será cremado hoje no Crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo.

Nelson Ned foi o primeiro latino-americano a vender 1 milhão de discos nos Estados Unidos, onde se apresentou junto com o espanhol Julio Iglesias e o americano Tony Bennett. Por três vezes lotou o Carnegie Hall, a mítica casa de shows de Nova York. Também se apresentou no famoso Madison Square Garden. Evangélico desde os anos 1990, passou a gravar temas religiosos em discos lançados nos mercados brasileiro, norte-americano e hispânico.

Arquivo pessoal/ Reprodução Túlio Santos/EM/D.A Press
(foto: Arquivo pessoal/ Reprodução Túlio Santos/EM/D.A Press)
O jornalista Paulo César Araújo, autor do livro 'Eu não sou cachorro não', afirmou que Nelson Ned era sagaz em relação ao mercado fonográfico. “Ele tinha visão crítica e lúcida com relação ao contexto da música. No Brasil, sempre fez muito sucesso entre as camadas mais populares, mas não dá dúvida de que seu reconhecimento e prestígio foram muito maiores no exterior.”

Do ator Paulo Gracindo o cantor mineiro ganhou o apelido que o consagraria: Pequeno Gigante da Canção. “O começo foi muito difícil para mim, pois o Brasil estava acostumado a só ver anão fazendo show em circo ou pegando alguma ponta em programa humorístico de televisão. Foi muito difícil provar às pessoas que sou pequeno e canto bem, assim como o Ray Charles e o Stevie Wonder são cegos e também cantam”, afirmou Nelson em sua autobiografia, O pequeno gigante da canção. Ele gravou 32 discos. Era ídolo no México, Colômbia, Argentina, Espanha, Portugal, Angola, Luanda e Moçambique, entre outros países. 'Tudo passará' teve 40 regravações em vários idiomas.

Chacrinha

Nos anos 1960, Nelson Ned morava com a família em BH, vindo de Ubá. Apresentou-se em programas de auditório nas rádios Guarani e Inconfidência e na TV Itacolomi. Em 1963, mudou-se para o Rio de Janeiro. Peregrinou por rádios, TVs e gravadoras, contou com o empenho de Chacrinha para divulgar seu trabalho até estourar com 'Tudo passará' em 1968.

No Brasil, o mineiro fazia sucesso no programa do Chacrinha e nas rádios populares. Era tratado com desdém pela crítica brasileira, enquanto no exterior despontava como top do showbusiness. Em 1976, interrompeu a carreira por causa de um descolamento da retina. Em meio ao desespero e à dor num hospital norte-americano, tornou-se evangélico.


Em sua autobiografia, Nelson fala do sucesso, da mudança para os Estados Unidos, da fortuna e do envolvimento com mulheres, além de bebidas e drogas. Em 1988, o cantor frequentou as páginas policiais: a mulher, Cida, segundo ele, sofrera acidente com arma de fogo na residência do casal, na capital paulista. Nelson nega ter atirado nela, mas foi processado. Parou de beber e de cheirar cocaína, mas voltou aos vícios. Só se livrou dos tormentos no fim dos anos 1990. Em 2003, sofreu o AVC que interrompeu sua carreira. Perdeu a fortuna e contou com os cuidados dos irmãos Ned Helena, Nélia, Nedson, Neuma, Neyde e Nelci. O cantor foi casado duas vezes e deixou três filhos: Monalisa, Verônica e Nelson Jr.

Ubá

Ano passado, o cantor ganhou homenagem em Ubá. O Memorial Nelson Ned abriga pequeno acervo alusivo à carreira dele. “O Brasil perdeu um de seus grandes poetas e compositores. Esse artista levou o nome de Ubá, de Minas Gerais e do Brasil para o mundo”, afirma o pesquisador João Carlos Teixeira Mendes, de 55 anos, responsável pela festa para o conterrâneo.


Cunhado do cantor, Rubens Pereira ressalta a cordialidade, gentileza e generosidade dele com a família. “Nelson ajudou a muita gente, mas não gostava de divulgar isso. Vê-lo cantar, com toda aquela emoção, sempre foi uma alegria para os fãs. Morre o homem, mas não o artista, porque a obra dele vai ficar para sempre”, conclui. (Colaborou Walter Sebastião)


Túlio Santos/EM/D.A.Press
(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

Palavras do cantor

"Quando virei evangélico, era muito depravado, bebia muito, usava muita droga e tinha muitas mulheres. E aí Deus falou comigo de madrugada. Porque Deus fala com a gente é de madrugada: ou você muda, ou vou tirar você daqui. Então eu
resolvi mudar.”

“A coisa que mais sinto falta de Minas é a comida. Eu amo o Brasil. Eu amo Minas Gerais e eu amo Ubá.”

“Conheço o mundo inteiro. Viajei muito. Mas gosto mesmo é de Miami. Foi lá que minha carreira internacional começou. Mas pra mim já está bom. Tá na
hora de sombra e
água fresca.”

“Tenho saudades de mim mesmo.”

Nelson Ned em sua última entrevista, ao Estado de Minas, em 7 de dezembro de 2013

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