Internet e redes sociais se transformaram em instrumento de pressão no rumo de séries

Também são termômetro de audiência para produtores e fontes de entretenimento dos programas muito além das telinhas

por Fernanda Guerra Nahima Maciel 04/02/2014 09:01

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HBO/Divulgação
'Game of thrones' é a série mais pirateada do mundo. Produtores veem como algo positivo (foto: HBO/Divulgação)
[FOTO'] Não é de hoje que a audiência se manifesta diante das produções de TV. Em 1967, a NBC ameaçou acabar com a série 'Jornada nas estrelas' por acreditar que o público era inferior ao esperado. Campanhas dos fãs com cartas protelaram e mudaram a decisão da emissora. A mobilização do século passado é exemplo da força dos telespectadores e primo distante de um processo agora revigorado pela tecnologia. Os serviços de transmissão online, as apostas dos canais pagos na internet e a interatividade da web propiciaram mais participação diante das produções - seja através de tuítes, fóruns de discussão, leituras ou alimentação de blogs e sites detalhistas a ponto de conferir releituras às tramas. E a pressão dos fãs se tornou mais poderosa do que as pesquisas de audiência que regulavam os rumos das novelas.

Em 2013, o cão Brian morreu em um episódio de 'Family Guy' até ser ressuscitado após petição online criada por fãs. “Vocês não acharam que nós iríamos matar o Brian, acharam? Jesus, nós teríamos que estar bem loucos”, saiu-se o criador da série, Seth MacFarlane, via Twitter. Os obcecados por 'Arrested development' e 'Ripper Street' conseguiram, no ano passado, que a FOX e a BBC recuassem no cancelamento dos programas e produzissem mais temporadas. A série 'Arrested', sobre uma família disfuncional, foi produzida pela Fox entre 2003 e 2006. Um abaixo-assinado na internet recebeu mais de 64 mil assinaturas pela volta do seriado e o Netflix assumiu a produção. Em maio de 2013, o canal disponibilizou, de uma só vez, mais 15 episódios.

Sam Urdank/Divulgação
Um abaixo-assinado na internet pediu a volta do seriado 'Arrested development' (foto: Sam Urdank/Divulgação)
'Ripper', sobre histórias das ruas cenários de crime para 'Jack, o Estripador', no século 17, seria trocada por um reality show. Mas os fãs se queixaram, e novos capítulos aguardam financiamento da Amazon Love Film. A antipatia de espectadores de 'Lost', da ABC, tiraram de cena um personagem vivido por Rodrigo Santoro e ressuscitaram Fringe, série sobre universos paralelos.

Para a pesquisadora em audiovisual Karina Barbosa, doutoranda da Universidade de Brasília (UnB) e professora da Universidade Católica de Brasília, o fenômeno é recente e tem características próprias. “O fã nunca esteve tão próximo”, constata. “Antes, havia participação, o espectador já se manifestava, mas as redes sociais são mais instantâneas e coordenadas, até porque os próprios produtores estão lá. Não tem intermediação das emissoras.” Há, porém, um limite para as modificações. “Os produtores abrem mão ou mudam naquilo que não compromete a visão artística”, aponta.

À distância dos centros de produção, o envolvimento dos fãs estimula a apreciação das tramas. No Brasil, séries como 'Doctor Who', 'Game of thrones', 'Breaking bad', 'Dexter' e 'Revenge' fomentaram criação de sites específicos para debatê-las ou admirá-las. Os portais exploram informações sobre spoilers, elenco, trilha sonora ou premiações. Em alguns, o diferencial é a visão analítica ou curiosidade nas entrelinhas, com minúcias sobre as cenas. “As séries não são feitas para os brasileiros. Portanto, esses fãs criam meios e práticas para participar daquilo. Produzem fanfics, trocam informações, legendam episódios. Tornam-se especialistas”, pontua o pesquisador sobre cultura de fãs e séries e professor de ESPM do Rio de Janeiro Pedro Curi. Ele destaca a exibição simultânea de 'Game of thrones' no Brasil e nos EUA. “As pessoas assistem juntas. Elas comentam em tempo real. A chegada do Netflix colaborou com o sucesso de Breaking bad”, avalia.

Confira o teaser da nova temporada de Game of thrones:



O site 'Game of thrones Brasil' foi criado em 2010 para preencher uma lacuna. “Procuramos spoilers e informações sobre 'A song of ice and fire' ('As crônicas de gelo e fogo') na internet e percebemos que ninguém comentava os livros no Brasil”, explica a baiana Lidiany Santos, 26, membro da equipe do portal. “Nós cobrimos a maioria dos acontecimentos simultaneamente, tentamos trazer todo o conteúdo publicado no exterior para a língua portuguesa. Assim que os episódios são exibidos, nós liberamos espaço para o público comentar, com spoilers para quem já leu os livros e sem spoilers para quem ainda não viu”, destaca.

