Duplas sertanejas apostam no videoclipe para enfrentar a volatilidade do mercado

Febre que começou com Teló reduz ainda mais a vida útil do CD e do DVD

por Eduardo Tristão Girão 03/08/2013 08:25

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Fernando Hiro/Divulgacão
Michel Teló ganhou projeção graças a videoclipe de "Ai se eu te pego" e "Fugidinha" (foto: Fernando Hiro/Divulgacão)

Até o aquecido mercado de música sertaneja vive lá suas dificuldades. As duplas seguem tocando sem parar para milhares de pessoas, mas agora terão de reaprender a lidar com a internet. A facilidade de acesso a conteúdo grátis na rede redimensionou a importância do CD e do DVD. Um dos gatilhos desse processo, iniciado há poucos anos e atualmente em ebulição, é o videoclipe. Mais barato e eficiente que o DVD, ele virou prioridade. Transformado em pílulas bimestrais, o repertório de um álbum pode manter a atenção em torno de uma dupla por mais de um ano.

No Brasil, o videoclipe viveu seus dias de glória nos anos 1990 com a emissora MTV, que enfrenta severa crise. Atualmente, é ferramenta indispensável dos sertanejos para lidar com a rapidez do consumo de música. Artistas, produtores, diretores e empresários concordam: a "vida útil" de CDs e DVDs diminuiu muito – eles não duram mais do que três meses. Isso se deve às novas formas de acesso ao conteúdo artístico, fragmentado e gratuito, como ocorre no YouTube. A estratégia é usada tanto por grandes quanto por pequenos.

"Desde 2006, o sertanejo é o principal filão da minha empresa", afirma Jacques Júnior, dono da produtora paranaense Jacques. Ele começou dirigindo um clipe para Hugo Pena & Gabriel. Em 2010, fez "Fugidinha" para o conterrâneo Michel Teló. "Aí começou a febre do clipe", conta. O trabalho com o astro continuou com o vídeo de "Ai se eu te pego" – graças ao estouro dessa canção, a produtora ganhou dimensão nacional.

O investimento médio em um clipe chega a R$ 40 mil, informa Jacques. "Com R$ 10 mil não dá para fazer, sai malfeito", garante. Ele se orgulha de ter criado produto para a canção sobre um casal sem usar cenas de amassos ou beijos. "Descarto apelação. Clipe meu sempre tem história e surpresa no final, gosto de conteúdo. Jogo muito limpo com o artista, falo se a ideia dele é brega, se já tem muita gente fazendo igual. O diferente é que dá audiência", afirma. Segundo ele, o DVD "benfeito, com 18 músicas", custa cerca de R$ 500 mil.

Nesse caso, o preço por canção acaba saindo mais barato (R$ 27 mil) que o clipe, mas a justificativa para a superioridade do segundo formato é muito simples: "Quando se lança um DVD, o produto inteiro, com todas as músicas, fica velho logo. Antigamente, CD tinha validade de um ano. Isso mudou com a internet: hoje, as músicas valem no máximo por três meses".

Ideia


Autor de clipes comentados como o de Te vivo, de Luan Santana, o diretor Alex Batista, da produtora FX Render, prefere não comentar valores. "Não há média de preço para isso. Nem sempre o melhor é o mais caro. Com uma boa câmera de smartphone, é possível fazer um clipe, desde que se tenha uma boa ideia. É como perguntar quanto custa para pintar um quadro", compara.

Batista percebeu o aumento da demanda de clipes por parte de sertanejos há três anos. Até então, trabalhava sobretudo na seara do pop rock. Ele atendeu o Strike, o NX Zero e a banda Fresno. "O YouTube democratizou o produto, abriu portas para outros segmentos. A dupla Fernando e Sorocaba, por exemplo, me procurou por causa da minha linguagem de rock. Queriam deixar o trabalho deles mais pop, mais jovem. Fizemos isso com a canção "É tenso"", lembra.

Milhões


Os números impressionam: "É tenso" ultrapassou 12 milhões de visualizações no YouTube em cerca de 18 meses, enquanto o clipe de "Te vivo", lançado poucos meses depois, já superou 31 milhões de visualizações.

"A bela e o fera", novo clipe de Munhoz e Mariano, segue o mesmo caminho: foram mais de 4 milhões de visualizações em dois meses. O diretor desse último trabalho, Jacques Júnior, fez "Balada louca" para a dupla – canção incluída no seu último DVD.

