Música orgânica no novo disco de Wado

Atlântico negro, novo trabalho do catarinense-alagoano, brinda os fãs com a mistura de ritmos que está no DNA do cantor, enriquecida por literatura e sociologia

por Lilian Monteiro 02/12/2009 11:33

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Maíra Villela/Divulgação
O compositor Wado traz para o terreno da canção a ficção do romancista moçambicano Mia Couto (foto: Maíra Villela/Divulgação )
Afoxé, funk, samba, a literatura do escritor moçambicano Mia Couto e as ideias do sociólogo inglês Paul Gilroy. Mistura que define a música de Wado, cantor catarinense-alagoano, em seu mais novo trabalho, Atlântico negro. O CD, com 11 faixas – oito inéditas –, concebido a partir do Projeto Pixiguinha – com valiosa contribuição de R$ 90 mil –, toca a alma. Com sonoridade ímpar, poesia, humor e manifesto, o som é a esperança de quem gosta de música de qualidade e sonha para que o artista que foge do lugar-comum ganhe voz e espaço numa cena mais chata do que inovadora.

Quando não está no palco, Wado cumpre horário na Secretaria de Cultura, em Maceió. É a vida equilibrista de quem vive de música no Brasil. Fora as broncas pelas faltas e atrasos por causa dos shows, ele vai levando. E foi de lá que ele conversou sobre o Atlântico negro – lançado um ano depois do Terceiro mundo novo –, suas referências, música mineira, mercado fonográfico e muito mais: “Foi um disco rápido. O conceito e a pesquisa estão na mistura dos ritmos periféricos. Achei interessante porque a definição foi obra do acaso. Tocava violão de náilon em casa, registrei algumas músicas e gravei para pensar a respeito. Mas o projeto foi aprovado e as usei como base do disco. O Atlântico... é humano e orgânico, nasceu bem diferente do Terceiro mundo novo, que era bem eletrônico”.

Com letras que saem da mesmice, Wado conseguiu um encontro com Mia Couto. Parceria simbólica que aproximou Moçambique de Alagoas. As faixas Estrada e Hercílio Luz têm trechos de livros do escritor, que conta a história do seu povo a partir de palavras híbridas de dialetos tribais e do português: “Leio Mia há três anos e sempre achei seu texto musical. Ao criar a melodia, encaixei frases que gostava, misturei trechos de livros como Terra sonâmbula e Último voo do flamingo. São pequenas frases tiradas dos romances. Entrei em contato com a editora dele, em Portugal, ele aceitou, foi gentil e generoso”, explica.

Experiências novas o movem. Daí o mergulho, desde o início da carreira, nos ritmos periféricos, que ele funde e cria um novo som, com sua assinatura. “Adoro música brasileira. No Nordeste, ouvimos muito e temos esse laço com os sons periféricos. Não faço pesquisa, mas desde que morei no Rio, por exemplo, fui tocado pela batida funk. Meu amigo Hermano Viana me aproximou do DJ Marlboro, me aprofundei no ritmo e usei no disco. Meu som é definido pelas memórias afetivas desde a adolescência, com a turma atrás do trio elétrico, a bateria do axé dos anos 1980 com Margareth Menezes, Araketu e Olodum”, lembra.

MACACO Difícil escolher a melhor faixa de Atlântico Negro. Mas vale destacar a releitura de Cavaleiro de Aruanda. “Margareth Menezes e Ney Matogroso cantaram e, apesar de não ser ligado, descobri que sou Oxóssi, então, também é uma homenagem”. As regravações de Feto (2001) e Sotaque (2002) surpreendem: “Nos shows, fazia a fusão dessas músicas. Mais tarde, percebi que são complementares. Decidi gravar. Agora, sim, têm o sentido completo”. O encantamento fica por conta da faixa 7, Pavão macaco, única canção de Wado sem parceria.

Wado ressalta a alegria de ter trabalhado com o produtor Kassin (do trio Kassin, Moreno e Domênico) e exalta os músicos da banda que o acompanha desde o último CD. “Quem é independente deixa de fazer muitas coisas por falta de recurso. O Pixinguinha me proporcionou trabalhar com o Kassin. Fiquei feliz porque, além de produtor, é artista. Ele me fez revelar certas camadas ocultas, além de nos ajudar com sua qualidade técnica e nos dar uma assinatura de peso”, reconhece.

Sem preconceito com o que é bom, Wado revela o quanto já bebeu da música mineira. Conta que escuta muito, dos antigos até os contemporâneos. “Meu segundo disco, Cinema auditivo, tem total influência do Clube da Esquina. Gosto de Milton Nascimento, Beto Guedes, dos ex-meninos do Udora”, confesa. Com quase 10 anos de carreira, Wado conquista espaço a cada ano. Reconhecido pela crítica, ainda não atingiu o grande público. O lado bom é que tem fãs fiéis e seguidores de seus shows. Admiradores não faltam, como Zeca Baleiro, Marcos Valle e Maria Alcina, que gravaram músicas de sua autoria.

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