Série 'Os experientes' coloca em evidência personagens idosos

Diretor Fernando Meirelles diz ter interesse em saber "o que muda quando estamos cara a cara com a morte"

por Ana Clara Brant 10/04/2015 09:03

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Jairo Goldflus/Divulgação
O ator Juca de Oliveira como o personagem Napoleão em 'Os experientes' (foto: Jairo Goldflus/Divulgação)
Desde garoto o cineasta Fernando Meirelles se interessa pelo tema da velhice. Pode parecer estranho, mas ele sempre pensou diariamente na morte. Essas características somadas a uma ideia de seu filho e também diretor Quico Meirelles levaram os dois a se aventurar numa empreitada pouco explorada pela TV.

“Acho que meu interesse no assunto é entender o que muda em nós pelo fato de estarmos cara a cara com a ‘indesejada da vida’, ou seja, a morte. Cara a cara com o fim, com o outro lado, ‘indo para essa região desconhecida cujas raias jamais viajante algum atravessou de volta’, como diria Hamlet”, afirma Meirelles, diretor-geral, ao lado de Quico, da série 'Os experientes', que estreia hoje na Globo. Escrita por Antônio Prata e Márcio Alemão Delgado, a série é uma coprodução da Globo com a O2 Filmes, de Meirelles.

O roteiro do seriado, que tem quatro episódios dissociados, aborda o comportamento de uma terceira idade cada vez mais numerosa, ativa e que hoje desfruta de benesses que os velhinhos de 30 anos atrás não conheceram. Histórias sobre envelhecer, mas também sobre se redescobrir, se reinventar e até começar a viver uma das melhores fases da vida.

“A ideia foi do Quico. Ele tem uma relação muito próxima com os avós e gosta bastante do universo da terceira idade, por isso quis fazer um projeto sobre e para eles. Na verdade, a série pode interessar às pessoas mais velhas, mas foi feita pensando em todos os públicos, talvez até mais nos mais jovens, que, às vezes, nem enxergam quem passou dos 50. Já filmei personagens mais velhos, mas nunca sendo a idade o tema central”, afirma o diretor, que vem do exitoso 'Felizes para sempre?'.

ELENCO

O elenco traz Beatriz Segall, Selma Egrei, Joana Fomm, Juca de Oliveira, Othon Bastos, Lima Duarte, além do cantor e baterista Wilson das Neves, do jornalista e apresentador Goulart de Andrade e dos músicos Germano Mathias e Zé Maria.

Na avaliação de Meirelles, a idade conferiu a esse time uma experiência de valor inestimável. “Esses atores sabem tudo sobre o ofício, têm estofo, têm peso em cada gesto e fazem seu trabalho aparentemente sem esforço. Dirigi até a Joana Fomm, de quem era fã há décadas. Quem diria! Só não pedi para fazer um selfie com cada um deles porque tive vergonha.”

Para um dos episódios, 'Atravessadores do samba', como os personagens fazem parte de um grupo de samba, o elenco exigia músicos de verdade. “O Goulart de Andrade é o único que não é músico, mas já foi ator e sabe tocar tamborim. Então deu certo. Wilson das Neves é um grande ator e poderia investir na carreira. O sensacional Germano Matias faz o Germano Matias mesmo, o mesmo jeitão que tem na série ele tem em sua vida. Nem precisou interpretar. Finalmente o Zé Maria, que toca cavaquinho, tem uma presença muito forte e uma voz tão potente que pedimos para ele narrar as quatro histórias”, conta Meirelles.

Juca de Oliveira, 80 anos de vida e 51 de carreira, é o protagonista do episódio 'O primeiro dia', em que intrerpreta Napoleão Roberto, que vive uma complicada relação com o filho Luiz (Dan Stulbach). O ator considera 'Os experientes' um projeto extremamente rico. Ele diz que, sendo completamente diferente de seu personagem, o trabalho para fazer aflorar as características psicológicas de Napoleão e sua busca pela reconciliação com o filho acabou levando-o a uma pesquisa interior que o ajudou a conhecer melhor a psicologia do velho e, por extensão, a se conhecer. “Quando isso acontece, o trabalho é uma alegria e uma recompensa. Acho a ideia desta série excelente. Com o aumento da longevidade, há uma considerável sobrevivência de velhos, o que provoca problemas até mesmo à Previdência Social, que tem seus custos onerados. A sociedade e a família têm que encarar e aceitar essa mudança. Os velhos de hoje são muito mais ativos que os do passado. Atuam socialmente, trabalham até mais tarde e têm uma vida social intensa. Os velhos de 'Os experientes' nos ajudam a compreender melhor este novo estágio da nossa convivência com os velhos da vida real”, ressalta.

Moda

A moda também está se rendendo aos mais experientes. Há um recente interesse da indústria fashion por modelos mais velhos, para estrelar campanhas publicitárias, catálogos ou até desfilar. A norte-americana Carmen Dell’Orefice, de 83 anos, é uma referência nesse sentido, já que é a manequim mais velha em atividade, e foi destaque na Semana de Moda de Paris de 2014. No Brasil, algumas agências estão recrutando profissionais na faixa etária da ‘terceira idade’, como a Bravo! Model, em São Paulo, que contabiliza cerca de 50 modelos entre 55 e 70 anos.

Três perguntas para...
Juca de Oliveira, ator

Como você vê o espaço que os mais velhos têm nas produções brasileiras de TV, teatro e cinema?

Os velhos atores sempre tiveram espaço no teatro, no cinema e na televisão. Há grandes personagens em toda a dramaturgia universal à espera de intérpretes velhos, ou ‘mais experientes’. Possivelmente, os melhores e mais ricos personagens. 'O Rei Lear', de Shakespeare, que estou tendo o privilégio de representar – já fiz uma temporada em São Paulo no Eva Herz e outra no Rio, no Teatro dos Quatro – é um deles.

Como foi seu processo de envelhecimento?

Normal. Sou caipira do interior de São Paulo (São Roque), vivo numa fazenda há quase 50 anos e aprendi com as plantas e os animais, os bichos, enfim, que todas as etapas da vida são iguais. Sempre achei que estivesse vivendo o melhor momento da minha vida. Aos 15, aos 30, aos 60 e agora aos 80 vivo, sem dúvida, o melhor mesmo! Aliás, nunca trabalhei tanto como agora. Atuando como ator e escrevendo. Uma delícia!

O que há de melhor e de pior em envelhecer?

O pior em envelhecer é você perder a noção de que está envelhecendo. É a ilusão de que tudo continua igual, o seu humor, as reuniões, as festas, os papos. Se você sempre foi a alegria da festa, se todos adoravam as suas piadas e riam de você, preste atenção: ao envelhecer nem todos continuarão fascinados pelas suas histórias. Porém, os velhos amigos, os amigos de sempre, sim, esses estarão sempre com você. Mas os mais jovens, os garotos e as garotas, irão saindo de fininho, muito antes do final das tuas façanhas. Se, no entanto, você tem consciência de que está envelhecendo, só existirá o melhor de envelhecer e tudo será naturalíssimo.

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