A repercussão na web é parâmetro para canais, produtores, roteiristas e serviços on demand. A HBO e a Warner, por exemplo, ignoram a polêmica sobre pirataria e garantem que o consumo ilegal aumenta o sucesso. Antes de adquirir uma série, o Netflix analisa o ranking das mais baixadas. “As próprias emissoras passam a desenvolver estratégias transmídias, já pensando em como explorar o apelo conversacional das redes sociais”, ressalta a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Yvana Fechine.

Com isso, as emissoras atentam para promover o engajamento de público e redes sociais e a retroalimentação de conteúdos. “A influência dos espectadores é muito grande. As emissoras prestaram atenção no que os fãs achavam e no que estavam fazendo. Começaram, por exemplo, a soltar spoilers e informações sobre a trama, colocar uma piada interna ou insinuar na própria série alguns fanfics, como em Supernatural. Se o fã quer participar, tem que criar o diálogo”, analisa Pedro Curi.

AXN/Divulgação
O site sobre' Breaking bad' disseca minúcias de cenas da série (foto: AXN/Divulgação)
Os sites


Guia com endereços onde o conteúdo é tão interessante quanto a série

Breaking bad Brasil (www.breakingbadbrasil.com)
O site também reúne podcast (áudios), comentários, curiosidades, notícias e vídeos promocionais. Mesmo com o término da série, Fábio Lins continua atualizando. Também escreve sobre o spin-off, Better call Saul. Atualmente, faz pesquisa diária sobre os episódios exibidos na TV Clube/Record e compartilha com os seguidores através de webchat.

Doctor Who Brasil (doctorwhobrasil.com.br)
Referências das 26 temporadas clássicas encontradas nas oito recentes são exploradas em Doctor Who Brasil. Com 30 mil visitantes únicos por mês, aposta em gifs para falar sobre a série mais longa da história. Foi criado pela jornalista paulista Thaís Aux, 30, por diversão. Para os 50 anos, lançaram contagem regressiva. Enquanto a nova temporada não estreia (em agosto), foca nas curiosidades da série clássica.

Game of thrones Brasil (www.gameofthronesbr.com)
Espaço mescla informações sobre livros, séries e jogos. Uma contagem regressiva acompanha dias, horas, minutos e segundos até a 4ª temporada, em 6 de abril. Publica resenhas de livros, contos, episódios, personagens, imagens, vídeos, entrevistas, notícias sobre elenco e guias de episódios. Utiliza podcast, gráficos e enciclopédia com 1400 artigos. Tem 149 mil curtidas no Facebook e 20 mil acesso diários.

Revenge Brasil (revenge-br.tumblr.com)
A maioria dos sites de séries se restringe a informações sobre episódios, elenco, audiência e especulações. Um dos exemplos é o Revenge Brasil, que costuma comentar o desenrolar do plano de vingança de Emily Thorne. Reproduz entrevistas com produtores e elenco, publica índices de audiência, galeria de imagens e posta notícias sobre as exibições no país, como o retorno da 2ª temporada à Globo.

The walking dead (www.thewalkingdead.com.br)
É o mais antigo site brasileiro (e da América Latina) sobre a série da Fox. Segundo informações disponíveis no portal, mais de 10 milhões de visitas foram contabilizadas desde a criação. Publica informações sobre quadrinhos, jogos, séries e livros. Compartilha podcasts, resenhas e spoilers. Criou um “guia da quarta temporada”, com respostas de questionamentos frequentes dos fãs sobre estreia.

Pretty Little Liars (www.prettylittleliars.com.br)
As séries teens são atrativos para criação de fã-clubes. Formada por cerca de dez pessoas, a equipe se define como “fã-site”. Divulga informações sobre elenco, episódios, vídeos e galerias de fotos do quarteto protagonista. Faz resenha dos livros, que inspiraram a criação da séries de televisão.

Glee (www.gleekbrasil.com)
O episódio 100 da série, previsto para março, desperta curiosidade nos inúmeros fãs. Não faltam spoilers para aguçar o interesse do público. Parte deles - com fotos e vídeos - pode ser visto no site, atualizado por fãs de todo o Brasil. A equipe é extensa, com mais de 30 pessoas. Notícias, lista de músicas das cinco temporadas e atores do elenco. O portal reúne notícias sobre atores que já deixaram a série.