"A maioria dos artistas procura atrizes famosas para seus clipes. Nós não. Acho até que isso tira um pouco o foco do trabalho – a não ser que a música peça, que fale de mulheres. O acesso ao clipe é fácil e rápido. O público está ficando exigente, enjoando rápido e querendo coisa nova. Não diria que seja essencial, mas clipe traz um atrativo a mais. Ajuda muito no lançamento de música na internet", opina Mariano.

"Camaro amarelo", sucesso dele ao lado de Munhoz, é um dos clipes sertanejos mais populares. Já passou dos 48 milhões de acessos.

Marcus Castro/Divulgação
Marcelo Silva e Ryan, artistas de Contagem, mandaram o clipe de A gente se completa para a rede (foto: Marcus Castro/Divulgação)

Mineiros entram na onda

Jovens artistas também apostam no videoclipe para chamar a atenção do público. É o caso do cantor e compositor Lucas Lucco, mineiro de Patrocínio. Com apenas nove meses de carreira e um CD, ele está prestes a lançar o terceiro.

O de "Princesinha", no ar desde março, já bateu seis milhões de visualizações. "As coisas ocorreram muito rápido, ainda não tive como gravar DVD. Essa foi a forma de divulgar minha imagem, pois as pessoas ouviam a música, mas não me conheciam", justifica Lucco.

Semana passada, a dupla Marcelo Silva & Ryan, de Contagem, lançou o clipe de "A gente se completa", que ainda engatinha, com quase 30 mil visualizações. Apesar da certeza de apostar nesse formato (no lugar do DVD), os dois já sentem a pressão da concorrência com artistas famosos.

"Em quatro meses, a gente vai fazer outro videoclipe. O mercado atual é muito rápido e amplo. O pessoal consome música demais. Duplas estouradas acabam forçando a barra em relação aos mais modestos, como nós, pois lançam coisas novas todos os meses", conclui Marcelo.

:::Entrevista:::

Marcus Vinícius
autor do blog Blognejo


EM - Que tendências você vê nos atuais clipes sertanejos? Que estratégias estão sendo usadas?

R. No início da explosão dos clipes no mercado sertanejo, não havia preocupação com roteiro. Hoje, no entanto, com o gênero se voltando mais para a tendência romântica, a preocupação em contar uma história tem sido maior. Há algum tempo, bastava encher uma boate ou uma festa e filmar a performance dos artistas e dos figurantes. Por conta disso, destacam-se clipes com cenas em câmera lenta, a direção de fotografia com tons mais escuros. Tudo remete ao clima mais cinematográfico.

EM - Sertanejos veteranos chegaram a mostrar nudez em seus clipes, o que não ocorre hoje. Por outro lado, muitos dos novos artistas continuam a apostar na banalização da figura feminina. O que isso significa?

R. Alguns dos artistas atuais veem a necessidade de sempre levar a música sertaneja para o perfil de balada para conseguir manter agenda consistente de shows. Como o segmento substituiu os principais ritmos nas baladas do país, parece haver necessidade de cobrir espaços vagos, principalmente relacionados à sensualidade. O sertanejo sofreu influências do axé e do funk. Isso se refletiu até na forma como a mulher é mostrada nos videoclipes, pois tanto o axé como o funk sempre a mostraram da forma mais sensual possível. Curiosamente, essa prática é muito mais comum por parte de artistas sem grande expressão.

EM - E os famosos?


R. Os nomes do primeiro time costumam evitar esse tipo de banalização em seus clipes. Há uma falha de interpretação do mercado por parte de nomes de menor expressão. Ao colocar mulheres seminuas em videoclipes, os artistas 'menores' parecem achar que é isso que o público procura. Os ‘maiores’ já não fazem assim, por entender o mercado de forma mais ampla.

EM - Quais foram os clipes sertanejos mais interessantes que você já viu? Por quê?

R. Da nova safra, o mais interessante, com certeza, foi o da música Te vivo, do Luan Santana. Além de ter consolidado a linguagem narrativa nos videoclipes sertanejos, o que não era tão comum, mostrou que os clipes sertanejos podem, sim, trazer inovações com relação a efeitos especiais e tudo mais, o que ainda não é tão usual. O clipe de Só pra te fazer lembrar, do cantor Lucas Lucco, também foi bastante elogiado na questão narrativa. Traz final bastante perturbador, mostrando que nem todo clipe precisa ter final feliz. O clipe de Era pra ser eu, do cantor Loubet, também segue essa linha do final bombástico.

:::Vídeos:::


Confira o clipe de "A Bela e o Fera", de Munhoz e Mariano:



Assista também ao clipe de "Ai se eu te pego", de Michel Teló:


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