Valeu a pressão - Outros exemplos de séries influenciadas por telespectadores

Dr. Who
A série da BBC sobre um alienígena capaz de viajar no tempo e dono de 12 encarnações ganhou virada extraordinária depois que espectadores fanáticos reagiram zangados ao fim próximo do personagem. No episódio especial de Natal, o autor Steven Moffat concedeu a ele mais 12 encarnações, o que complica os próximos episódios da oitava temporada.

Sherlock
O episódio especial de Sherlock, exibido no primeiro dia do ano, pareceu resposta aos comentários nas redes sociais. Na história de Mark Gatiss, roteirista de Dr. Who, uma fala de Sherlock quase reage à reação indignada dos fãs em relação ao momento em que o personagem escapa da morte ao despencar de um telhado. Sherlock estreou em 2010 com apenas três episódios e está na terceira temporada, que se encerra em fevereiro.

Orange is the new black
Na série de 13 capítulos produzida pela Netflix, a reação dos fãs também provocou mudanças, como a volta de Alex Vause e o aumento da participação de Crazy Eyes. A atração mais assistida do canal narra a passagem pela prisão de Piper Chapman, mulher de classe média alta que se apaixona pela traficante Vause e é encarcerada depois de ajudá-la a transportar dinheiro ilegal. A despedida dela já estava programada, mas os fãs pediram e ela vai continuar.

Fãs e observadores

Interatividade
O site Breaking bad Brasil é forte em aprofundar os comentários. Em 2010, o mineiro Fábio Lins, 34, assistiu aos primeiros episódios da série e logo lançou o blog, que virou site. O gerente comercial queria apenas comentar a série. “Não criei para ter um retorno de público. Queria comentar e reunir fãs. Só depois, ficou explosivo”, resume. O site chegou a 200 mil visitantes únicos e 500 mil visualizações por mês. “E o acesso voltou com a exibição na TV Clube/Record, que despertou mais interesse dos brasileiros”, afirma ele, que já trocou tuítes com roteiristas e produtores.

Civilidade
O estudante Orlando Dantas, 21, é apaixonado por Glee. Para legitimar o afeto pela série da Fox, lançou o grupo Gleeks Club PE no Facebook e planeja criar um blog, com mais dois coordenadores. Eles repassam informações e trabalham bandeiras defendidas no programa, como a rejeição a minorias. Os debates online são transportados para a realidade, com encontros em livrarias ou parques. “Muita gente que curte a série é gay. Isso é uma coisa legal, já que crianças participam dos encontros e veem que isso não é anormal. A série é contra preconceito”, defende um dos organizadores.

Cena dissecada

Para um apreciador da série, tudo levado ao ar tem um sentido

A seção Easter eggs, do Breaking bad Brasil, é a mais difícil de fazer. Expõe detalhes despercebidos pelo público, como o significado de nome de episódios, um quadro no fundo de uma cena, um detalhe numa placa de um carro ou a calça jogada no primeiro episódio no deserto que reaparece em outro capítulo. Até as cores merecem destaque. “Elas ilustram o estado de espírito dos personagens. O vermelho significa perigo. Quando Walter (White, interpretado por Bryan Cranston) está de preto, ele se transformou em Heisenberg (a face má). No momento de morte, objetos roxos aparecem em cena”, comenta. Veja detalhes observados em cena:

 AXN/Divulgação
Breaking bad Brasil reúne curiosidades sobre as cenas (foto: AXN/Divulgação)


Placa
No episódio Finale, o automóvel utilizado por Walter para guardar uma arma tinha a terminação 516, “clara” referência ao último episódio da série: 5X16.

Caneca
Uma personagem bebe chá em caneca com a imagem da bandeira dos EUA que diz: “Estas cores não funcionam”. “Provável” ironia à cena em que se tenta dar coloração azul à metafetamina.

Quadros
No 12º episódio da quinta temporada, quadros da casa ilustram imagens da reserva de Navajo To’hajiilee, cenário do episódio piloto da série.

Felina
O nome do último episódio, anagrama de finale, vem da trilha da cena, El paso, de Marty Robbins. Fãs dizem que traz elementos químicos: Fe (Ferro), Li (Lítio) e Na (Sódio), usados na metanfetamina.

Urso Caolho Rosa
Aparece primeiro no mercado. Em seguida, na piscina. Depois, em um quadro. Em outra ocasião, descobre-se que caiu de um avião. No fim do quarto ano, o vilão é morto e assume a forma do urso.

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